Em dez anos sem reajuste, bolsas de pesquisa desvalorizaram 79,7%

Correções não aconteciam desde 2013. Nesta quinta-feira (16), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou um aumento médio de 40%

O peso da inflação em dez anos fez os valores das bolsas destinadas à pesquisa no Brasil desvalorizarem 79,71%. Sem correção desde 2013, mestrandos e doutorandos receberam R$ 1.500 e R$ 2.200, respectivamente, como forma de remuneração pelas suas pesquisas. Após uma década, nesta quinta-feira (16), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou o reajuste das bolsas.

“Esse país quer ser exportador de conhecimento, de tecnologia, de inteligência e não apenas de minério de ferro, de soja e de milho. Para isso, nós precisamos investir na educação, investir em pesquisa. É importante vocês saberem que muita coisa vai mudar nesse País. Eu disse na minha campanha que educação, saúde e emprego eram três coisas que nós deveriam colocar como prioridade máxima, porque sem essas três coisas o Brasil não vai para frente”, disse o presidente.

Em discurso, o ministro da Educação, Camilo Santana, informou que R$ 2,4 bilhões foram destinados para o investimento de bolsas da Capes e do CNPq. Ele, em conjunto com a ministra de estado da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, ainda afirmaram que, além de bolsas de pesquisa para a pós-graduação, também serão reajustadas bolsas de pesquisa para o ensino médio e para a graduação, além de bolsas de permanência estudantil, na área médica e de iniciação à docência. 

Com a mudança, os pesquisadores devem receber um aumento médio de 40%. Segundo informou o governo, o aumento passa a valer a partir de março. O reajuste, contudo, não segue a inflação. Caso as bolsas fossem reajustadas seguindo o Índice de Preços do Consumidor Amplo (IPCA), esses valores seriam de R$ 2.695,70 para mestrado e R$ 3.953,69 para doutorado, de acordo com a calculadora do Banco Central (BC) consultada pelo BP Money.

Esse aumento de 40% foi o prometido durante a transição do governo. Sendo assim, as bolsas dadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) passaram a valer R$ 2.100 (mestrado) e R$ 3.080 (doutorado). Para bolsas de Iniciação Científica (IC) da graduação, Luciana informou um reajuste de 75%, passando de R$ 400 para R$ 700. 

Aumento de bolsas

De acordo com o anúncio desta quinta (16), a ministra Luciana disse que também terá a ampliação da oferta no número de bolsas no País. Atualmente, há aproximadamente 200 mil bolsistas pela Capes, incluindo professores em programas de formação, e 77 mil pelo CNPq.

“Além do reajuste, temos a felicidade de anunciar a expansão da oferta de bolsas. Ao longo de 2023, mais de 10 mil novas bolsas serão implementadas, ampliando nossos investimentos na formação de mestres, doutores, doutoras, professores, professoras, pesquisadores, pesquisadores e jovens cientistas. Essas duas medidas somam aos R$ 150 milhões que estamos disponibilizando para os editais de fomento só da CNPq”, disse.

Posição dos pesquisadores

Para a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), o reajuste das bolsas é uma vitória para os pesquisadores. Contudo, na visão dos pós-graduandos, a correção dos valores deveria ser maior. Segundo a vice-presidente da ANPG, Ana Priscila Alves, desde 2013 que a bolsa não acompanha a inflação, o que fez ter uma perda de poder aquisitivo enorme, visto que os preços de aluguel, transporte e alimentação encareceram.

“A gente entende que hoje a defasagem do valor da bolsa é de 75%, a partir dos cálculos da inflação de fato. Então esse é o valor [de reajuste] ideal. É claro que, nesse momento, como a gente precisa de algum reajuste, se vier 40%, a nossa resposta é que ‘tudo bem’, porque a gente entende que há um problema orçamentário na gestão e na União como um todo, mas se esse vai ser o valor para agora, a gente precisa de uma sinalização de que haverá mais reajustes ao longo dessa gestão”, explicou.

Além disso, Ana Priscila comenta que há outras problemáticas que se somam com a defasagem das bolsas de pesquisa, como a necessidade de dedicação exclusiva, que faz com que os estudantes não consigam complementar a renda. “Isso faz com que a gente não possa ter um vínculo empregatício. Então muitas pessoas terminam entrando em trabalhos precários, sem qualquer regulamentação, para conseguir sobreviver, porque com esses valores até então está impossível”, disse.

