SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As ações da empresa do setor financeiro Traders Club (TC) desabaram na Bolsa nesta terça-feira (26), encerrando a sessão com uma queda de 10,17%, cotadas a R$ 5,39, bem acima da média de mercado -o Ibovespa teve queda de 2,1%, em meio às preocupações com a política fiscal, enquanto os juros tiveram forte alta.
A queda de hoje das ações do TC, contudo, não foi influenciada tanto pelo cenário macroeconômico que se desenha cada vez mais desafiador. O movimento veio na esteira de relatório publicado pela casa de análise Empiricus, em que os analistas recomendam a venda das ações do TC, e dizem enxergar uma desvalorização potencial de cerca de 50% para os papéis.
“Entendemos que o valuation atual das ações não corresponde, mesmo sob premissas bastante otimistas, à realidade da companhia. Nossa avaliação é de que as ações precisariam cair, pelo menos, 50% [considerando o fechamento de R$ 6,00 do dia 25] para encontrar certa razoabilidade em termos de apreçamento”, diz o relatório da Empiricus, que se refere à empresa como uma “fake tech”.
Os analistas da Empiricus dizem ainda no relatório que a divulgação dos próximos resultados operacionais do TC “tornará clara a necessidade futura de capital da companhia e suas dificuldades de crescimento sem uma queima brutal de caixa”.
Em resposta, Pedro Albuquerque, presidente do TC, afirma que o relatório da Empiricus está repleto de inconsistências. O executivo cita como exemplo o fato de o relatório apontar que o TC precisará de uma injeção de capital nos próximos meses.
“Acabamos de fazer o IPO [oferta inicial de ações]. A companhia tem muito dinheiro em caixa, e não há queima brutal de recursos. Pelo contrário”, diz Albuquerque. “De forma alguma a gente necessitaria de aumento de capital no ano que vem. Essa premissa está desconectada da realidade.”
O presidente do TC também se queixa do fato de os analistas da Empiricus terem feito o trabalho sobre os números do negócio sem fazerem nenhuma consulta à própria empresa. “Temos que respeitar as opiniões contrárias, mas as premissas do relatório são bem diferentes da realidade da empresa”, diz Albuquerque.
Procurada, a Empiricus afirmou por meio de sua assessoria que o TC é uma empresa pública com ações na Bolsa, obrigada a divulgar suas informações ao mercado, sem a necessidade, portanto, da consulta.
Albuquerque diz ainda que o relatório foi feito por uma casa de análise independente que cobra por esse serviço e que, no fim do dia, termina por disputar o mesmo público-alvo que o TC.
Questionado se entende que essa disputa por mercado influenciou no conteúdo do relatório, o presidente do TC afirma que cabe a cada um tirar suas próprias conclusões. “As pessoas são inteligentes para entender quando um relatório não fez a cobertura completa de uma empresa, sabe-se lá qual é o motivo.”
Em post na tarde desta terça no Twitter, Tiago Reis, presidente da casa de análise Suno, instou Albuquerque que abrisse informações sobre notas de corretagem no período de 2016 a 2019, período em que o fundo sob sua gestão teve forte valorização.
No relatório, a Empiricus questiona o desempenho destacado do fundo Cosmos, que esteve sob responsabilidade do presidente do TC antes de ele assumir as funções na empresa, e que chegou a superar 8.000% de rentabilidade na última década, pelos dados apresentados pela casa de análise.
“Eu no lugar do @albuquerque_af [Pedro Albuquerque] não me preocuparia com essas acusações da Empiricus. Basta abrir todas as notas de corretagem nos períodos citados para trazer transparência das operações realizadas. Com essas informações abertas não existe motivo para preocupação”, diz o post do presidente da Suno.
Em resposta ao post, Albuquerque propôs um “desafio” a Reis, dizendo que divulgaria as notas, em troca de uma liberação de conteúdo para a base de assinantes da casa de análise.
“As suas ações estão caindo 10% neste momento, e aceleram as quedas após este seu comentário. Me parece estar desconectado da realidade”, disse Reis, na tréplica.
“Quando você é uma empresa pública, você sofre o escrutínio do mercado. E a partir do momento que rumores são gerados em torno do negócio, é preciso que a empresa se posicione para estancar a sangria”, diz Reis, que recomendou aos investidores que não participassem da oferta pública de ações da empresa em julho. “Por enquanto a decisão tem sido acertada, as ações caíram bastante desde então.”
Ele diz ainda que não tem qualquer intenção de aceitar o desafio proposto por Albuquerque. “Se ele não quer dar transparência, isso é um problema dele”, afirma o presidente da Suno, acrescentando que cabe aos membros do conselho de administração da empresa cobrar dos executivos a divulgação das informações que entendam pertinentes.
Albuquerque afirma, por sua vez, que as informações sobre todas as operações realizadas pelo fundo ficam disponíveis no site da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para consulta de qualquer interessado, com um atraso de três meses.
Na semana passada, o BTG Pactual, que havia anunciado em maio a compra da controladora da Empiricus, divulgou um relatório em que recomenda a compra das ações do TC, com preço-alvo de R$ 14 em 12 meses. O banco foi o coordenador líder da oferta pública da empresa, em que foram levantados cerca de R$ 550 milhões no final de julho.
No relatório, o time de análise do banco destaca que a recomendação de compra está baseada em aspectos como o potencial de crescimento do número de investidores na Bolsa, bem como devido aos ganhos advindos do braço educacional da empresa, com a oferta de cursos e produção de conteúdo.
Os analistas do BTG Pactual destacam que, com mais de 170 mil usuários ativos por semana, o TC tem grandes oportunidades para aumentar a monetização, gerando tráfego/ investidores para as corretoras e diversificando seu portfólio educacional.
“Apesar da baixa liquidez das ações -que é um ponto negativo frente a atual volatilidade do mercado- o caso de investimento é inegavelmente atraente”, diz o relatório do BTG Pactual.
Já os analistas da Empiricus dizem que a avaliação é de que o TC só conseguiu fazer seu IPO por conta de circunstâncias muito particulares de mercado, com abundante liquidez internacional, juros baixos e apetite por risco em alta.
“Era um caso de VC [venture capital] ou private equity. Algumas etapas foram queimadas. Cedo ou tarde, a realidade se impõe. A verdade é filha do tempo”, diz o relatório da Empiricus.
Albuquerque, do TC, diz que o ambiente de aumento dos juros representa naturalmente um vento contrário para o negócio, mas que não deve ser suficiente para impedir um bom desempenho da Bolsa em um horizonte de longo prazo.
Sobre as recentes mudanças na equipe econômica, Albuquerque afirma que, em sua opinião, “o governo está próximo do final, e é normal mudanças em final de governo”.
Em julho, a empresa chamou a atenção nas redes sociais por expor uma estátua do ministro da Economia, Paulo Guedes, que o retrata como um mandaloriano, grupo parte do universo “Star Wars” famoso por sua habilidade como caçador de recompensa.
A respeito da queda das ações do TC desde o IPO próxima de 40%, o presidente da companhia diz que a maioria dos papéis que estrearam recentemente na Bolsa brasileira está passando por uma fase difícil em termos de rentabilidade, até pelo fato de ainda terem baixa liquidez.
“Estamos aqui correndo uma maratona bem longa, não é uma corrida de 100 metros”, afirma Albuquerque. Ele acrescenta que ambientes de alta volatilidade, incerteza política e maior pressão para as ações não são uma novidade no país. “Não vai ser a primeira, nem a última vez”, diz o executivo.