O presidente russo Vladimir Putin anunciou, nesta quarta-feira (21), uma mobilização militar parcial no país. Mas como esse novo “passo” russo na Guerra na Ucrânia irá impactar na economia? Para o economista-chefe da Kínitro Capital, Sávio Barbosa, esse movimento volta a gerar maior volatilidade no mercado.
“Podemos visualizar essa volatilidade por meio dos ativos que são mais suscetíveis a guerra, como o petróleo e o trigo que amanheceram o dia subindo. O petróleo acabou voltando, mas o trigo ainda sobe”, afirmou Barbosa em entrevista ao BP Money.
Ainda de acordo com o especialista, o maior impacto não é causado pelo movimento anunciado por Putin em si, mas pela mensagem que passa de que um eventual fim da Guerra da Ucrânia está longe do fim.
A principal variável a nível global é a inflação. Caso tenhamos um desdobramento positivo da guerra, uma antecipação do fim da guerra, isso poderia gerar uma perspectiva de reduzir um pouco esse choque de inflação, de custos que a Europa passa. Esse movimento que estamos acompanhando agora dificulta e reduz a probabilidade”, explicou.
Já para o Coordenador da graduação de Relações Internacionais do Ibmec-RJ e cientista político, José Niemeyer, essa movimentação militar mexe com a economia, com os mercados e com as bolsas de valores dos principais países.
“Os fluxos financeiros começam a ser impactados, com uma expectativa também nos mercados de ação, nos mercados de papel, na questão do financiamento da dívida pública dos países envolvidos na guerra, direta ou indiretamente no conflito”, analisou Niemeyer.
“Essa ação de dar mais corpo a mobilização russa pode fazer sim com que as bolsas caiam por um período, pode aumentar o nível de fluidez dos mercados, ao mesmo tempo pode-se fazer com que países comecem a preparar os seus estoques de alimentos, ou mesmo comece a exportar alimentos que antes a Rússia e a Ucrânia ofereciam para a Europa”, completou o cientista político.
Como avanço russo na Guerra da Ucrânia pode beneficiar o Brasil?
Esse avanço russo, por mais preocupante que seja, pode beneficiar o Brasil por alguns fatores, como explicam os especialistas. De acordo com o economista-chefe da Kínitro Capital, o País pode tirar proveito por conta da questão geográfica.
“A gente se beneficia por estarmos longe da guerra e por sermos exportadores de commodities, o que de forma geral, o Brasil tem se tornado um lugar mais seguro na questão geográfica. Caso as commodities se mantenham em nível elevado, esse cenário pode nos beneficiar. Nossos termos de troca continuariam valorizados e estamos bem longe da guerra. Dentre os possíveis emergentes, que são os destinos de investimentos estrangeiros, o Brasil é o país que está mais resguardado desse conflito”, explicou.
O professor Niemeyer vai na mesma linha e vê o Brasil se beneficiando principalmente na questão da exportação de trigo.
“Há uma diminuição das ofertas dos produtos e, ao mesmo tempo, outros países como Brasil conseguem ofertar produtos que antes importavam. Por exemplo, o trigo, que antes o País ofertava muito daquela região. Continua importando, com maior dificuldade, mas já está aumentando a sua produção de trigo. Até o trigo o agronegócio brasileiro está tentando buscar uma maior autonomia inclusive aumentando sua produção, buscando uma maior autonomia em relação a produção e comercialização dessa commodity”, apontou.
Em contrapartida, o impacto também pode ser negativo para o Brasil, como explica Barbosa.
“Se eventualmente caminhar para um ambiente que fique mais negativo, uma escalada maior do conflito, podemos ver um movimento de aversão a risco e isso pode atrapalhar o Brasil por ser emergente. Para o cenário doméstico, podemos ter algum impacto negativo na inflação local. Estamos colhendo os frutos da desinflação com as quedas no combustível e na energia, então se isso for revertido, poderíamos ter um impacto mais inflacionário aqui dentro”, salientou.
Avanço russo pode ser apenas “narrativa de Putin”
Apesar do anúncio de Putin sobre a mobilização militar parcial e todas as suas ameaças, inclusive de utilizar armamento nuclear, o professor Niemeyer acredita ser apenas uma estratégia do presidente para afirmar de vez o seu poder.
“O grupo político do Putin trabalha muito com narrativas. Está fazendo de novo, pois estamos vivendo um momento muito específico na guerra: ou ele afirma o poder nas áreas pró-russa, ou vai começar a desgastar com a própria guerra. O invasor precisa estar com a moral muito alta, precisa ter um jogo de narrativas para manter a estrutura da invasão”, explicou.
Niemeyer lembra que a Ucrânia, nos últimos trinta dias vem conseguindo retomar algumas áreas, mesmo que não tenham sido as mais estratégicas, o que pode ter feito com que Putin tomasse essa atitude.
“Ele quer mexer com a moral do povo ucraniano, que recebe essa informação, para que eles também se preocupem e pressionem o seu próprio governo para uma posição de recuo. É uma tentativa dele de jogar essa pressão para o governo ucraniano, por meio do seu próprio povo”, afirmou o cientista.
Ainda de acordo com o coordenador da graduação de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, a guerra pode ficar muito indefinida se a Ucrânia seguir resistindo como tem feito.
“Ele vai aumentar sua força militar na Ucrânia, para tentar manter o posicionamento em algumas regiões, ou ele continuará como está e ela irá perdurar por muito mais tempo. A narrativa é sempre importante para Putin, pois como a Rússia é o país invasor, se a Ucrânia conseguir aguentar com o apoio que recebe da OTAN e dos EUA, ela pode ficar muito indefinida. Há limites para a Rússia”, salientou.
“Não podemos esquecer que os russos não chegaram a Kiev. Uma guerra de ocupação em que a Rússia tem dez vezes a força ucraniana e não conseguiu chegar a capital, acho que mais à frente vão dizer até que a Rússia pode não ter vencido a Guerra na Ucrânia”, finalizou.