“Quando eu comecei a trabalhar na mesa de operações de uma corretora, eu era a única mulher entre 15 a 20 homens”, relembrou a economista Alessandra Caterina, atualmente, trader na gestora Trígono Capital. Em homenagem ao Dia da Mulher, comemorado nesta quarta-feira (8), o BP Money conta a história de mulheres que decidiram quebrar as barreiras e ingressar em um ambiente historicamente dominado por homens: o mercado financeiro.
A história de Alessandra é similar a de milhares de outras mulheres que foram para essa indústria, que ainda caminha a passos lentos. Misoginia, discriminação pela maternidade, salários menores e assédio são alguns dos componentes que aparecem nos relatos das especialistas. Quando se trata de mulheres negras, a luta duplica para vencer o racismo.
“Já fui calada, já escutei que ‘lugar de mulher é na cozinha’ e que a ‘cara’ do mercado financeiro é definitivamente de gente branca. Pois bem, eu estou aqui e continuarei para provar o contrário e que somos tão competentes quanto qualquer um”, afirmou a também economista Camila Rodrigues.
Segundo ela, por diversas situações sentiu na pele a discriminação. Em uma delas, quando foi pedir efetivação por estar desempenhando uma série de trabalhos de cargos superiores ao seu, ela escutou “infelizmente, você não tem capacidade”. Mesmo assim, ela seguiu e foi até a diretoria apresentar o trabalho realizado.
“Hoje, eu atuo dentro da área de dados de um banco e é uma honra poder estar dentro de um setor de prestígio. Eu só estou onde estou porque eu me posicionei quando deveria. A mensagem que eu deixo é: mulheres, não deixem que ninguém te trate menos do que você merece dentro do seu trabalho ou em qualquer outra ocasião”, enfatizou.
Fuga dos rótulos machistas
Formada em marketing pela ESPM, Roberta Antunes foi a co-fundadora do Hotel Urbano, um dos primeiros unicórnios do Brasil. O caminho da inovação e da tecnologia levaram a profissional para São Francisco (Califórnia, EUA), onde adentrou no mercado financeiro não tradicional, através do mundo das criptomoedas.
Hoje, Roberta é CGO (diretora de crescimento) da Hashdex e conta à reportagem sobre um evento que a marcou quando estava nos EUA. Segundo ela, não deixar os rótulos a limitarem foi um fator de grande importância para ela alcançar seus objetivos.
“Uma jornalista veio me entrevistar, ela estava super feliz em falar com uma mulher CEO de uma empresa de tech, e disse assim: Como você se sente, sendo uma mulher, latina, mãe, divorciada, tocando uma empresa de tech em São Francisco?”, disse.
E ela completou: “Quando ela falou isso, eu tomei um susto. Eu pensei que se eu me visse assim, eu não estaria aqui. Porque muitas vezes a gente deixa esses desafios definirem quem a gente é. Então uma das grandes forças que eu tive, foi nunca me ver dentro de algum rótulo e continuar sonhando grande”, contou.
De uma curiosidade com a crise financeira de 2008, que eclodiu quando ela tinha 14 anos, e com o incentivo do pai que comprou revistas sobre economia para ela estudar, a administradora formada pelo IBMEC (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), Larissa Quaresma, hoje, é a analista de investimentos da Empiricus Research.
Ela reafirma a visão de Roberta. Segundo Larissa, os desafios para as mulheres existem, mas é preciso “lutar diariamente contra os falsos dogmas, a começar pelas próprias concepções”. Em sua fala, ela explica que não se vê como vítima e acredita que seja necessário se “posicionar com firmeza, desde com educação, sinalizando para as pessoas qual é o tom correto daquela relação, como nós aceitamos ou não sermos tratadas”.
“Por muito tempo, acreditei que as mulheres precisavam ser melhores que os homens para alcançar as mesmas realizações profissionais, porque o escrutínio seria sempre maior no nosso caso. Mas, muitas vezes, isso me levou a ultrapassar meus limites pessoais. Ultimamente, tenho revisto essa crença, porque, ainda bem, o mundo e a visão da sociedade estão mudando”, comentou.
Representatividade de mulheres negras
A jornalista de economia e especialista em finanças, Mônica Costa, hoje atua para educar financeiramente outras mulheres negras. Com mais de 3 mil alunas, ela criou uma metodologia de ensino para facilitar a linguagem econômica, ao mesmo tempo em que traz a militância antiracista.
