Os agentes do mercado tem adotado um tom de pessimismo em relação ao setor varejista e isso se reflete no desempenho dos papéis. Dentre os destaques negativos está a Via (VIIA3) – dona das Casas Bahia, Extra.com e Ponto (antigo Ponto Frio), que acumula queda de 58% em 2022. Apesar das previsões otimistas há pouco tempo, quando alguns analistas previam a chegada das ações nos R$ 20 (hoje, vale 10x menos que isso), especialistas ouvidos pelo BP Money não enxergam um futuro promissor à companhia.
Para a analista de Research da Ativa Investimentos, Lívia Rodrigues, o problema não é só a Via. O setor de varejo inteiro não possui boas perspectivas diante do cenário macroeconômico atual, com alta nos juros e inflação em dois dígitos.
“No momento, a gente não enxerga muitos gatilhos de melhora, não só para a Via, mas para o setor de varejo como um todo. Primeiro, a gente tem um problema na parte da demanda, que, no caso, se a gente for olhar para o cenário macro, temos inflação e taxa de juros que vão continuar em um patamar alto por um certo tempo. Isso vai prejudicar bastante o setor, principalmente pela Via ser uma companhia que tem bastante disposição a bens duráveis, que são produtos de preço médio um pouco maior”, explicou Rodrigues.
Além dos fatores que são citados diariamente em veículos de notícias, como o patamar dos juros e da inflação, um outro fator que influencia a operação de empresas do varejo é o endividamento das famílias, que está em patamares muito próximos às máximas históricas.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o endividamento das famílias bateu recorde no Brasil, em abril deste ano, atingindo 77,7% dos lares. O percentual representa aproximadamente 12 milhões de brasileiros.
O fator acaba influenciado diretamente os negócios de grandes empresas do varejo, como é o caso da Via.
“Tudo isso influencia na parte da demanda. Outro fator que impacta bastante é a concorrência. Existem players estrangeiros, fortemente capitalizados, como a Amazon, Shopee, Mercado Livre, que estão investindo bastante aqui no Brasil e afeta principalmente a parte do marketplace da Via e das demais varejistas nacionais também”, afirmou Rodrigues.
A analista destacou que a Ativa Investimentos enxerga dificuldades para a empresa tanto do lado da demanda, quanto na parte da concorrência (com empresas estrangeiras ganhando cada vez mais espaço no território nacional).
“A gente segue acreditando que o cenário é de cautela. Até as eleições a gente deve ter pouca previsibilidade a respeito do futuro do setor. Então o investidor tem que ter cautela com essas ações”, complementou a especialista.
Os analistas consultados pelo BP Money destacaram que o mercado tem olhado muito mais para empresas que, em momento como esse, continuam gerando lucro, caixa e pagando dividendos, como companhias do setor de energia elétrica, commodities e bancos, por exemplo.
Apesar de ressaltar que essa pode não ser uma solução certeira, como outros analistas pensam, uma fonte do mercado – que não quis se identificar – afirmou que uma possível perspectiva de recuperação econômica e queda de juros ajudaria bastante a Via.
“O que eu posso te dizer é que a empresa tem um custo financeiro muito alto, de desconto de recebíveis, então a alta de juros atrapalhou ela bastante nesse ponto da despesa financeira e por outro lado ela é muito focada em produtos mais discricionários”, disse o especialista do mercado.
Desvalorização das ações da Via
Há cerca de um ano, a XP deu uma recomendação neutra para os papéis da Via, com preço alvo de R$ 20 para os papéis. Na época, as ações estavam cotadas em um valor aproximado de R$ 10,60. Hoje, os papéis fecharam cotados a R$ 2,04, com uma alta de 11,48%. Em um ano, a queda é de mais de 80%.
Em fevereiro deste ano, a XP também divulgou um relatório sobre as empresas do segmento de e-commerce. À época, a equipe de research da XP já enxergava uma deterioração no cenário macro, com a alta das taxas de juros e incertezas econômicas. Mesmo assim, com recomendação neutra para o papel, a XP tinha como preço alvo para as ações da Via (VIIA3) o valor de R$ 7.
Para Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management, o “pior momento já passou” para o varejo. Isso porque, segundo ele, atualmente é possível ter uma certa previsibilidade sobre o futuro dos juros e da inflação.
“Sendo a primeira economia a subir o juros, certamente seremos a primeira economia a adotar um tom mais brando em relação à taxa de juros. Se estamos em 13,25% hoje, nós estamos em números de 2015 em relação aos juros. Ou seja, consequentemente chegaremos a um ponto onde sugere-se que o Banco Central não irá mais subir juros, porque estamos chegando à máxima histórica. À medida que sobe os juros, o consumo por parte da população é inibido, fazendo as pessoas cortarem justamente esses supérfluos, e nesse caso gera menos receita para essas empresas. Com receitas menores, afeta toda distribuição de dividendos dessas empresas, geração de lucro, e o mercado não gosta disso”, explicou Gonçalvez.
O Banco Safra tem recomendação de compra para as ações da Via, com preço-alvo de R$ 5,10. Segundo a instituição financeira, dentre os diferenciais oferecidos pela companhia, a Via tem uma “escala muito superior à concorrência é uma vantagem em um setor com margens apertadas e preços competitivos” e “está bem posicionada para o multicanal com base em suas quase mil lojas”.
Além disso, o banco cita que a marca da empresa é extremamente valiosa, o que é um dos principais fatores para atrair tráfego na internet.
O Safra destaca que entre os riscos para os papéis da Via (VIIA3) estão a deterioração da economia, a alta nas taxas de juros – devido ao grande impacto nos ganhos com recebíveis e Crédito Direto ao Consumidor com Interveniência (CDCI) – e os processos judiciais.