A nova versão da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos precatórios (dívidas da União cobradas pela Justiça), apresentada na última quinta-feira (21), criou a possibilidade de municípios parcelarem dívidas com a União caso aprovem reformas da Previdência locais.
O Ministério da Economia vê a ideia como um “Refis” (programa de refinanciamento para devedores) destinado a prefeitos, mas com a condição de eles mudarem as regras previdenciárias para melhorar as contas municipais.
Esse “Refis” não estava na versão original, enviada pelo governo. A medida foi fruto de negociação política no Congresso e é vista como uma forma de garantir o apoio à tramitação da proposta por parte dos municípios, que podem ter precatórios a receber.
Para conseguir o parcelamento previsto, os municípios terão que comprovar uma série de mudanças específicas nas regras previdenciárias. Uma delas é que o rol de benefícios deve ser limitado às aposentadorias e à pensão por morte.
Além disso, os servidores municipais não poderão pagar alíquotas menores de contribuição do que as que são aplicáveis aos servidores da União.
Os municípios também deverão adotar regras de elegibilidade, cálculo e reajuste dos benefícios que contemplem dispositivos semelhantes aos seguidos por servidores públicos da União e que contribuam para o equilíbrio fiscal.
O parcelamento valeria para todas as dívidas com vencimento até 31 de outubro de 2021, inclusive as parceladas anteriormente. Os valores poderão ser pagos ao longo de 20 anos.
A medida vale para dívidas de municípios, suas autarquias e fundações para com seus respectivos regimes próprios de Previdência (modalidade voltada a servidores) ou para o regime geral (voltado a cargos comissionados e à população em geral).
No caso das dívidas com o regime geral, os débitos parcelados terão redução de até 80% dos juros de mora. Um ato do Ministério do Trabalho e Previdência definirá os critérios para o parcelamento e demais detalhes.
A proposta que flexibiliza os precatórios foi redigida originalmente para permitir que a União deixe de pagar todas os valores exigidos após cobranças judiciais e programados a partir de 2022. O texto cria um teto para os valores -tudo o que não for pago entra em uma fila a ser quitada ao longo dos anos seguintes.
O mecanismo pode gerar uma bola de neve, já que o ritmo de novos precatórios tem crescido ano a ano.
O governo afirma que esse efeito será contido por outros mecanismos previstos na PEC, como o que permite ao detentor do precatório trocar os valores por descontos em dívidas tributárias, na compra de terrenos da União ou na aquisição de ações de estatais que forem vendidas -com isso, o governo federal poderia abater ao menos parte dos valores devidos.
A nova versão da PEC foi além. Governo e seus aliados no Congresso inseriram uma manobra na regra de correção do teto de gastos que, na prática, expande o limite das despesas federais. O artifício detonou uma crise de confiança dos investidores em relação à condução da política fiscal, por ser um drible no mecanismo do teto.
O conjunto das alterações previstas cria um espaço orçamentário para despesas de R$ 83 bilhões no ano eleitoral de 2022, de acordo com o relator da proposta, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).
Além disso, o texto também tira o direito dos próximos presidentes da República de fazerem alterações na norma por meio de projetos de lei.
A regra do teto de gastos permite, pelo artigo 108 do ATCD (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), que a regra de correção possa ser revista a partir de 2026 por meio de projeto de lei complementar do Executivo. A alteração nos métodos de correção poderia ser feita uma vez a cada mandato presidencial.
A nova PEC extingue esse mecanismo e, com isso, o presidente da República só poderá alterar a regra constitucional por meio de outra PEC -algo mais difícil de ser aprovado.
“Uma das mais estranhas propostas do novo relatório é revogar o art. 108 do ADCT, que justamente permite que o índice de correção do teto seja alterado a partir de 2026. Pelo visto, Guedes e companhia querem ser os únicos a poder alterar o método de correção”, afirmou Vinícius Amaral, consultor legislativo no Senado, em rede social.
Enquanto um projeto de lei complementar pode ser aprovado com metade do total de parlamentares (41 senadores e 257 deputados), uma PEC vai além e exige três quintos dos parlamentares (49 senadores e 308 deputados).