Câmara melhora Auxílio Brasil, mas insegurança persiste

CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – A aprovação pela Câmara dos Deputados na última quinta-feira (25) da proposta que cria o Auxílio Brasil, programa social que substitui o Bolsa Família, deu mais clareza ao texto original enviado pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido), mas a insegurança quanto ao futuro do benefício após as eleições ainda persiste, segundo especialistas.
Para o economista Daniel Duque, do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas), os benefícios complementares ?como o auxílio esporte escolar, bolsa de iniciação científica júnior e auxílio inclusão produtiva rural, por exemplo? desvirtuaram o objetivo original do programa, ao colocar uma nova orientação que tira o foco de redução da pobreza.
“O texto é melhor do que o governo tinha proposto. Não tem muito o que fazer quanto ao desenho que o governo colocou. Se o destino era combater a pobreza, não fazem sentidos”, diz Duque.
“É um programa criado com bases fiscais pouco sólidas e sem uma fonte clara de recursos. É uma contratação de endividamento futuro, e a promessa de conceder um benefício de R$ 400, condicionada à aprovação da PEC dos Precatórios, ainda joga a conta para governos futuros.”
Para a professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e vice-presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Tatiana Roque, o novo programa tende a ser um Bolsa Família com valores atualizados e mudança de nome por uma simples questão eleitoral.
“Os R$ 400 prometidos pelo governo são uma quimera, ninguém sabe como vai ser e qual será o critério. Isso joga as famílias que dependem do programa em uma situação prolongada de insegurança.”
Ela complementa que o grande problema que surge é o desamparo em que devem ser deixadas as famílias que dependeram do Auxílio Emergencial durante a pandemia e não serão elegíveis para o novo programa.
“Muitos trabalhadores informais, os tais invisíveis do ministro [da Economia] Paulo Guedes, não se encaixam nos novos critérios e vão continuar em uma situação precária.”
Outro problema apontado é que o texto preliminar do relator previa a correção automática do valor do benefício pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). A equipe econômica do governo, no entanto, pressionou para que a maioria dos deputados não aprovasse o item.
Na visão dos especialistas, a falta de uma correção automática deve manter a insegurança dos beneficiários, que acabam dependendo de uma decisão do Executivo para novas atualizações de valor.
“O programa vai ser permanente, mas já está precificado que 2022 vai ser um ano de confusão fiscal. O passo ideal seria o reajuste pela inflação, que acabou não sendo aprovado, mas ainda assim o texto da Câmara é um avanço em relação ao que veio do governo”, diz Duque.
O economista também avalia que a forma como o novo programa foi colocado pelo governo foi confusa, já que a substituição do Bolsa Família vinha sendo discutida com mais força ao menos desde o ano passado.
Este não é um governo com vocação para discutir política social, diz Duque. “Com a pandemia, acabou aparecendo uma demanda social gigantesca e caiu no colo deste governo. Quando se joga um problema assim nas mãos de um governo sem vocação, o resultado acaba saindo pior do que a encomenda.”
“O futuro do programa após a eleição de 2022 é preocupante. Se o governo atual, que tomou a decisão de acabar com o Bolsa Família, for reeleito, ele pode acabar com o Auxílio Brasil também, até por ser um programa criado em bases mais frágeis.”
Duque também avalia que, independentemente do presidente que estiver governando o Brasil a partir de 2023, o Auxílio Brasil deve ser revisto.
“Estamos vivendo um período de anomalia econômica, por conta da pandemia, e a partir do próximo governo, vai ser preciso entender se o Auxílio Brasil melhorou ou piorou as condições dessas famílias.”
O pesquisador pondera, no entanto, que o fato de o novo programa se propor a acabar com as filas, que eram um problema grave do Bolsa Família, é um grande avanço.
A fila, de cerca de 1,2 milhão de cadastros hoje, ocorre pelos recursos do Bolsa Família terem ficado menores que a demanda para atender aos cadastrados de baixa renda.
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PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE O BOLSA FAMÍLIA E O AUXÍLIO BRASIL

VALOR MÉDIO DO BENEFÍCIO
Bolsa Família
R$ 190 (até outubro)

Auxílio Brasil*
R$ 220 (novembro) e mais de R$ 400 (a partir de dezembro)*

NÚMERO DE FAMÍLIAS ATENDIDAS
Bolsa Família
14,7 milhões

Auxílio Brasil*
17 milhões

CRITÉRIO DE ACESSO (LINHA DE EXTREMA POBREZA)
Bolsa Família
R$ 89 por membro da família (extrema pobreza) e R$ 178 (pobreza)

Auxílio Brasil**
R$ 105 (extrema pobreza) e R$ 210 (pobreza)

BENEFÍCIOS (USADOS PARA CÁLCULO DO VALOR A SER TRANSFERIDO À FAMÍLIA)
Bolsa Família
havia quatro tipos (benefício básico; benefícios variáveis; benefício variável vinculado ao adolescente e benefício para superação da extrema pobreza)

Auxílio Brasil
há nove tipos (benefício primeira infância; benefício composição familiar; benefício de superação da extrema pobreza; auxílio esporte escolar; bolsa de iniciação científica júnior; auxílio criança cidadã; auxílio inclusão produtiva rural; auxílio inclusão produtiva urbana; benefício compensatório de transição)

*Plano do governo a partir de dezembro e depende da aprovação da PEC dos Precatórios
**Patamares aprovados pela Câmara e dependem de votação da MP no Senado

Fonte: Ministério da Cidadania