O crescimento das vendas por internet foi apenas uma das muitas transformações trazidas pela pandemia, e essa expansão não veio sozinha. Estimulou também uma série de outros negócios que garantem o ciclo do ecommerce, da compra por meio do celular ou do computador até a entrega ao consumidor.
Em meio a essa cadeia em expansão, poucos mercados cresceram tanto nos últimos dois anos quanto o dos galpões logísticos de alto padrão –e o ecommerce tanto foi a principal tração desse avanço, como é o fator de confiança para quem está investindo nesses grandes e cada vez mais tecnológicos espaços. Entre os dez maiores ocupantes de condomínios logísticos atualmente no Brasil, três têm operações exclusivamente de ecommerce, com cerca de 1,1 milhão de m² locados, quase o dobro dos 583 mil m² ocupados um ano atrás.
A taxa de vacância, que indica o percentual de metros quadrados disponíveis para locação, segue em queda, apesar do aumento expressivo de novos espaços. O número varia entre 8,95% e 12,56%, a depender da consultoria (algumas incluem apenas os imóveis considerados de alto padrão, outras, de todos os tipos). De janeiro a setembro, pouco mais de 1 milhão de m² foram entregues, segundo a consultoria SiiLA Brasil. O grosso das finalizações, porém, estava previsto para o último terço de 2021.
Se todas as previsões se concretizarem, outro 1,2 milhão de m² ficarão disponíveis para locação até que este ano termine, superando em 12% a área total locável registrada ao fim de 2020.O ano passado já havia sido considerado o melhor para o setor, quando a absorção líquida, somente em São Paulo, chegou a quase 1,2 milhão de m², duas vezes o recorde da série histórica da Newmark, iniciada em 2014.
Mariana Hananaia, diretora de pesquisa e inteligência de mercado da consultoria, diz que as projeções indicam que um novo recorde será batido em 2021. No terceiro trimestre, foram acumulados 568 mil m² em novas locações. A maior parte delas foi em Cajamar, município da Grande São Paulo que abriga alguns dos principais centros de distribuições do comércio online do Brasil -Amazon, Mercado Livre e B2W Digital (dona de Submarino, Shoptime e Americanas.com) estão lá.
Além de Cajamar, outras cidades da região metropolitana como Barueri, Jundiaí e Guarulhos também estão no raio de interesse da logística. A rede, porém, começa a se expandir, mesmo que o estoque, tanto novo quanto já instalado, ainda esteja muito concentrado em terras paulistas.
O crescimento das compras online fortaleceu as operações das empresas em outras regiões. Giancarlo Nicastro, presidente-executivo da consultoria SiiLA Brasil, diz que há muita oportunidade de expansão fora de São Paulo. Até o fim deste ano, há entregas previstas também no Ceará, em Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul.
No Rio, três empreendimentos estão ficando prontos, com tamanhos entre 19,5 mil m² e 28,7 mil m², o que poderá elevar ainda mais a taxa de vacância, hoje entre 18% e 19,8%, a depender da consultoria, posicionando o município como uma espécie de patinho feio em meio ao boom da logística.
O principal ruído, segundo Nicastro, vem da segurança, pois muitas empresas passaram a não conceder seguro a cargas que circulam no município. Para André Romano, gerente da divisão industrial e logística da JLL, o mercado responde prioritariamente à demanda: se houver consumidor comprando, as empresas montarão centros de distribuição. “De fato, é um mercado que anda de lado. Não é dinâmico como São Paulo, nem estável como vendo sendo Ceará e Pernambuco”, diz. A JLL projeta que o novo estoque chegue a 2,5 milhões de m² em 2022, ultrapassando o recorde de 2021. Quase 78% desses condomínios ainda estarão em São Paulo. Depois, 13,6%, em Minas Gerais, e 4,4%, na Bahia.
O presidente da SiiLA Brasil vê o aumento do estoque total, que chega a 19 milhões de m² como um ponto de atenção para o mercado. O risco é o de que a oferta cresça muito e rápido, derrubando os preços, que depois de patinar por anos, tinham começado a subir.
Mariana, da Newmark, avalia que o estoque poderá assustar, mas se manterá na média histórica em relação às novas locações. Ela aposta em um movimento de “fly to quality”, quando empresas optam por uma locação de padrão superior.
“Vai trocar 10 mil m² de qualidade ruim por 10 mil m² de qualidade boa”, diz.
Andre Romano, da consultoria JLL, vê também a possibilidade de uma reacomodação dos contratantes, de acordo com a atividade. Operadores logísticos (como DHL e Fedex) podem ficar mais distantes das capitais, onde pagarão menos pelo m², mantendo hubs menores nos grandes centros.
O ecommerce, por outro lado, precisa estar próximo e com acesso fácil às principais rodovias. Além dos novos consumidores digitais nascidos com a pandemia, o período de distanciamento social e cuidados sanitários estimulou outros tipos de compra, que também interferem na distribuição dos centros de distribuição de quem está vendendo ou entregando.
“Antes, essas compras eram grandes, eram TVs, geladeira. Hoje, já se compra coisa de uso diário e até mesmo supermercado”, diz Romano. Para essa compra de miudezas, o consumidor tem muito mais pressa em receber do que no caso de um eletrodoméstico.
No estado de São Paulo, as principais absorções do terceiro trimestre vieram do crescimento do digital. O Mercado Livre fechou 50,8 mil m² com a Prologis. A Mobly, varejista online de móveis e itens de decoração, locou 70 mil m² no Centro Logístico Especulativo WT, que integra um fundo da XP. Também com a Prologis, a Loggi contratou 46 mil m². Todos em Cajamar.
Nicastro, da SiiLA, diz que o mercado logístico em São Paulo vive um momento diferente em relação ao restante do país. “Em São Paulo é o ‘last mile’, a briga para ver quem entrega antes e mais barato, e isso só se faz com eficiência e descentralização”.
A tradução aproximada para o significado de “last mile” é a última parada, ou seja, a etapa final antes da entrega ao cliente. A ambição dos operadores é conseguir ficar a 15 quilômetros do centro de São Paulo, em uma infraestrutura que permita, além do armazenamento de mercadorias, a manobra de caminhões e o entra e sai desses veículos.
Marina Cury, presidente da Newmark, diz que há seis projetos bem encaminhados entre aprovações e licenciamentos e que deverão atender esse perfil. Por outro lado, outras regiões do país só agora começam a ter centros de distribuição próximos. Dos 16 condomínios com entrega prevista neste trimestre, sete estão em São Paulo. “Ter que esperar inibe o consumo e já se sabe que o consumidor está disposto a pagar até 15% mais se receber antes o produtor”, diz Nicastro, da SiiLA.