Limite do Pix é custo de segurança pública pago pela sociedade, diz BC

Recentemente, o BC anunciou novas regras para tentar conter a ação de criminosos, como o limite de R$ 1.000 à noite

Responsável pela implementação do Pix, o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello, disse em entrevista à Folha que avalia como positivo o primeiro ano do sistema de pagamentos instantâneos brasileiro.

Para ele, o desenho da nova ferramenta permitiu uma adesão rápida por parte da população.

Sobre as polêmicas que envolvem segurança, ele garante que o sistema é seguro, mas atribui o aumento de fraudes, golpes e outros crimes envolvendo o Pix à reabertura da economia.

Contudo, Pinho de Mello ressalta que, apesar de ser um problema de segurança pública, é também responsabilidade do regulador fazer regras que reduzam esse risco.

Recentemente, o BC anunciou novas regras para tentar conter a ação de criminosos, como o limite de R$ 1.000 à noite. “É a sociedade mais uma vez pagando o custo de segurança pública”, diz o diretor.

Segundo ele, a autoridade monetária tentou por anos fazer com que o próprio sistema financeiro desenvolvesse uma solução instantânea de pagamento, mas decidiu tomar a iniciativa de implementar o modelo.

“Temos uma indústria de cartão de crédito e débito muito bem-sucedida, alocar tempo para fazer outra solução exige muita coordenação. Se aparecesse uma solução privada seria ótimo, mas havia dificuldades de coordenação, por isso o BC tomou a decisão de fazer de forma centralizada”, diz.

Pinho de Mello afirma ainda que a pandemia de Covid-19 teve papel importante na digitalização dos meios de pagamento e, como consequência, na adesão rápida da população ao Pix.



Folha – O Pix teve um primeiro ano intenso, com adesão muito rápida e polêmicas de segurança. Qual é a sua avaliação sobre esse período?

Pinho de Mello – O balanço é muito mais positivo do que qualquer um poderia antecipar.

Havia muita segurança de que a adesão seria forte e muita confiança na qualidade do desenho e na atratividade do meio de pagamento, pela instantaneidade, pela disponibilidade e pelo custo baixo.

Folha – Antes do lançamento, o BC previa que a ferramenta teria esse alcance?

Pinho de Mello – Não tinha uma previsão, mas, se você pegar os primeiros anos em outros países que implantaram sistemas de pagamentos instantâneos, há muita diferença de velocidade de embarque.

O que teve maior velocidade foi o Chile, que no primeiro ano teve nove transações por habitante. Se a gente alcançasse o Chile seria, sob qualquer métrica, um sucesso absoluto. Hoje o Pix tem 30 [transações por habitante].

Tínhamos a expectativa de que o embarque seria profundo mesmo, porque existe uma grande fração da população para a qual esse meio de pagamento faltava.

Folha – A que pode ser atribuído o crescimento meteórico do Pix no primeiro ano?

Pinho de Mello – São vários fatores. Primeiro e primordialmente o desenho foi muito bem-feito porque foi realizado em colaboração com os atores de mercado, sejam eles instituições que prestam serviços de pagamentos [como bancos, cooperativas e fintechs], sejam prestadores de serviço de tecnologia.

Sempre escutamos aqueles que vão prestar o serviço para os clientes finais, mas com um comando forte do BC, que é quem decide.

Essa combinação foi muito única. Foi algo que construímos na governança do Pix que vai ficar para os próximos países que forem implementar pagamentos instantâneos.

Folha – Por que o BC decidiu tomar a iniciativa de criar o sistema de pagamentos instantâneos?

Pinho de Mello – Em outros países o próprio mercado iniciou o movimento. Havia quatro ou cinco anos que o BC tentava estimular e induzir que aparecesse uma solução privada. Ela teria de ser dessas que todo mundo pode participar e que fosse interoperável. O mundo privado tem essas soluções, mas existia um problema de coordenação.

Temos uma indústria de cartão de crédito e débito muito bem-sucedida. Alocar tempo para fazer outra solução exige muita coordenação. Se aparecesse uma solução privada seria ótimo, mas havia essas dificuldades e por isso o BC tomou a decisão de fazer de forma centralizada.

É importante frisar que não oferecemos o serviço diretamente, são as instituições.

O BC tem três papéis: a estrutura de liquidação financeira, que é o encanamento em que o dinheiro passa; a estrutura de informação, que é a base de dados que identifica usuários como recebedores de Pix; e a regulação, que são as regras do jogo.

Folha – A pandemia acelerou a digitalização de pagamentos, isso contribuiu para a adesão rápida do Pix no primeiro ano?

Pinho de Mello – É inegável. Houve um movimento de digitalização de meios de pagamento e da vida de modo geral. A maneira como as pessoas se relacionam com o comércio mudou e já vinha mudando, era uma tendência, mas com a pandemia explodiu.

Não só o Pix, mas cartões de crédito e de débito cresceram por causa das novas necessidades que a crise sanitária impôs. Vai ser difícil dizer o quanto [a pandemia] contribuiu quantitativamente.

Folha – Então a pandemia acelerou a necessidade de se criar um meio de pagamento instantâneo?

