SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Consequência da pior crise hídrica dos últimos 90 anos, o aumento no preço da conta de luz deve derrubar o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil em R$ 8,2 bilhões em 2021, queda de 0,11% em relação a 2020. Como consequência, a inflação sobre a energia elétrica deve resultar numa perda de 166 mil empregos no fim do ano. A conclusão está em um estudo publicado nesta quarta-feira (3) pela CNI (Confederação Nacional da Indústria).
A CNI também previu um impacto de R$ 14,2 bilhões no PIB do ano que vem, ou seja, R$ 22,4 bilhões em dois anos. Além do impacto no PIB, a confederação calculou as consequências dos custos de energia na geração de empregos, consumo das famílias, exportação e outros.
Na avaliação do gerente de Análise Econômica da CNI, Marcelo Azevedo, no segundo semestre de 2021 a indústria continuará a ser impactada pela falta e pelo encarecimento dos insumos e pela elevação do custo da energia elétrica. Outro ponto é a elevação dos juros para conter a inflação, que vai afetar de forma negativa os custos financeiros e o financiamento das empresas industriais.
O alto preço da energia pode custar 166 mil postos de trabalho em 2021 e 290 mil empregos em 2022, 456 mil no total. Em 2021, o consumo das famílias se reduzirá em R$ 7 bilhões e, em 2022, a redução será de R$ 12,1 bilhões. Já as exportações terão perdas equivalentes a R$ 2,9 bilhões em 2021 e a R$ 5,2 bilhões no ano que vem.
AUMENTO NA CONTA DE LUZ
De acordo com os cálculos da confederação, a conta de luz das famílias subirá 6,77% em 2021 e 18,8% em 2022, com a criação da bandeira escassez hídrica e os reajustes das tarifas de energia. Esses aumentos devem provocar redução do consumo das famílias em R$ 7 bilhões em 2021 e de R$ 12,1 bilhões em 2022, a preços de 2020.
A CNI estima ainda que a bandeira tarifária tem peso de 13,23% na conta de luz total das famílias. “O aumento total de 127,5% [em 2021] na bandeira tarifária deve se refletir em um aumento de 16,87% na conta de luz das famílias em relação ao valor inicial da bandeira vermelha patamar 2”, calcula a instituição.
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) anunciou no fim de agosto um novo patamar da bandeira tarifária, chamado “bandeira escassez hídrica”, no valor de R$ 14,20 por 100 kWh. É quase 50% a mais que o do patamar 2 da bandeira vermelha, a R$ 9,49. O modelo de cobrança deve vigorar até abril de 2022.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o reajuste se deve ao custo adicional projetado de R$ 8,6 bilhões com energia de setembro a novembro, o que inclui importação da Argentina e do Uruguai e ativação de novas termelétricas. Essas medidas são necessárias para suprir a necessidade de 5,5 GW de energia a ser acrescentada ao SIN (Sistema Interligado Nacional).
Os níveis dos principais reservatórios do Brasil baixaram ao longo deste ano, provocando a pior crise hídrica dos últimos 90 anos segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Nas regiões Sudeste e Centro Oeste, que concentram 70% de toda a água do país, o nível médio dos reservatórios é inferior a 20%. Para funcionar, reservatórios de água de usinas hidrelétricas devem operar com, pelo menos, 10% da sua capacidade. Segundo o ONS, abaixo desse percentual, as turbinas ficam comprometidas e há o risco de suspensão repentina do fornecimento de energia.
Setores da indústria serão os mais afetados
A CNI projeta redução do PIB industrial de R$ 2,2 bilhões em 2021 e de R$ 3,8 bilhões em 2022 com os efeitos da alta da energia elétrica. A indústria de transformação deve responder por R$ 2,9 bilhões dessa queda, no acumulado dos dois anos.
Os setores industriais mais impactados com a tarifa energética serão os gás natural e outras utilidades; metalurgia; fabricação de peças e acessórios para veículos automotores; produção de ferro gusa; ferroligas; siderurgia e tubos de aço; fabricação de produtos de madeira; mineração; têxteis; celulose e papel, além do próprio setor de energia elétrica.
DESPREPARO PARA A CRISE AUMENTOU O IMPACTO
De acordo com Paulo Feldmann, professor de Economia da USP, o aumento da inflação brasileira atualmente é causado pela alta do preço da energia elétrica. A previsão é que o impacto do custo de energia na inflação de 2022 seja de mais 0,41% em 2022..
“A energia por meio de hidrelétrica é uma fonte barata e o Brasil sempre teve essa vantagem, pela abundância de água. Com a seca, o país teve que partir para outras fontes de energia, principalmente as termelétricas, que são muito caras. Por isso o preço da energia subiu.”
Para Feldmann, o planejamento teria sido essencial para evitar essa crise. “Se houvesse planejamento, existiriam opções de usar outros tipos de energia, como a solar e a eólica. O Brasil é o país do mundo que mais tem exposição solar e um dos que mais tem vento no litoral e não somos grandes usuários de energia solar e nem eólica. E isso é uma coisa antiga, já de muitos governos. Os governos dos outros países fazem planos para 10, 20 anos. Se o Brasil o fizesse, saberia que não poderia ficar tão dependente de hidrelétricas. Esse é o primeiro e principal erro”, explica.
“O segundo erro é não considerar usar as termelétricas antes, quando ainda havia água nas barragens. O uso das termelétricas deveria ter começado a dois anos atrás, pois já era evidente que iria acontecer essa crise hídrica. Se o governo tivesse começado a usar as termelétricas naquela época, já ajudaria em relação a dependência da água e não estaríamos vivendo essa situação”, declara o economista.
Para Feldmann, o próximo ano será ruim para a economia brasileira, pois com a inflação em alta, o governo aumentará as taxas de juros. “Lamentavelmente, os governos não sabem usar outra forma para reduzir a inflação além da taxa de juros. Quando aumenta a taxa de juros, a economia retrocede. Os números apontados pela CNI são otimistas, pois o desemprego será muito maior”, analisa.
“O consumo das famílias está caindo ano após ano e em 2022, o auxílio de R$ 400 do novo Bolsa Brasil será elegível apenas para 17 milhões de pessoas. A abrangência dele será muito menor que a do auxílio emergencial em 2020 e 2021, que foi distribuído para 60 milhões de pessoas. Por isso, o impacto do consumo das famílias será muito pequeno. O cenário para 2022 é muito ruim, com muitas famílias em insegurança alimentar ou passando fome e muitos desempregados.”