Política

PEC da Transição: âncora fiscal tem sido subjugada, diz analista

João Beck afirma que só um novo arcabouço fiscal pode promover a credibilidade

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição vem causando mal-estar na bolsa brasileira nas últimas semanas. Com o objetivo de que a mesma seja aprovada, o PT pode incluir no texto o compromisso de estabelecer uma nova âncora fiscal em 2023. Economista e sócio da BRA, João Beck afirma que só um novo arcabouço fiscal pode promover a credibilidade e disposição de atrair o capital produtivo de longo prazo.

“A âncora fiscal tem sido subjugada em relação a PEC da Transição, mas ela é de maior importância. Só um novo arcabouço fiscal é o que promove a credibilidade e disposição de atrais o capital produtivo de longo prazo. Uma fórmula técnica, robusta e com segurança jurídica pra gastos – sem permitir aventuras eleitorais no futuro é a condição necessária pro mercado eliminar incertezas e promover investimentos de longo prazo. Não precisamos de uma regra perfeita, basta que ela exista e seja robusta. É similar aos preços dos combustíveis: uma regra técnica, mesmo que imperfeita é melhor que nenhuma regra”, afirmou Beck ao BP Money. 

Já Alexsandro Nishimura, economista e sócio da BRA BS’, pontua que não há espaço para expansão fiscal nos próximos anos, com a dívida pública já em nível elevado e projeção de crescimento em 2023. 

“Sem uma regra que possibilite a sustentabilidade fiscal, as condições financeiras tendem a se deteriorar no futuro próximo, o que causaria alta do custo da dívida pública, dos juros e, provavelmente, desvalorização do real. Tudo isso impacta no crescimento do PIB e no nível de emprego. Ou seja, o novo governo precisa definir e dar previsibilidade, de forma que haja uma trajetória sustentável das finanças públicas”, explicou Nishimura.

De acordo com a XP Investimentos (XPBR31), caso o projeto seja aprovado, a dívida brasileira pode subir até 17 pontos percentuais em 2026. Além disso, a casa estipula que o déficit público deve crescer a 2,6% do PIB de 2023.

“Dívida pública é um dos maiores causadores de desigualdades, porque a contrapartida é mais inflação e por consequência juros altos. Inflação prejudica as classes mais pobres e juros altos favorece as classes mais ricas. Promover um ambiente econômico que nos permita viver um novo ciclo de queda de juros beneficia exatamente a população que o presidente eleito tenta beneficiar com o bolsa família”, pontuou Beck.

Segundo a corretora, se o Banco Central brasileiro mantiver as taxas de juros inalteradas, o impacto da PEC da Transição será ainda maior. Todos esses fatores vem puxando ativos para baixo, como as ações. 

“O mercado tem aversão ao imprevisível. O presidente eleito dá sinais de uma política fiscal disfuncional. Desmerece conquistas importantes do passado como o teto de gastos e numa fala mais exaltada atacou a meta de inflação, que praticamente sustenta a credibilidade da nossa moeda desde o Plano Real”, completou.

No último sábado (19), o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) protocolou no Senado uma proposta alternativa à PEC da Transição, apresentada pelo governo que entrará em vigor a partir do dia 1º de janeiro de 2023. A PEC prevê diminuir de R$ 198 bilhões para R$ 70 bilhões o furo do teto de gastos.

A PEC proposta por Vieira também prevê a permissão de despesas acima do teto somente pelos quatro anos de governo. Além disso, o texto define a data de 17 de julho de 2023 como limite para que o governo aprove uma lei complementar criando um novo regime fiscal sustentável.

“O congresso tem seus interesses, principalmente em colocar na mesa suas próprias emendas. Existe um leque muito grande de possiblidades nessa negociação. Podemos ver uma PEC da Transição cara, mas com uma âncora fiscal segura. Há o debate do bolsa família fora ou dentro do teto e por quantos anos. O Brasil não deveria passar por tanto desgaste no LOA todo ano e mais ainda em cada transição de governo”, destacou o economista e sócio da BRA.

