Pioneira entre as gestoras independentes no Brasil, a IP Capital Partners foi consagrada por conquistar um retorno anualizado médio de 22% no seu principal fundo. Desde que foi lançado, em 1994, época de implementação do Plano Real, até meados de maio deste ano, a rentabilidade acumulada do IP Participações está em 18.811%. Trocando em miúdos: uma pessoa que tenha investido o equivalente a R$ 100 mil com a IP há 28 anos, teria mais de R$ 18 milhões sob gestão hoje, segundo a empresa.
Mas a gestora, focada em fundos de ações, vem sofrendo recentemente com as quedas das bolsas globais, especialmente nos Estados Unidos. O IP Participações acumula perda de 26,7% no ano. Parafraseando o dizer popular: nenhuma boa história se escreve apenas por linhas retas. E assim o é no mercado financeiro.
Por saber disso, a IP Capital manteve suas posições em carteira – com dois terços de exposição em empresas negociadas fora, e um terço alocado em negócios no mercado brasileiro – e pretende seguir fiel às suas teses. Até que se prove o contrário.
“Quando olhamos para a carteira, nós nos questionamos se as empresas aguentam esse solavanco do mercado”, contou a sócia e responsável pelo relacionamento com investidores da IP Capital, Carolina Lamas Barbará, em entrevista ao BP Money.
“Claro que as posições vão sofrer com a volatilidade, mas o importante é que os negócios sobrevivam à crise – e, quem sabe, saiam até mais fortes dela”. A executiva explica que possíveis revisões das posições são determinadas caso a caso, mas a gestora se mantém comprometida a entregar entre 15% a 20% de retorno ao seu investidor no longo prazo.
É uma questão de estratégia. A IP Capital é adepta do estilo de investimento que tem seu expoente no oráculo de Omaha, Warren Buffett: o value investing. Sendo assim, entende o atual momento como um fenômeno natural no mercado de capitais.
Para atravessar mais essa fase de intensa volatilidade, segue a fórmula que a ajudou a sobreviver outras tantas crises nesses 34 anos desde que foi fundada, em 1988: ter um portfólio resiliente.
Carolina explicou que as empresas na carteira passam por avaliações rigorosas e um dos critérios da gestora é apostar apenas em “cavalos vencedores”, isto é, aqueles negócios já consolidados e dominantes nos seus segmentos.
Entre eles, alguns nomes bem conhecidos no mercado, que estão agora puxando os fundos para baixo, a saber: Netflix, Amazon e a Alphabet, dona do Google, em que a IP Capital tem sua maior posição hoje, de 12%. Por não se assustar com os solavancos, a gestora se mantém na corrida.
O olhar da sua equipe, na verdade, está além desse horizonte de céu fechado sobre o mercado hoje. Como uma boa seguidora da escola de Buffett, não só aposta que sairá mais forte da crise, como admite que é uma boa hora de ir às compras. “Para quem investe com visão de longo prazo, são oportunidades que só aparecem de tempos em tempos”, disse Carolina.
Confira na íntegra a entrevista da sócia da IP Capital Partners Carolina Lamas Barbará ao BP Money:
BP Money – A carteira da IP Capital está bem exposta a Amazon, Netflix, Alphabet, posições bem tradicionais na gestora, mas que vêm sofrendo com a queda do mercado nos Estados Unidos e o crescente pessimismo com as “big techs”. Vocês pretendem rever algum desses investimentos?
Carolina Lamas Barbará – Não costumamos mudar de ideia tão rápido em relação às nossas teses de investimento, a menos que haja uma mudança estrutural. Mas o que posso dizer é que não existe uma visão única para a nossa carteira, o que quer dizer: tratamos as posições caso a caso. O que há em comum entre todas elas é que hoje estão baratas. O mercado gosta de falar em “empresas de tecnologia” e de colocá-las no mesmo balaio, mas nós vemos como cada uma tem sua história e particularidades. Dentro do nosso portfólio, podemos considerá-las como um tier de “tech utilities”, que gostamos porque são os modelos de negócios de tecnologias essenciais, com produtos e serviços sem os quais não vivemos mais hoje. Ainda assim, temos uma visão para cada uma dessas posições.
E quais são os critérios da gestora para pinçar negócios nesse tier de “tech utilities”?
