Shein e Shopee não serão mais taxadas? Não é bem assim; entenda

Governo voltou atrás em proposta de acabar com isenção do imposto para compras internacionais de até US$ 50

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), voltou atrás, na terça-feira (18), sobre a isenção do imposto em encomendas internacionais de até US$ 50 (cerca de R$ 250). A informação foi comemorada na internet por consumidores fiéis de grandes e-commerces asiáticos, como Shein e Shopee, que estavam na mira da medida.

Contudo, especialistas ouvidos pelo BP Money explicam que, na verdade, nada mudou. A isenção do imposto, já existente em lei desde 1980, é somente para compras entre pessoas físicas, o que não se configura na relação entre as plataformas e os consumidores. Sendo assim, as compras devem ser taxadas da mesma forma.

“O que acontece é que a Shein, Shopee, dizem que são apenas plataformas, mas não vendem, apenas facilitam a transação [entre pessoas físicas]. Essa é a grande defesa deles. Mas isso não é verdade, a ‘pessoa física’ lá da China é uma laranja. Na verdade, é uma empresa que está usando uma pessoas física para exportar um produto e usar a isenção fiscal”, explicou o advogado tributarista Fernando Zilveti.

Além desse mecanismo, outra estratégia utilizada como brecha na legislação pelas gigantes asiáticas é a de separar compras mais caras em mais de um pacote, com o objetivo de diminuir o valor declarado e também não pagar imposto. Tudo isso, segundo Haddad, é um “contrabando digital” e gera deslealdade com o varejo brasileiro.

Entenda como é a taxação

Produtos de até US$ 500 pagam um imposto de 60% sobre o valor da compra, o frete e algum possível seguro. Para compras entre US$ 500 e US$ 3 mil, além desse imposto, há também a cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e de uma taxa de R$ 150 de despacho aduaneiro. Compras acima de US$ 3 mil têm incidência de outros impostos.

Sendo assim, todos os produtos importados para o Brasil, seja B2C (business to customer) ou B2B (business to business) pagam impostos. A isenção, então, se aplica a compras internacionais de até US$ 50, mas entre pessoas físicas. Acima disso, mesmo sem fins comerciais, também há tributação. O benefício foi criado há mais de 40 anos, com o valor de US$ 100, mas teve o limite reduzido pela metade no fim da década de 90.

Haddad voltou atrás

Por conta dessa brecha na legislação que a isenção do imposto deixava e abria espaço para a sonegação, o ministro da Fazenda propôs acabar com a regra, mas voltou atrás na decisão por ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após pressão popular. A determinação de Lula, por sua vez, tem relação com questões de popularidade, como explicou o analista político Anderson Nunes. 

“O PT tem uma preocupação que a popularidade do Governo pode diminuir com a taxação, porque vai acertar em cheio as classes que votaram diretamente no PT, as classes C, D e E. Alguns comércios locais também podem ser afetados, pois importam produtos desses locais e acabam revendendo de forma informal, na sua comunidade”, disse Nunes.

Ainda segundo ele, pessoas que importam algumas peças chinesas para melhorar ou completar seus produtos no Brasil, também seriam impactadas. “Ou seja, a classe popular vai ser afetada em cheio e isso vai mexer com a popularidade do Governo”, completou.

Por que o Governo queria taxar?

A previsão era de que a fiscalização gerasse R$ 8 bilhões por ano aos cofres públicos, como parte de um pacote de medidas que visa atingir a meta de arrecadação de R$ 155 bilhões proposta pelo novo arcabouço fiscal, que passará por votação no Congresso.

“O mundo está estudando como taxar as plataformas chinesas, não é só o Brasil. Essa é uma saída que está sendo discutida na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o mundo está perdendo base fiscal. Então tem que reforçar a fiscalização na alfândega e colocar as plataformas como responsáveis fiscais”, explicou Zilveti.

Além da arrecadação, outros motivos que justificavam a proposta era o fato de que a não tributação das plataformas chinesas afeta o comércio local, que se torna pouco competitivo e acaba fechando, segundo o advogado, por falta de vendas.

“Parece que é algo bom, porque deixa o produto mais barato, mas na verdade eu estou moendo o emprego no Brasil, porque o comércio vai acabar fechando, e é o que está acontecendo. O varejo perdeu o equivalente ao PIB de dois Uruguais no primeiro trimestre. Enquanto a gente está perdendo esse valor em PIB, alguém está ganhando”, completou.