BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – A agenda ESG (sigla em inglês para os princípios ambiental, social e de governança) não tem se resumido a iniciativas isoladas das empresas em sustentabilidade. Pode ainda não ser a maioria, mas uma parte do mundo corporativo parece ter entendido o que analistas afirmam há algum tempo: ESG não é estratégia de marketing, mas de negócio.
Algumas companhias têm procurado alinhar seus investimentos a princípios ambientais e sociais, destinando grandes recursos para projetos com motivação sustentável.
Em setembro deste ano, a Nestlé anunciou novos compromissos em nível mundial, tendo como foco a transição para um modelo de agricultura regenerativa. A iniciativa envolve um investimento de 1,2 bilhão de francos suíços (aproximadamente R$ 7,2 bilhões).
Sendo um dos maiores mercados da companhia no mundo, o Brasil será protagonista nesse movimento.
A estratégia específica para o país foi divulgada nesta semana e, além da agricultura regenerativa, está baseada em outros dois pilares: circularidade dos materiais e bioeconomia.
Até 2025, a companhia pretende ter 30% das principais matérias-primas obtidas por meio de práticas regenerativas, reciclar todo o plástico colocado no mercado brasileiro, conservar 300 mil hectares, e gerar renda para 4 mil pessoas na Amazônia.
“Os compromissos brasileiros são muito importantes para que a Nestlé consiga chegar aos seus compromissos mundiais. O Brasil é um país onde temos um footprint [pegada] muito relevante”, afirma Marcelo Melchior, presidente-executivo da Nestlé Brasil.
Com metas globais para reduzir suas emissões líquidas de carbono pela metade até 2030, e atingir a neutralidade até 2050, o foco dado aos modelos regenerativos não é à toa. A agricultura é responsável por quase dois terços das emissões totais da companhia, com laticínios e pecuária respondendo por cerca de 50% desse recorte.
Segundo Melchior, a Nestlé tem a ambição de liderar a agenda de sustentabilidade no setor de alimentação, e pretende fazer isso com base no conceito de valor compartilhado.
“A gente quer fazer coisas que sejam também sustentáveis do ponto de vista de negócios. Nós não estamos aqui para fazer caridade. Temos que fazer algo que seja incorporado ao valor do nosso negócio, diz.
No Brasil, a Nestlé vai trabalhar o conceito de agricultura regenerativa em três cadeias produtivas: leite, cacau e café. Além de preservar o meio ambiente, a adoção de práticas de conservação e reabilitação têm impacto positivo nos produtos, como explica Fábio Spinelli, diretor de planejamento estratégico e sustentabilidade da Nestlé.
“Temos projetos de desenvolvimento tecnológico que mostram que um café cultivado através de metodologias de agroreflorestamento tem uma maior produtividade e, inclusive, maior qualidade”, afirma.
O diretor cita outro exemplo de iniciativa na cadeia do café, que parte da biomimética (aplicação de soluções inspiradas na natureza) para melhorar a polinização. Segundo ele, as abelhas naturalmente polinizam os melhores grãos, e aproveitar essa “habilidade” permite uma redução significativa no uso de fertilizantes e defensivos agrícolas.
“A Nestlé é uma empresa que depende muito das matérias-primas agrícolas e é por isso que, dentro do olhar ambiental, o nosso primeiro foco foi na questão da agricultura regenerativa”, afirma.
Spinelli reitera a afirmação de Melchior de que a sustentabilidade não pode ser caridade, e diz que os princípios ESG já estão incorporados nas estratégias de negócio e na visão de longo prazo da Nestlé.
“A gente não pode colocar um recurso de investimento que não se pague ao longo do tempo, senão isso não fica sustentável.”
Unir o tema da sustentabilidade com o modelo de negócio também é um dos focos da Klabin, a maior produtora e exportadora de papéis do Brasil.
