Investidores que desejam colocar dinheiro em projetos que trabalhem pela equidade racial no país começam a ter opções no mercado.
Como essas iniciativas começaram a ganhar corpo há pouco tempo, ainda são restritas a grandes investidores na maioria dos casos, mas vêm obtendo ganho médio acima do entregue pela taxa Selic.
Entre as ofertas disponíveis estão fundos de venture capital –que investem em empresas em estágio inicial com potencial de crescimento– e de investimento cujas taxas de administração vão para causas que promovam a equidade racial.
Um deles é o Vox Impact Investing II Fundo de Investimento em Participações Multiestratégia, da Vox Capital, que acumula rentabilidade média de 72% desde o início de suas operações, em agosto de 2016, até dezembro de 2020, quando os ativos em carteira passaram pela última atualização. O rendimento do CDI no intervalo foi de 34,5%.
Entre as empresas que receberam aplicação está a Diaspora Black, startup que conecta empreendedores que oferecem serviços voltados à disseminação da cultura negra no país –como passeios, viagens e cursos– a pessoas interessadas em conhecer mais a respeito do tema.
A Vox fez em 2019 um aporte de cerca de R$ 600 mil na startup, que tem passeios como a Caminhada São Paulo Negra –feita pela plataforma de afroturismo Guia Negro–, que visita marcos da história da população negra na capital paulista.
Também há visitas a comunidades quilombolas e à Festa de Iemanjá, em Salvador, oferecidos pelas agências Rota da Liberdade e Brafrika Viagens, respectivamente.
Fundador da Diaspora Black, Carlos Humberto da Silva Filho diz que a empresa surgiu de “dores” sofridas durante viagens e hospedagens pelo Brasil, que evidenciaram a distância que ainda precisa ser percorrida em busca de uma sociedade mais consciente a respeito de suas próprias origens.
“A partir dessas dores, percebemos a necessidade de investir em serviços preparados para receber consumidores negros, para minimizar experiências de racismo dentro do mercado de turismo, bem como o potencial que existe relacionado à cultura negra que ainda é muito pouco explorado”, diz.
Com faturamento estimado em R$ 1 milhão para 2021, a expectativa é que o número chegue a R$ 5 milhões em 2022, em meio a um cenário de retomada das atividades com o avanço da vacinação.
Por investirem em empresas que ainda estão dando os primeiros passos e que podem, portanto, dar bons frutos ou acabar não alcançando o sucesso almejado, só investidores qualificados (com ao menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras) podem investir nos fundos da Vox.
Em um modelo diferente de atuação para promover impacto social, a VRB, uma instituição com foco na filantropia, reuniu renomados gestores para uma ação combinada que financia projetos socioeducacionais com o dinheiro de investidores.
Os fundos geridos por eles revertem a taxa de administração de 1% ao ano, descontados os custos, para projetos em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Pernambuco. Participam veículos de grandes casas como Fundo Verde, Kapitalo Zeta, Ibiuna STH e Atmos FIA.
O fundo VRB Multimercados acumula rentabilidade de 6,96% nos 12 meses até 17 de novembro, contra 3,59% do CDI. Desde o início do fundo, em julho de 2016, o rendimento é de 63,23%, ante 39,96% do índice de referência.
Até agora, já foram revertidos cerca de R$ 11 milhões aos projetos pelo mecanismo, com cerca de R$ 570 milhões sob gestão nas estratégias, distribuídas pelas plataformas da XP Investimentos e, a partir do final do mês de novembro, do BTG Pactual.
A aplicação também é voltada a investidores qualificados, mas já há uma versão previdenciária do fundo, com menos riscos, acessível para o público geral. A opção previdenciária, no entanto, tem rentabilidade de 2% desde o início, em dezembro de 2019, contra 6% do CDI no período.
Uma das instituições apoiadas é o Pérolas Negras, um time de futebol que conta com refugiados haitianos no Brasil. O clube começou em 2009, durante a missão de paz do Brasil no Haiti.
A equipe conquistou em novembro a Copa Rio, o que lhe garantiu participação na Série D do Campeonato Brasileiro do ano que vem. Um dos destaques do time é o jovem haitiano Garrinsha, de 19 anos, batizado pelo pai em homenagem ao craque do Botafogo.
O primeiro aporte no VRB veio do bilionário George Soros, com quem o diretor do Pérolas Negras e da ONG Viva Rio, Rubem César Fernandes, estabeleceu relação durante trabalho no âmbito da missão de paz no Haiti. “O futebol é uma linguagem universal que abre portas”, diz Fernandes.
A evolução da operação nos últimos anos levou à criação da Academia Pérolas Negras, uma rede de clubes comunitários que atuam em cinco territórios no Rio de Janeiro, com capacidade de gerar impacto para cerca de 800 jovens em situação de vulnerabilidade.
O trabalho visa fomentar polos de formação educacional nas comunidades carentes e selecionar jovens de maior aptidão para o futebol para serem federados e disputarem campeonatos oficiais.
“O Pérolas Negras não é um time com uma pegada social. É um programa social, com uma pegada futebolística”, diz.