Existem algumas formas de lidar com as empresas de tecnologia. Na IP, nós preferimos os “cavalos vencedores”, que são os negócios já dominantes no mercado. Avaliamos as receitas recorrentes dessas companhias e se os valuations estão interessantes. Neste sentido, apesar de maduras, as que cobrimos têm uma avenida de crescimento e estão continuamente expandindo. É o caso, por exemplo, da Amazon hoje, que está com um valuation que corresponde a apenas o resultado na divisão da plataforma de nuvem, a AWS (Amazon Web Services). É quase como se o negócio de e-commerce estivesse vindo “de graça”. O Google conseguiu dobrar nos últimos cinco anos, e tem um potencial enorme nos serviços de nuvem, do buscador e do Youtube, que tem uma frente altamente monetizável. São negócios que desafiam os números porque, mesmo grandes, ainda devem crescer.
Como a carteira da IP Capital está posicionada hoje?
Temos dois terços de exposição da carteira no mercado externo e um terço em empresas aqui no Brasil. Nossa maior posição hoje é na Alphabet (GOGL34), dona do Google, com cerca de 12% de alocação na carteira. Trabalhamos com o value investing [estratégia de investimento que aposta no potencial de valor das empresas a longo prazo], isto quer dizer, queremos comprar posições em boas companhias, com potencial, e a preços baratos.
Por isso, com as quedas – principalmente no mercado externo, que costuma ser um ambiente mais fértil para investimentos -, estamos enxergando várias novas possibilidades em negócios que já fazem parte do nosso portfólio. No Brasil, cobrimos um universo que varia entre 30 a 40 empresas, nomes que gostamos para investimento, enquanto lá fora são de 120 a 130 nomes. Nossa exposição no mercado externo acaba sendo maior justamente porque esse cenário é mais amplo e tende a trazer mais oportunidades.
Quais são as alocações da IP em empresas aqui no mercado brasileiro?
Nossas principais posições hoje são da Equatorial (EQTL3), XP Inc. (XPBR31), Hapvida (HAPV3) e temos um pouco em Multiplan (MULT3). Não temos mais a posição da B3 (B3SA3). Note como são empresas completamente diferentes. O que fazemos é ter esse olhar micro, de entender o negócio, o porquê ele está crescendo, como está gerando fluxo de caixa, se o valuation faz sentido e como é a taxa interna de retorno para então criar teses e avaliar essas posições na carteira.
A IP não tem posições em empresas de commodities. Por quê?
Como também cobrimos mercado externo, nosso universo de análise já é grande, além de ser difícil achar um diferencial para montar uma posição em commodities. Investir nesse setor exige acertar o cenário geopolítico e o dólar, então, na verdade, é uma questão de foco. Preferimos direcionar nossa atenção a outros tipos de negócios que não dependam tanto de variáveis tão imprevisíveis.
Há alguma posição sendo revista na carteira da gestora?
Estamos aos poucos aproveitando oportunidades em algumas empresas que ficaram mais baratas, mas, se vamos aumentar ou não a posição, é algo que só conseguiremos responder com o tempo. Hoje o fundo está bastante alocado – com uma exposição líquida de 90% – então essa revisão é uma reação aos preços.
Se o mercado continuar caindo e não houver uma mudança drástica no horizonte de negócios das companhias que cobrimos, é possível, gradualmente, agregar algumas posições.
Warren Buffett e outros grandes gestores que adotam a estratégia do value investing acreditam que agora o mercado de capitais está bom para ir às compras. Na IP, vocês compartilham essa visão?
Também olhamos o momento atual como uma janela para ir acumulando patrimônio. Para quem investe com visão de longo prazo, são oportunidades que só aparecem de tempos em tempos. Houve correções bem importantes nesse último período, e haverá muitas perdas permanentes, quer dizer, valores não voltarão aos patamares de antes.
Nos EUA, muitas empresas de SaaS [software as a service, que trabalham com distribuição e comercialização de softwares] vinham sendo negociadas a até 60 vezes os resultados operacionais. Tanto que alguns desses negócios caíram 90% agora. Mas há um pouco de tudo nesse cenário. Algumas companhias que estavam com valuations bem confortáveis começaram a ficar interessantes para comprar agora.
Qual é a tese de investimento da IP Capital hoje?
O nosso portfólio é uma coleção de negócios nos quais identificamos características especiais. É essencial também que os papéis dessas empresas estejam sendo negociados a um preço que, na nossa avaliação, possa dar retorno mais para frente. Buscamos as empresas que têm um modelo de negócio superior e em que nós acreditamos que, ao longo do tempo, serão capazes de gerar um bom retorno com segurança. O cenário macro entra como ponto de estresse da nossa carteira mais do que como fator de direção do posicionamento.