Ao longo do pleito eleitoral, muitos analistas afirmavam que o mercado já precificava uma vitória petista e, principalmente, um governo Lula mais alinhado ao centro. Entretanto, as últimas declarações do futuro chefe de Estado foram mais críticas ao mercado. 

“Existia uma incerteza entre o que se considerar, uma gestão Lula 1 e 2 (2003-06 e 2007-10), de maior alinhamento com o mercado, ou Dilma 1 e 2 (2011-14 e 2015-16), marcada pelo descontrole fiscal. Talvez pela participação de alguns nomes ligados ao Plano Real, já na campanha e depois na equipe de transição, o mercado acreditou mais na primeira opção”, afirmou Nishimura. 

“Porém, as sinalizações após o pleito foram em uma direção mais gastadora, com noticiário trazendo nomes para o comando do Ministério da Fazenda não alinhados com o mercado. Houve ainda declarações contra a ‘instituição’ mercado, o que ajudou a ampliar os temores. Desta forma, podemos dizer que os nomes testados e as sinalizações até o momento trazem uma quebra de expectativa e isto tem se refletido em aumento da volatilidade e maior percepção de risco”, completou o sócio da BRA BS’.

Beck afirma que o presidente eleito contou “uma outra história ao mercado”, inclusive em conversas privadas. “A sinalização foi de um Lula igual ao seu primeiro mandato em 2002, com respeito ao tripé macroeconômico e promessa de uma equipe técnica, ortodoxa.
Há uma ala do mercado que acredita que os discursos recentes mais inflamados do presidente eleito faz parte da negociação da PEC da Transição”, salientou. 

A PEC ainda não reuniu consenso para começar a tramitar no Senado. Dentre as medidas incluídas na PEC estão a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 e demais promessas financeiras feitas por Lula, como o aumento real do salário mínimo (de 1,3% a 1,4%). Segundo contas internas da equipe do presidente eleito, o valor estimado para todos esses gastos deve ficar em torno de R$ 200 bilhões.

Desenho da PEC da Transição é correto, diz cientista-político

Coordenador da graduação de Relações Internacionais do Ibmec-RJ e cientista político, José Niemeyer avalia que o PT não deveria se mostrar dependente do Centrão, e que o desenho da PEC é correto por precisar de mais tempo para o auxílio. 

“Vai ter que mexer na Constituição, mas acho que o errado é como está se negociando. Está mostrando muita fragilidade ao se mostrar muito dependente a esse grupo chamado de ‘Centrão’. Eles não tem essa força toda que acham que tem. O governo petista deveria ter um candidato à presidência da Câmara, eles têm força para isso. Dá para competir com o Centrão”, apontou Niemeyer. 

Para ele, as declarações de Lula aconteceram mais para acalmar uma ala petista, mas que o futuro presidente deverá se relacionar bem com o mercado financeiro. 

“As declarações são mais para petistas verem, do que para o mercado. Depois ele se resolve com os petistas. Lula nunca foi de esquerda e sempre foi muito bem na questão de lidar com os diferentes dele. Ele ganhou a eleição sem o PT, segundo a minha análise”, afirmou o professor. 

“São quatro anos de autorização para gastar e isso dará impacto no orçamento. Os agentes do mercado financeiro têm muito receio de um governo gastador, pois seria muito ruim para a economia real. O mercado não trabalha muito com o que está acontecendo hoje, mas para os dias seguintes, então uma pec autorizando gastos incomoda a agenda do mercado financeiro”, completou Niemeyer. 

A “PEC da Transição” precisa ser aprovada para que os parlamentares possam votar o orçamento de 2023. A Comissão Mista de Orçamento (CMO) trabalha com um cronograma que prevê a aprovação do Orçamento no Congresso até o dia 16 de dezembro. No entanto, o prazo máximo para votação do orçamento é 22 de dezembro, último dia antes do recesso parlamentar.