“Eu busquei a educação financeira, a princípio como um interesse pessoal, para que eu pudesse me organizar, entendendo que o mercado não me daria esse retorno que eu buscava. Quando eu fui buscar essa educação financeira, eu percebi que a linguagem adotada, o perfil dos professores, não me alcançavam. Eles não falavam com mulheres, não falavam com mulheres negras e nem com mulheres negras da periferia”, contou.
Há mais de 20 anos trabalhando na comunicação, Mônica chegou em cargos de editora de jornais. Contudo, ainda que o cargo seja considerado visado, ela chama a atenção para um ponto: apesar de seu empenho e de todas as formações ao longo da carreira, ela raramente tinha seu talento reconhecido e não podia migrar para outras funções.
“Eu sempre quis ser repórter, trabalhei em TV, queria estar a frente das câmeras e nunca consegui. E alí você vai percebendo que isso se dá em função de uma estrutura racista. O meu perfil não era um perfil que a TV queria mostrar, de uma mulher negra nesses espaços”, relembrou.
A economista Camila também comenta sobre suas vivências enquanto mulher negra no mercado financeiro. Para ela, como o desafio é em dose dupla, é como se elas não pudessem falhar ou, caso contrário, os apontamentos chegarão de todos os lados.
“Para mulheres negras, a formação técnica, simpatia, oratória precisam estar na ponta da língua, se não você volta ‘três casas’. Antes de sair de casa eu penso muito bem qual roupa usar, para não ser confundida ou algo do tipo. Será que isso é igual para brancos? Eu faço tranças no meu cabelo. Será que uma mulher branca precisa justificar o porquê do cabelo estar da forma que ela quiser? Eu já precisei!”, disse.
Tanto Camila como Mônica ultrapassaram as barreiras e alcançaram postos de destaque. No caso de Mônica, ela reuniu a experiência das editorias de economia e foi estudar finanças para retornar ao mercado financeiro, dessa vez como educadora. Seu trabalho, atualmente, inspira outras mulheres. Ganhadora do prêmio, em 2021, ‘Educação Financeira Transforma’, coordenado pela XP Investimentos, ela palestra sobre a temática e leva representatividade para os palcos. Mesmo assim, ainda enfrenta desafios.
“Existem muitas pessoas que se ofendem com a minha presença, especialmente no mercado financeiro, que é um ambiente racista e misógino. Eu ainda ouço que é ‘mimimi, frescura falar sobre educação financeira para mulheres negras, porque educação financeira é igual para todo mundo’. A gente sabe que todas as vezes que temos que segmentar uma área, é porque essa área não está sendo olhada”, explicou.
Mesmo assim, ela diz que não serão essas pessoas que vão tirar o seu lugar, e que ela seguirá atuando na indústria econômica para colaborar com a igualdade social. Segundo ela, a educação sobre finanças auxilia as mulheres a se protegerem, já que dá a liberdade financeira necessária para ter o poder de escolha de ocupar espaços e se libertar de outros impostos.
Alcance a cargos de liderança
Na gestora de investimentos Life Capital Partners (LCP), metade do time é composto por mulheres. Entre elas, está a head de relacionamento com investidor, Giovana Batalha. Com apenas 27 anos, a engenheira já ocupa um cargo de liderança no mercado financeiro.
“Em pouco tempo de carreira, meu conhecimento técnico e bagagem me abriram portas que antes eram inimagináveis. O convite da LCP em estruturar a área de relacionamento com investidor foi uma surpresa muito positiva, ainda mais se tratando de uma gestora nova com um time de sócios incríveis, foi aquela virada de chave entre duvidar do seu próprio potencial e saber que consegue dar conta do desafio”, contou.
Para ela, assim como para as outras entrevistadas, o caminho para mulheres que queiram ingressar nessa indústria predominada por homens é um só: o estudo. “Estudem, se certifiquem, façam cursos técnicos. O conhecimento é algo que ninguém nunca vai poder tirar de você e também vai ser ele que vai te posicionar bem nas vagas. Tendo conhecimento e vontade todo o restante é possível”, afirmou.
Os dados também corroboram com a dica. De acordo com a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2019, as mulheres são mais instruídas que os homens. Entre a população com 25 anos ou mais, 15,1% desse nicho masculino têm nível superior completo, em comparação a 19,4% do nicho de mulheres.