Que estratégia a gestora adota para atravessar os momentos de maior volatilidade, como o atual?
Nós partimos de uma abordagem de baixo para cima [bottom-up] e analisamos o ambiente macroeconômico no sentido de avaliar se nossas teses seguem de pé. Quando olhamos para a carteira, nós nos questionamos se as empresas aguentam esse solavanco do mercado.
Claro que as posições vão sofrer com a volatilidade, mas o importante é que os negócios sobrevivam à crise – e, quem sabe, saiam até mais fortes dela, já que muitos de seus concorrentes podem ficar pelo caminho. Nossa carteira nos deixa tranquilos porque entendemos que não há nenhuma empresa ali que vai falir nesses momentos.
Desde que a IP foi fundada, em 1988, e quando lançou o primeiro fundo de ações, em 1993, a fórmula para enfrentar a volatilidade sempre foi a mesma: ter um portfólio “à prova de balas” – ou o mais próximo disso que conseguirmos. Para nós, a melhor forma de se preparar para a crise é estar sempre preparado para ela.
Qual é o nível de exposição líquida do IP Value Hedge hoje, que é o fundo mais defensivo da gestora?
O IP Value Hedge saiu de 70% de exposição líquida em setembro do ano passado e, hoje, está em torno de 50%. Algumas estruturas de proteção no fundo engordam à medida que o mercado cai, então a exposição líquida foi reduzida como consequência.
Qual é a perspectiva da IP para retorno da carteira neste ano?
Em termos de retorno no curto prazo, não consigo dizer. Temos um norte de longo prazo para trazer um retorno entre 15% e 20% ao ano. Se, ao longo do tempo, conseguirmos entregar isso no IP Participações (IP Participações FIC FIA BDR Nível I, para investidores qualificados), estaremos satisfeitos.
Como a equipe da IP monta uma posição em carteira?
Somos bem rigorosos em nossos critérios de investimentos. Precisamos conhecer e estudar o negócio para ganhar nossa confiança. Ao mesmo tempo, somos muito precisos na alocação de tempo de modo a não desperdiçar nosso foco e energia numa tese que depois poderá ser abandonada. Então fazemos checagens semanais de avaliação antes de mergulhar nos estudos sobre uma empresa.
Depois de conferir se a empresa atende nossa lista de pré-requisitos, podemos levar de seis meses até um ano – ou mais – nos aprofundando no negócio até criarmos uma tese ou até surgir a oportunidade no mercado para fazer o investimento. Resumidamente, buscamos negócios com potentes motores de crescimento e pouco dependentes do ambiente macroeconômico.
Também prestamos muita atenção nas pessoas que lideram essas companhias: quem é? Como se diferencia? Por que acorda todo dia e vai para a empresa? Qual é sua cultura de investimento? Qual é a sua capacidade de alocar capital e de inovar? Estas são todas perguntas que nos fazemos nessas análises.
Tanto aqui no Brasil quanto no mercado externo, conversamos com ex-funcionários, concorrentes e outros atores da cadeia de valor. Temos consultorias mensais com executivos que pertenceram a essas empresas, por exemplo, para nos ajudar a entender melhor a cultura e o que está acontecendo no negócio. Apesar de demorarmos para criar uma convicção, estamos sempre reavaliando nossas teses para identificar se é o momento de investir mais, tirar o pé ou abandonar uma posição.
Já deu para tirar alguma lição da crise que estamos atravessando hoje?
Ainda é cedo, porque estamos no olho do furacão. Depois que passar, conseguiremos rever e responder isso. Claro que estamos diariamente nos fazendo essa pergunta, mas uma conclusão do que fizemos de certo ou errado é precipitado dizer agora.
IP Capital Partners
Sede: Rio de Janeiro
Liderança: Christiano Fonseca Filho, sócio cofundador, hoje atua como conselheiro
Foco: fundos multimercado
Capital sob gestão: R$ 4,3 bilhões (em maio de 2022)
Entrevistada: Carolina Lamas Barbará, sócia e responsável pelo relacionamento com investidores. Tem 18 anos de experiência no mercado financeiro, sendo dez deles na IP Capital Partners.
Estrutura: 15 pessoas, seguindo o modelo de partnership