BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – Se no Brasil o agronegócio e as ONGs ambientais costumam estar em lados opostos, na França eles estão unidos -e agindo para complicar a vida de exportadores brasileiros e do acordo comercial entre a União Europeia e Mercosul.
Doze eurodeputados de quatro blocos ideológicos -do esquerdista GUE/NGL ao centro-direitista PPE-, entre representantes de sindicatos rurais e ativistas verdes, afirmaram que vão se opor “de forma inequívoca” ao acordo UE-Mercosul, em artigo publicado no jornal francês Le Monde nesta segunda (25).
A França ocupa no próximo semestre a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, o que lhe permite influenciar a pauta de discussões do bloco de 27 países.
O presidente Emmanuel Macron, que enfrenta uma eleição em abril, deverá estar especialmente sensível aos apelos de dois grupos de pressão relevantes em seu país: os ambientalistas e os agricultores.
Segundo os eurodeputados, a União Europeia deve estabelecer regras de reciprocidade para produtos agrícolas importados, para evitar que distorções prejudiquem os produtores europeus e reduza a transição para uma produção sustentável.
A carne brasileira é expressamente citada no texto: “Certos métodos de produção (uso de farinhas animais, uso de antibióticos como promotores de crescimento) que são estritamente proibidos na criação europeia devem ser objeto de medidas estritas de reciprocidade e controle de produtos importados, como carne bovina, que chega até nós do Brasil ou Canadá, por exemplo”.
Os eurodeputados também defendem que alimentos vendidos para a UE devem ser barrados se usarem pesticidas ou antibióticos proibidos no bloco europeu, que os considera prejudiciais à saúde.
O Brasil é o terceiro país que mais usa agrotóxicos em números absolutos, depois de China e EUA, segundo dados da FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura. Em relação à área de agropecuária, a terceira global, ocupa a 27ª posição no ranking da entidade -5,94 kg por hectare.
Um decreto recente que flexibiliza regras sobre o uso de químicos na produção foi visto por organizações como um retrocesso nas políticas ambientais e de saúde do Brasil. Segundo o governo, a mudança aumentará a concorrência, incentivando produtos mais modernos, menos tóxicos e mais baratos.
Para os eurodeputados que escrevem no Le Monde, o resultado disso é deixar agricultores europeus expostos “à concorrência desleal com produtos importados que são mais baratos e piores em termos de saúde, meio ambiente e bem-estar animal”.
Os produtores franceses precisam interromper até o final do ano que vem, por exemplo, o uso do glifosato, o agrotóxico mais usado no Brasil, e que eleva a produtividade da soja brasileira, já favorável por condições climáticas e gerenciais.
Os eurodeputados que assinam o texto também criticam o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul e o CETA (com o Canadá), por “reduzirem barreiras alfandegárias aos produtos agrícolas sem impor o cumprimento estrito das normas europeias”, o que, segundo eles encoraja as importações de baixo custo.
O acordo, que facilitaria ao Mercosul acesso ao mercado de 450 milhões de consumidores da UE, foi congelado pelo bloco desde que suas negociações foram concluídas, em meados de 2019. Para vigorar, o texto precisaria ser aprovado pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho (que reúne os 27 líderes) e pelos Legislativos nacionais (e regionais, no caso da Bélgica, por exemplo).
Mas cresceu na opinião pública europeia a convicção de que o governo Jair Bolsonaro promove um desmonte das políticas ambientais brasileiras.
Grandes fundos retiraram investimentos de projetos brasileiros associados ao desmatamento e grandes varejistas passaram a se preocupar com a sustentabilidade dos produtos que importam.
Em julho, dez entidades ambientais pediram ao governo francês que deixasse de importar alimentos brasileiros. Como o acirramento da oposição política, a Comissão decidiu esperar momento mais favorável para iniciar a tramitação do acordo.
O governo e os produtores brasileiros têm tentado desfazer a imagem negativa do Brasil, em reuniões promovidas nas embaixadas, em visitas de integrantes de ministérios à Europa e em campanhas publicitárias.
O Ministério da Agricultura afirma que os critérios de segurança de agrotóxicos usados pelo Brasil são mais rígidos do que os de outros países. Se usasse a classificação internacional, conhecida como Sistema GHS, “o índice de pesticidas classificados como extremamente tóxicos no Brasil passaria de 34% para cerca de 14%”.
Segundo o órgão, os produtos brasileiros são constantemente testados para contaminação e, “quando há resíduos, estão muito abaixo do que é permitido pelos códigos internacionais”.
O ministério também defende a sustentabilidade da carne brasileira: em seu site, a foto principal mostra mostra bois em um pasto verdejante, sobre texto que descreve técnicas de produção sustentável.
Na reunião contra a crise do clima que começa neste domingo, a COP-26, o governo tentará emplacar a imagem de um Brasil comprometido com o ambiente.
Por enquanto, ao menos, o contra-ataque da narrativa brasileira não tem sido suficiente para mudar posições europeias contra o tratado entre os blocos.
“Nós nos oporemos de forma inequívoca ao acordo comercial atualmente em discussão com os países do Mercosul, uma vez que este acordo não incluirá, em sua condicionalidade, todas as medidas-espelho destinadas a proteger os padrões de saúde e meio ambiente exigidos pelos países”, escrevem os eurodeputados no Le Monde.