É preciso igualdade
Mulheres que são potências do mercado financeiro/Foto: Arquivo pessoal
Apesar da dica importante, só o estudo não basta, é preciso alcançar realmente a igualdade de gênero. O relatório “Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil” publicado em 2021 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostrou que, em 2019, apenas 37,4% dos cargos gerenciais são ocupados por mulheres. Mas o IBGE também enfatiza: essa discrepância não tem relação com a instrução.
“As menores remunerações e maiores dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho não podem ser atribuídas à educação. Pelo contrário, os dados disponíveis apontam que as mulheres brasileiras são em média mais instruídas que os homens”, informou o estudo do IBGE.
O mesmo relatório de 2021 do IBGE também divulgou que, em 2019, o salário das mulheres foi 22,3% menor que o dos homens. Quando se trata dos cargos de diretoria, a diferença de renda é maior, chegando a 38,1%.
“Na época, quando saí de licença para ter meus filhos, meu salário foi diminuído pela metade, pois não estaria presente para poder ‘corretar’ e a cobrança de retorno rápido também foi sugerida. Acabei retornando ao trabalho em menos de três meses”, contou Alessandra.
Para as mulheres negras, o cenário é ainda pior. “Eu ganho, enquanto mulher negra, em qualquer função que eu desempenhar, no mínimo, 70% menos do que um homem branco. Então a gente já começa em um lugar de grande desvantagem no mercado. Só essa diferença salarial, já demonstra um mercado extremamente desigual”, comentou Mônica.
Luta contra a misoginia
A pesquisadora e economista da Cy.Capital, Eliane Teixeira, conta que, apesar de haver mais homens do que mulheres nas salas de aula da faculdade, nas salas dos processos seletivos, ou nos andares das empresas pelas quais passou, isso nunca foi um empecilho para sua trajetória profissional, até o dia em que sofreu misoginia.
“O dia que escutei de um entrevistador (para uma vaga no mercado financeiro) que eu tinha o perfil que eles buscavam, mas que “eu era mulher”, e por isso “não iria aguentar o tranco”, o balde d’água que jogaram em mim me mostrou que eu teria que batalhar de um jeito diferente para conseguir continuar avançando na minha carreira”, afirmou.
Assim ela o fez. Seguiu a batalha e, atualmente, é mestre em economia pela USP (Universidade de São Paulo) e doutora também na área pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), além de economista da Cy.Capital, gestora de fundos imobiliários da Cyrela Brazil Realty. Em linha com a CGO Roberta, Eliane também dá a dica para as mulheres não se limitarem aos rótulos.
“Eu diria para elas não enxergarem a questão de gênero como um empecilho. E para não se vitimizarem – para irem à luta. Na minha trajetória, vi a obtenção de títulos acadêmicos como carimbos importantes para isso. Mas cada trajetória é única, e tenho certeza de que cada mulher acaba encontrando a melhor forma de dar voz às suas ideias e ir atrás de seus objetivos. Somos mais espertas e temos mais potencial do que pensamos”, concluiu.
Mulheres que inspiram mulheres
O movimento de ocupação por mulheres na economia ganha força, mas o caminho ainda é longo. Dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais) publicados em 2022 informam que, entre os profissionais que possuem a Certificação de Especialista em Investimentos (CEA), apenas 35% são mulheres. Já do total de profissionais CGA (Certificação de Gestores de Carteiras Anbima), o número de mulheres despenca para 6%.
Mesmo assim, as mulheres não desanimam e dizem que, desde o início de suas carreiras, as coisas avançaram. “Infelizmente, tive poucas referências femininas nessa profissão – tanto em termos de exemplos próximos ou personalidades famosas. Mas, felizmente, isso está mudando muito rápido”, disse Larissa.
Camila também comenta sobre a falta de referências no início da carreira: “Hoje, nós temos muitas mulheres que são referências dentro do mercado, mas na época que eu decidi cursar economia eu não conhecia. A minha inspiração foi poder um dia ser a referência. […] Meninas e mulheres, como diz a empresária Camila Farani: Desistir não é uma opção!”, brincou.
Para Roberta, seu cargo de liderança é um ponto relevante, já que muitas mulheres desanimam ao longo do caminho por acharem que não podem subir na carreira dentro do mercado financeiro.
“São tantos desafios que se você não souber que o upside é muito alto, algumas pessoas desistem pelo caminho. Então quando você tem mais exemplos de líderes mulheres, a gente deixa claro que o upside pode realmente ser grande e que vale a pena lutar. Hoje em dia eu faço questão de participar de eventos, palestras, para inspirar e motivar essa nova geração”, contou Roberta.