Pinho de Mello – Do ponto de vista do BC, a pandemia não mudou o cronograma, que já estava estabelecido antes da crise sanitária. Se fizesse diferença, seria para atrasar, porque outras pautas urgentes entraram e ocuparam a diretoria.

A despeito disso, seguimos com o que tinha sido estabelecido lá atrás, em 2019, com abertura restrita em 1° de novembro e abertura plena em 16 de novembro.

Folha – Por que a adesão entre pessoas físicas foi mais rápida que entre empresas?

Pinho de Mello – A gente esperava isso, porque a pessoa física em certo sentido não precisa fazer nada, só precisa saber que existe [o meio de pagamento] e se familiarizar.

Um estabelecimento comercial precisa se adaptar. Um restaurante de bairro, por exemplo, tem um sistema montado para receber dinheiro e cartões de crédito, débito e vale-refeição. A maquininha está conectada com o sistema do restaurante, a confirmação [do pagamento] é recebida na hora.

O Pix não vem com isso automaticamente, vem com toda a infraestrutura para alguém prestar o serviço.

Cada vez mais esses estabelecimentos começam a embarcar em sistemas que fazem isso automaticamente, mas isso custa. É um investimento.

Folha – Recentemente houve o primeiro caso de vazamento de dados, no Banese, com 395 mil chaves expostas. Há chances de ocorrer em outras instituições? O BC aprimorou o monitoramento?

Pinho de Mello – Qualquer um que disser que não há chance de ataque cibernético ou é irrealistamente otimista ou não é totalmente honesto.

Qualquer vazamento de dados pode causar dano para o usuário e tem de ser levado muito a sério.

O principal aprendizado não só para o BC e para o Banese, mas para qualquer empresa nesse movimento de digitalização, é ser totalmente transparente e ver quais são as potenciais novas vulnerabilidades.

Estamos estudando sempre aprimoramentos.

Folha – O Pix acabou facilitando a ação de golpistas e criminosos, que agora conseguem obter o dinheiro de forma instantânea e pulverizar entre outras contas rapidamente. Essas questões de segurança foram subestimadas pelo BC?

Pinho de Mello – O Pix foi construído com uma governança coparticipativa, em que fez parte um dos maiores especialistas em segurança de meios de pagamentos do país. Houve diálogos com autoridades policiais e antecipava-se que poderia ter algo em relação à instantaneidade.

O sistema foi construído para ser super-seguro. Mas tivemos a reabertura da economia com outra estrutura de meios de pagamentos, com as pessoas usando muito mais meios digitais.

Essas intervenções todas [novas regras do BC para aumentar a segurança] diminuem a usabilidade dos meios de pagamentos. Lá atrás, o BC limitou a R$ 500 o saque no caixa eletrônico aos fins de semana.

Isso é uma inconveniência para as pessoas, feita com um balanço entre custo e benefício. Vamos impor uma inconveniência à sociedade, que no fundo é só mais uma maneira de medir um custo da segurança pública. Mas eu tenho o benefício de desestímulo de um tipo de crime e de proteção do cidadão.

Esses casos aconteceram não por causa do Pix, mas pela volta da mobilidade social no contexto de muito maior uso de meios de pagamentos digitais.

É importante salientar que as intervenções que foram feitas [pelo BC] não foram só no Pix, mas em meios de pagamentos digitais, valem também para TED, para arranjos de transferência por rede social e para transações de cartão de débito.

Folha – O BC previa o aumento de golpes e outros crimes com Pix?

Pinho de Mello – É difícil prever todas as reações possíveis não só dos bandidos, mas dos usuários de meios de pagamentos. Mas tínhamos, sim, uma ideia, tanto é que a gente previu os mecanismos de marcação antifraude e o de devolução.

Folha – Para evitar crimes, esses mecanismos não deveriam ter sido implementados no início das operações com Pix?

Pinho de Mello – Quase todo desenvolvimento é custoso para o sistema financeiro e isso vai ser pago pelos usuários em última instância, não tem como escapar.

Esse conjunto de funcionalidades estava ali, a necessidade e a velocidade foi ajustada ao longo do tempo. Na verdade, o mecanismo de devolução é só mais uma maneira de fazer o Pix mais seguro que os outros meios.

Folha – O BC está estudando outras medidas de segurança?

Pinho de Mello – O BC sempre está atento e monitorando. Colocamos um conjunto bastante amplo de medidas há seis semanas, então é preciso acompanhar e monitorar os movimentos de segurança pública.

As regras foram colocadas porque acreditamos que elas são suficientes e efetivas.

Foi feita a avaliação de que a imposição de um limite de R$ 1.000 para transações com Pix entre 20h e 6h valia a pena porque você economizaria do ponto de vista de segurança pública, porque a maioria dos sequestros são nesse horário.

Mas em alguns casos limita o uso. É um limitador, limita mesmo. É a sociedade mais uma vez pagando o custo de segurança pública.

 

Raio-X | João Manoel Pinho de Mello, 48

Diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, é bacharel em administração pública pela FGV, tem mestrado em economia pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro e Ph.D em economia pela Stanford University (EUA). Antes de assumir o cargo na autoridade monetária, foi secretário de Política Econômica e, antes, da Produtividade e Promoção da Concorrência do Ministério da Fazenda. É também professor do Insper