Com um montante de R$ 43 bilhões em dívidas, a Americanas (AMER3) entrou com pedido de recuperação judicial na última quinta-feira (19). Para especialistas no mercado, apesar do fôlego que ganhou, ainda não há certeza que ela conseguirá se recuperar e, caso consiga, sua operação sofrerá alterações significativas.
“A recuperação judicial ajuda a empresa a não quebrar no dia seguinte, mas não necessariamente ela vai sair dessa. Vai ser uma época muito difícil. Se ela conseguir, provavelmente, vai ser reduzida bastante”, disse o analista da Levante Investimentos, Flavio Conde.
Segundo Conde, a expectativa é que, caso a varejista se recupere, ela reduza seu tamanho e passe por muitas mudanças, que incluem o fechamento de lojas físicas que dão prejuízos, venda de ativos e mudança da política de preço no site. “Ela também vai ter um custo trabalhista alto, porque terá que realizar demissões”, explicou.
O sócio do GBA Advogados Associados, Felipe Granito, também concorda que a situação da Americanas seja complexa e acrescenta: “Além do valor da dívida, temos a inviabilidade das ações na Bolsa de Valores, o que tira a segurança da empresa, sendo impossível cravar sua recuperação”, explicou. A companhia deixou nesta sexta-feira (20), todos os índices B3.
Na visão do analista chefe e sócio da Harami Research, Fábio Sobreira, o mercado está vendo negativamente a situação. “Para o mercado isso é muito ruim. É um fôlego a mais, mas a empresa ainda precisa provar que ela tem condições de se recuperar. A gente tem casos de recuperações judiciais complicadas, essa não é a maior do Brasil, mas a gente enxerga que são referências. A Americanas vai ter que mudar seu modus operandi, eliminar um monte de coisa que não dá lucro. Ainda vamos precisar esperar”, disse.
Credores e Americanas (AMER3)
Durante a recuperação judicial, a companhia pode pedir a renegociação das dívidas, o que não agrada os credores, segundo os especialistas. “Provavelmente, ela vai pedir um corte de pelo menos 50% da dívida, ela vai falar ‘com essa nova estrutura eu consigo gerar tanto de caixa livre, mas eu preciso de dez anos para pagar tudo’, no estilo o que a Oi (OIBR3) já fez”, disse Conde.
Por conta disso, bancos e outros credores tentam tirar sua parte da negociação, como explica Sobreira: “Eles querem tirar a parte deles da recuperação judicial, como aconteceu com o BTG, porque daí vai acontecer negociação, os valores diminuem. E como os bancos emprestaram com garantia, eles querem executá-las”, disse.
“Os credores vão para cima para tentar receber tudo, mas dificilmente receberão, porque a empresa nunca foi lucrativa, sempre teve vários prejuízos, diversos anos com caixas negativos. A cada quatro trimestres, ela dava três de prejuízos e ao mesmo tempo aumentava capitais, nunca parava. Mas o mais preocupante, não é só essa parte lucrativa, é que a dívida é muito maior do que ela tem condição de pagar”, completou Conde.
BP Money explica o que é uma recuperação judicial
Para o que serve esse processo?
Felipe Granito – A recuperação judicial, regulamentada por meio da Lei 11.101/05, e posteriormente, atualizada pela nova Lei de Recuperação e Falência 14.112/20, refere-se a um processo em que a empresa devedora assume sua crise econômico-financeira e estabelece um plano, junto com os credores, para seu soerguimento a fim de evitar a falência.
Com o pedido de recuperação aprovado, a companhia recebe o prazo de 180 dias, em que todas as suas obrigações e dívidas ficam suspensas, para a renegociação e planejamento, onde a prioridade de pagamento são credores trabalhistas e fornecedores de matéria-prima, garantindo a preservação da função social das empresas.
A princípio, qualquer pessoa jurídica com registro de atividades de no mínimo dois anos podem entrar com o pedido de recuperação judicial, exceto empresas públicas, sociedades de economia mista, planos de saúde, consórcio, cooperativas de crédito e outras instituições financeiras.
E se ela não conseguir cumprir com o que acordou?
Fábio Sobreira – Esse projeto de soerguimento tem que ser aceito pela maioria dos credores, que têm que acreditar e deixar a empresa sobreviver até a empresa pagar tudo, como o que aconteceu com a Oi recentemente, ficou desde 2016 e conseguiram sair, venderam um monte de ativos, pagaram dívidas. Ela continua devendo, mas concluiu as obrigações e não está mais em processo de recuperação.
Se a empresa deixar de cumprir com o que prometeu, aí vai ser decretada a falência da empresa e a diferença da falência é, tira-se o controle das pessoas que hoje estão com ele. Na recuperação judicial, continuam os mesmos controladores, eles quem vão escolher quem é o CEO, quem são as pessoas que vão administrar a empresa.
Se decretar falência, aí não, vai para a Justiça, não será mais uma empresa em operação, os bens vão ser liquidados, não mais pelos seus valores contábeis e sim valores de liquidação, que é muito menor. Uma coisa é você vender uma empresa que tem fluxo de caixa futuro, que pode gerar benefícios futuros e esses ativos valem o que eles podem vir a proporcionar. Na liquidação, é um preço rápido.
O que acontece com as ações da companhia durante a recuperação judicial?
Felipe Granito – Companhias em recuperação judicial não são elegíveis para integrar nenhum índice da Bolsa devido a sua instabilidade. Portanto, sua participação é redistribuída de maneira proporcional aos integrantes da carteira.
Haveria alguma alternativa para a situação da Americanas? Como um follow on?
Felipe Granito – O follow on é o evento onde a companhia que já possui capital aberto emite mais ações para serem negociadas no mercado e consequentemente arrecadar mais capital. No caso da Americanas, a companhia já realizou esse evento no ano de 2020 durante a pandemia, porém, pedidos deste tipo podem gerar a instabilidade do mercado após o pedido de recuperação judicial.