Uma década sem reajuste

“É importante a gente pensar que a bolsa de pesquisa é uma espécie de salário. O pesquisador em formação, que faz uma pesquisa com dedicação exclusiva no mestrado ou no doutorado, está executando um trabalho – e para esse trabalho, ele recebe um pagamento com recurso público. Então esse pagamento precisa ser levado a sério e precisa ser condizente com o trabalho que está sendo executado”, explicou a pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) na área de política científica, Sabine Righetti.

Segundo ela, para entender essa visualização da bolsa como salário, é necessário entender o momento de vida do pesquisador. “Um doutorando em uma área de saúde, supondo que fez medicina e depois mestrado. Quando essa pessoa está no doutorado, ela está na faixa de 30 anos para mais. Uma fase já madura da vida e que precisa de um suporte financeiro, assim como todo mundo. No Brasil, a gente trata muito mal esses profissionais que estão se formando em ciência e os pagamentos são muito pouco competitivos”, disse.

Isso faz com que, segundo ela, haja o afastamento das pessoas da ciência, porque esse “salário, entre aspas, tem um valor muito baixo”. A exemplo, Sabine explica que um doutorando, atualmente, ganha pouco mais de dois salários mínimos, apesar de carregar títulos como graduação e mestrado. Por conta dessa defasagem das bolsas, há um afastamento das pessoas com a pesquisa.

Mercado e ciência

De acordo com o professor Roberto Brito de Carvalho, diretor da Faculdade de Ciências Econômicas na PUC Campinas, é natural que os agentes do mercado financeiro olhem para a questão como um aumento de gastos públicos, provocando um déficit fiscal ainda maior. Isso porque, segundo Carvalho, o mercado financeiro evidencia sua preocupação orçamentária com a necessidade de um equilíbrio fiscal. Contudo, para ele, outros mercados não compartilham dessa visão.

“Se a gente olhar mais especificamente para o mercado da indústria ou o mercado de serviços, eles vão ter muitas vezes um outro olhar. A tendência, por exemplo, no mercado de serviços, é que ele olhe para isso com um alento. Em especial, se a gente segmentar isso, e olhar para a área da educação, isso nos permite compreender uma outra dinâmica, muito mais voltada ao número maior de estudantes no sistema de pós-graduação, o que por si só já gera um efeito de longo prazo da economia muito importante”, disse.

Ainda segundo o professor, a indústria também tem olhar diferente. “Ela entende a importância do desenvolvimento de ciência e tecnologia. A qualificação de profissionais de diversas áreas, cria novas possibilidades de trabalho, novos postos de trabalho e novos negócios. Tudo fruto dos esforços em relação aos avanços da ciência como um todo”, explicou. Sendo assim, para Carvalho, é necessário ter uma visão a longo prazo em relação ao incentivo científico. A pesquisadora Sabine também concorda.

“Não existe país desenvolvido sem ciência. Todos os países desenvolvidos, são grandes investidores de ciência e são altamente tecnológicos. Hoje, tudo o que a gente faz na sociedade contemporânea envolve ciência. O que a gente come, o que a gente usa, as tecnologias que a gente usa. Então quem une os atores, sociedade, ciência, mercado, obviamente vai ter vantagens, porque vai deter o conhecimento, vai deter tecnologia, não vai precisar importar. A gente viu muito isso no contexto da pandemia, com o desenvolvimento de vacinas. Então a gente precisa investir em ciência”, disse.

PL para reajuste periódico de bolsas

Além dos reajustes, está em votação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 4.144/2021 que determina a correção monetária periódica das bolsas destinadas à pós-graduação e à pesquisa científica. Os valores deverão ser reajustados a cada dois anos de acordo com o índice oficial de inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

O PL será acrescentado nas leis 4.533/64 e 8.405/92, que criaram, respectivamente, o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), responsáveis por conceder as bolsas às instituições de ensino superior.

O projeto é votado em caráter conclusivo, ou seja, não precisa passar pelo Senado, nem pela Presidência da República. Ele será analisado pelas comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; de Educação; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para a ANPG, a aprovação do PL 4.144/2021 é necessária para os pesquisadores, já que será uma segurança no âmbito legal, desvinculando os reajustes apenas de “vontades políticas”, como explicou a vice-presidente, Ana Priscila Alves. “A gente ainda não tem definido se a gente entende que dois anos é o melhor modelo. Nós pensamos também em possibilidades como o reajuste ser junto com o salário mínimo, porque isso tem uma diferença muito grande ao longo do tempo. Mas o fato é que hoje demora muito mais de dois anos”, finalizou.