Segundo Marcos Ivo, diretor de financeiro e de relações com investidores, todas as grandes decisões da companhia buscam aliar a questão econômica aos pilares ESG.
“Quando olhamos a estratégia de negócio da Klabin, a sustentabilidade está junto, e não é diferente quando falamos de investimento. A gente não faz um investimento somente porque ele é bom do ponto de vista social ou somente do ponto de vista ambiental, econômico ou de governança”, afirma.
Ivo é um dos seis brasileiros que fazem parte da Força-Tarefa de CFOs, uma iniciativa do Pacto Global da ONU para aumentar a proporção de recursos corporativos alinhados a metas sustentáveis.
O grupo é formado por 60 diretores financeiros de companhias globais e, em setembro deste ano, se comprometeu com um investimento coletivo de US$ 500 bilhões (R$ 2,7 trilhões) para promover os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) nos próximos cinco anos.
“A grande missão é ter a questão ESG integrada às estratégias da companhia. Ou seja, garantir que os objetivos da ONU façam parte quando as empresas trabalham o seu planejamento”, explica Ivo.
O diretor cita o projeto Puma II, que foi anunciado pela empresa no ano passado e envolve um investimento de R$ 12,9 bilhões -o maior da história da Klabin.
Na unidade industrial em Ortigueira (PR), serão construídas duas máquinas de papel para embalagens, com produção integrada de celulose. O projeto fará da Klabin a primeira empresa do mundo a fabricar o papel Eukaliner, que é mais favorável ao meio ambiente e exige menos energia no processo.
Segundo ele, o Puma II também envolve outros investimentos com impactos positivos para o meio ambiente. Um deles, de US$ 40 milhões (R$ 222 milhões), é referente a um projeto de gaseificação de biomassa para substituir o combustível fóssil usado no forno.
Outra iniciativa pretende transformar o licor gerado na queima da madeira em energia elétrica. Para esse projeto foram destinados US$ 60 milhões (R$ 333 milhões).
“Eu vou conseguir trazer produtividade para a fábrica, redução de custos e um forte impacto ambiental”, afirma.
O investimento em novas fontes de energia também entrou no radar de outra companhia brasileira: a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão.
Em setembro, a empresa anunciou que vai construir uma usina solar no Ceará para atender parte de sua demanda de energia. Um mês antes, a BRF já havia confirmado a formação de uma joint venture com a AES Brasil para a construção de um parque eólico no Rio Grande do Norte.
O investimento direto da companhia nos dois parques é de R$ 130 milhões. Além disso, considerando todos os projetos relacionados à autogeração de energia, a BRF espera ter 90% de sua demanda atendida por fontes próprias a partir de 2024.
Segundo Daniel Bucheb, diretor global de suprimentos da BRF, o projeto começou há cerca de um ano, quando ele procurou entender quais eram os grandes custos que a empresa tinha.
“Uma coisa que me assustou foi que 0,5% da energia do país é consumida pela BRF. Isso equivale a Curitiba, Belo Horizonte e mais uma cidade juntas”, afirma.
A partir desse diagnóstico, o objetivo era desenhar um projeto que tivesse um benefício em sustentabilidade, abastecimento energético e preço. Segundo ele, os projetos devem permitir uma economia de R$ 1,7 bilhão com eletricidade nos próximos 15 anos.
De acordo com Mariana Modesto, diretora de Sustentabilidade da BRF, a companhia passou a ter uma classificação de investimento (Capex) alinhada aos compromissos de sustentabilidade.
“Não é só falar que é importante, não é só falar que quer o projeto. A pergunta que o comitê de decisão de Capex interno faz é: qual o compromisso público que isso está alinhado? Qual o aspecto ESG em que você está classificando o seu projeto para que ele realmente tenha que ser aprovado?”, diz.
“O critério de sustentabilidade passou a ser um gatilho na decisão executiva se aquele projeto será aprovado ou não”, acrescenta.