NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – Em sua primeira viagem internacional depois de ser confirmado candidato a presidente em 2022 nas prévias do PSDB, o governador João Doria (SP) recuperou uma arma usada por Michel Temer (MDB) ao assumir o Planalto em 2016.
Em conversas com investidores em Nova York, onde lidera uma missão empresarial e inaugurou um escritório de promoção comercial do governo paulista nesta quinta (2), Doria sacou Henrique Meirelles e o teto de gastos para se apresentar como um candidato liberal e responsável na economia.
O ex-ministro da Fazenda, hoje seu secretário na área, foi nomeado o coordenador de seu programa econômico.
O tucano já esteve com o ex-prefeito Michael Bloomberg, com a direção do Bank of America, o banco Goldman Sachs e no Morgan Stanley na quarta (1). Nesta quinta, ainda falará no JP Morgan e, na sexta, com investidores, com o Council of the Americas, com o Itaú e com o maior gestor de fundos do mundo, o Blackrock.
“Há uma instabilidade fiscal e uma instabilidade política. Os investidores querem estabilidade, porque não são investimentos especulativos, e sim de longo prazo”, afirmou Doria.
“A situação é muito parecida com a de 2016, quando eu assumi o Ministério da Fazenda”, disse Meirelles. No cargo, ele entregou uma reforma administrativa à qual credita a folga de R$ 50 bilhões em investimentos até o fim de 2022, recorde na história recente do estado.
Naquele ano, após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), Meirelles foi chamado pelo novo presidente, Michel Temer, para tentar contornar a recessão que já durava mais de um ano. “A questão era a responsabilidade, mas também a credibilidade fiscal. Ao recuperar a confiança, baixamos o risco-Brasil e outros indicadores, controlando a inflação.”
Meirelles credita à implantação do teto de gastos, proposta de limitação de despesas federais por 20 anos, o tal choque de credibilidade. E a solução para 2023? “O teto de gastos ser respeitado”, afirmou, alfinetando as gambiarras fiscais do governo de Jair Bolsonaro (PL).
Doria foi na mesma linha. “É um absurdo furar o teto, não há justificativa humanitária para isso, porque furar o teto gera fome”, disse em entrevista coletiva o governador, repetindo argumentos de Meirelles.
Meirelles, em conversa com jornalistas, delineou os três pontos que considera mais imediatos para a economia: reforma administrativa para liberar recursos para investimento no social e em infraestrutura, apresentar uma reforma tributária federal nova e apoiar a proposta dos estados que chegou ao Congresso e estímulo a privatizações e concessões em infra.
“Não vamos nos ater a siglas. Vamos fazer um modelo adequado ao país no momento”, disse, sobre a polêmica substituição do Bolsa-Família pelo Auxílio Brasil.
Ele cita a proliferação de obras públicas de pequeno e médio porte em São Paulo como exemplo a ser seguido, pela capilaridade delas na economia e na geração de empregos.
Como já fez o chefe, defendeu a venda da Petrobras. “Mas temos de dividi-la em três ou quatro empresas, para não criar um monopólio privado”, disse. Doria já defendeu também um fundo para a estabilização dos preços dos combustíveis, bancado pelas vencedoras da privatização.
O tucano já afirmou que quer um conselho com seis pessoas trabalhando sob a coordenação de Meirelles na área econômica. O secretário não quis declinar nomes, óbvio, mas no governo paulista o nome da ex-secretária de Fazenda de Goiás Ana Carla Abrão é dado como certo.
Meirelles deverá ir atrás de antigos colaboradores, pessoas como o seu ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, que ocupou o cargo também no governo Bolsonaro, até sair no meio do ano passado.
A receita ortodoxa do ex-ministro, que foi presidente do Banco Central nos oito anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é criticada em diversos meios -alguma flexibilização nas regras do teto, draconianas, é objeto de intenso debate.
Enquanto isso, a gestão Paulo Guedes (Economia) resolveu driblá-lo apoiando medidas como a PEC dos Precatórios, deterioriando a situação econômica e a expectativa dos mercados.
Doria também atraiu a curiosidade política dos investidores, que questionaram sua viabilidade. A resposta padrão, segundo a Folha ouviu de participantes das conversas, foi anedótica.
O tucano repassou sua vitória na primeira disputa eleitoral que travou, para a Prefeitura de São Paulo em 2016, na qual também enfrentou duras prévias e números baixos em pesquisas. Dois anos depois, já mais conhecido, ele passou pelo mesmo processo e chegou ao Palácio dos Bandeirantes.
Agora, patinando em 5% das intenções de voto há meses e enfrentando a competição de nomes como o do ex-juiz Sergio Moro para tentar tirar Bolsonaro do segundo turno presumido contra Lula, Doria se apresentou como alguém que cresce na chegada.
Meirelles, por sua vez, também enfrenta uma condição política peculiar. Ele será candidato a senador pelo PSD em Goiás. Só que o partido presidido por Gilberto Kassab quer o senador Rodrigo Pacheco (MG) na disputa presidencial contra Doria e outros.
“Não há problemas, são questões diferentes no nível nacional e no local. Quando eu aceitei o convite do Kassab, foi para ter total autonomia em Goiás”, afirmou. “Todos nos respeitamos.”
Neste “roadshow” do governo paulista, não foi feito nenhum anúncio de investimento até aqui, ao contrário do que usualmente ocorre. Na inauguração do escritório da InvestSP, agência de promoção de investimentos e negócios do estado, Doria repassou a história deste modelo de inserção internacional.
Lembrou que o contrato inicial da farmacêutica chinesa Sinovac com o Instituto Butantan ocorreu na abertura da unidade da InvestSP em Xangai, em agosto de 2019.
Uma cooperação acerca do vírus zika acabou desembocando na produção conjunta da Coronavac, que foi o imunizante contra Covid-19 mais usado no país nos primeiros meses da campanha de vacinação. “Este é um grande exemplo da utilidade desse modelo”, afirmou o presidente da agência, Gustavo Junqueira.
Com Doria viajam, além de Meirelles, outros dois secretários de estado e os presidentes da Sabesp e do Butantan. São 18 servidores estaduais ao todo, ao custo de R$ 34 mil por cabeça, em média -há pessoas há mais tempo em Nova York, outros apenas por cinco dias.
Já a chamada Missão Comercial Nova York é bancada pelos 30 empresários da comitiva e patrocinadores na iniciativa privada, e custou R$ 4 milhões ao todo.
O jornalista Igor Gielow viaja a convite da InvestSP