A Petrobras (PETR3;PETR4) divulgou, nesta quinta-feira (1), o seu plano estratégico que deve vigorar entre 2023 e 2027. A companhia, no entanto, desprezou a entrada do novo governo e destacou que pretende manter sua atual política de dividendos, além de aumentar os investimentos no período. Mesmo com o plano sendo aprovado pelo Conselho de Administração, o novo governo poderá alterar a remuneração de acionistas, como explicaram especialistas ao BP Money.
O assessor de investimentos da Valor, Charo Alves, explicou que as ações ordinárias da empresa pertencem, em grande parte, ao Governo Federal, que é detentor da maior fatia da Petrobras. Com isso, o governo pode votar questões estratégicas da empresa.
“De 2018 pra cá, essa predominância foi diluída com algumas medidas do governo Bolsonaro. Por exemplo, o follow-on da Petrobras, que o BNDES vendeu um lote gigantesco de ações ao mercado, na ocasião, e muitos investidores estrangeiros compraram, aumentou a participação para um pouco mais de 40% de investidores estrangeiros na companhia, mas o Governo Federal continuou sendo o principal comandante ali”, disse Alves.
“Então o governo tem poder de decisão sobre as políticas estratégicas da empresa”, complementou Alves.
O sócio-fundador do escritório Champs Law e especialista em mercado financeiro, Guilherme Champs, destacou que existe o receio do mercado com a posse do novo governo em 2023, em relação a Petrobras, porque os aliados de Lula poderão destituir, a qualquer momento, os membros do Conselho de Administração indicados pela União em Assembleia Geral (art. 140).
“Como a União (aqui representada pelo novo Governo) tem direito a eleger a maioria dos membros do Conselho de Administração, certamente poderão indicar novos membros que decidam modificar a atual política de distribuição de dividendos da Companhia, em deliberação que pode ocorrer a qualquer momento. Portanto, tais prerrogativas poderão refletir o receio do mercado quanto a possíveis e quase certas mudanças que devem ocorrer a partir de 2023”, explicou Champs.
Em seu comunicado, no último domingo, a Petrobras destacou que não contrai dívida para pagar dividendos.
“A dívida da Companhia está em trajetória decrescente, com redução de US$ 5,3 bilhões em relação ao 3T21. Em 30 de setembro de 2022, a dívida bruta da Companhia era de US$ 54,3 bilhões, incluindo os compromissos relacionados a arrendamentos mercantis, inferior ao nível de endividamento bruto ótimo de US$ 60 bilhões e ao limite estabelecido na Política de US$ 65 bilhões”, informou a Petrobras.
Charo Alves, da Valor, explicou também que, no governo Bolsonaro, a distribuição de dividendos veio com mecanismos importantes para poder subsidiar o excesso de gastos com a pandemia de Covid-19, como benefícios, auxílios que foram pagos para os caminhoneiros, etc.
“Isso tudo veio dos dividendos de Petrobras, que estava lucrando muito com o preço do barril de petróleo acima de US$ 100 e a medida para poder segurar a inflação do combustível foi pegar os dividendos da Petro e distribuir”, disse Alves.
O assessor de investimentos da Valor destacou que com a virada de governo, a previsão é que a Petrobras passe a ter uma política mais estatizada, trabalhando com esse capital dentro da companhia.
“A tendência é que os dividendos que a Petro iria pagar ao longo de 2023, com essa troca de governo, agora, tenha algum tipo de bloqueio, não total, mas aquela torneira aberta de dividendos não deve se acontecer mais”, disse Alves.
O especialista em mercado financeiro e sócio da GTI, Rodrigo Glatt, reiterou a teoria de Charo e destacou que uma das primeiras coisas que o governo vai fazer é diminuir a política de distribuição de dividendos – rumor que mais tem assombrado os investidores da petroleira e mexido com os papéis da empresa nas últimas semanas.
“A Petrobras tem pago 100% de seu lucro. Provavelmente, agora eles vão reduzir para 25%. Eles devem usar esse recurso para tentar expandir a empresa para outras áreas que ela não atua hoje. Vão tentar direcionar a empresa mais para investir também em energias alternativas”, disse Glatt.
Segundo o especialista, a Petrobras pode começar a investir em energia eólica e solar, que é uma coisa que a companhia não faz nos dias de hoje. Isso, entretanto, não deve agradar parte do mercado, por não ser algo tão rentável quanto a exploração de pré-sal já feita pela empresa.
“Na minha opinião, não deveria fazer porque os projetos de exploração de petróleo hoje são muito mais rentáveis do que investir em energia limpa. A empresa deveria continuar com esse foco na exploração nos postos do pré-sal que tem rentabilidade melhor. Mas talvez isso seja o maior risco do acionista da Petrobras, de ter capex em coisas que têm retorno mais baixo ou menores que no core da empresa”, afirmou Glatt.
O especialista ressaltou, entretanto, que esse receio todo do mercado já foi precificado e faz parte do “risco PT” – de não priorizar somente a rentabilidade da empresa. “Não é a toa que a empresa caiu de R$ 30 pra casa dos R$ 20”, disse Glatt.
Dividendos recordes da Petrobras em 2022
Com números recordes em 2022, devido à alta dos barris de petróleo (principalmente relacionada à guerra na Ucrânia), a Petrobras deve distribuir, ao todo, R$ 217 bilhões em dividendos neste ano. O valor é três vezes maior do que os proventos pagos pela estatal petroleira em 2021. Com 28,7% das ações da Petro, a União totalizará R$ 62 bilhões neste ano, de acordo com dados da TradeMap.
O economista e professor, Marcelo Ferreira, destaca que é provável haver mudanças na política de proventos da Petrobras, já que houve um aumento muito expressivo dos valores pagos, a partir do ano passado.
“Já há indicativos, por parte de membros do novo governo, de que essa política será revista para priorizar os reinvestimentos dos lucros. Creio que a mudança poderá ser no sentido de reduzir os proventos aos níveis que eram pagos em anos anteriores, não tão expressivos quanto agora”, afirmou Ferreira.
Assim como explicou Charo Alves, da Valor, Vitorio Galindo, head de análise fundamentalista da Quantzed, reitera que, com o poder do governo (como maior acionista da petroleira), a União consegue votos suficientes para indicar membros do Conselho de Administração, e isso deverá ser feito com a entrada do governo Lula em 2023.
“Tendo maioria no conselho, é mais fácil aprovar um novo plano estratégico e uma nova política de remuneração. Indiretamente, isso se dá através das indicações para composição do conselho. Hoje o governo tem essa participação grande na Petrobras. Pode, e vai, indicar primeiro e segundo escalão da diretoria, e tudo isso pode alterar tanto o plano estratégico quanto a política de dividendos da companhia”, pontuou Galindo.