SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um quarto da população brasileira fica o equivalente a uma semana sem internet todo mês. Isso acontece porque 45% dos usuários mais pobres (classes C, D e E) possuem planos de telefonia móvel que se esgotam antes de o mês acabar. A duração média de um pacote é de 23 dias, mas chega a 19 dias entre os mais vulneráveis.
Os dados são de uma pesquisa sobre hábitos de uso e navegação na rede realizada pelo Instituto Locomotiva e pelo Idec (Instituto de Defesa do Consumidor). As informações foram coletadas por telefone de 26 de julho a 12 de agosto, com mil pessoas.
A amostra é de homens e mulheres com 16 anos ou mais que acessam a internet pelo celular e estão nas classes C, D e E, proporcionalmente distribuídas conforme os parâmetros da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A margem de erro é de 3,1 pontos percentuais.
É possível concluir que essas pessoas ficam sem internet porque 91% delas usam o smartphone como principal dispositivo de acesso. Se ficam sem plano móvel, portanto, ficam sem internet. O computador de mesa e o notebook representam 3% e 4% do acesso, respectivamente.
Wi-fi público, privado ou roteamento de internet de outros celulares são as alternativas dessa população que fica privada de acesso por sete dias ou mais.
A última TIC Domicílios, do Cetic (Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação) aponta para dados semelhantes: 90% dos usuários da faixa D e E conectam-se à internet somente por do celular. Na classe C, o índice cai para 58%.
O gasto médio mensal com planos de dados é de R$ 43 (R$ 33 entre os que possuem pré-pago, mesmo valor médio dos usuários da classe D e E).
O acesso à internet cresce a cada ano no Brasil e ele só tem espaço para avançar entre os mais pobres, já que as faixas A e B estão 100% contempladas. Embora 83% dos domicílios tenham alguma conexão, ela acontece de modo desigual: a força do sinal difere de centros para periferias, que têm menos antenas, e as regiões remotas têm infraestrutura de fibra precária ou inexistente se comparadas às metrópoles.
A pesquisa mostra que, diante da falta de internet, 66% já deixaram de realizar alguma atividade online, como pesquisar se uma informação recebida era notícia falsa (30%), acompanhar aulas ou cursos (35%), acessar serviços públicos (33%), transferir dinheiro (43%), agendar um exame (28%), acessar um serviço de saúde (31%) ou buscar informações sobre a Covid-19 (36%).
“A conectividade é um meio de democratizar o acesso à informação e esse acesso diferenciado acentua o gap educacional entre os mais pobres e os mais ricos. Os microempreendedores que sobreviveram na pandemia tinham internet para vender em lojas virtuais, para oferecer seus serviços por aplicativo”, afirma Renato Meirelles, presidente do Locomotiva. “Já o jovem pobre teve dez dias a menos de estudo.”
A modalidade de acesso à internet não é um problema solitário na desigualdade digital. A quantidade de computadores e celulares por casa e o tipo de aparelho usado também impactam a rotina das famílias. Computador ou o laptop se mostraram essenciais para atividades mais recorrentes durante a pandemia.
Segundo Fabio Senne, coordenador de pesquisas do Cetic.br/NIC.br, 90% dos usuários mais pobres acessam a internet somente pelo celular. “Não tem teletrabalho ou ensino remoto assim. Apenas 13% dessa classe fez algum uso de computador para usar a internet”, diz.
Redes sociais A utilização de redes sociais não se altera diante do fim dos pacotes de dados porque as operadoras no Brasil adotam a prática chamada zero rating, ou acesso patrocinado: não descontam da franquia o uso da internet em alguns aplicativos, como WhatsApp, YouTube ou Facebook.
“Apesar de a situação parecer mais confortável, ela acaba por prender usuários em aplicativos determinados e implicando um enviesamento no uso da internet –o que, inclusive, é proibido pelo Marco Civil da Internet, que determina a garantia de neutralidade de rede”, diz a pesquisa.
“A pessoa sem internet fica limitada ao WhatsApp. Se recebe fake news, não consegue conferir a notícia. Isso é preocupante com a aproximação das eleições”, diz Camila Leite, advogada de telecomunicações e direitos digitais do Idec. Segundo a especialista, 13% dessas pessoas têm Telegram, mas isso não quer dizer que usem o aplicativo todos os dias.
Além disso, ela diz que o pré-pago, por não ter compromisso de conta mensal, cobra proporcionalmente mais por megabit, “outra manifestação de desigualdade na internet móvel”.