SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com a chegada do setembro verde, mês que marca a inclusão da pessoa com deficiência, a influenciadora e modelo Zannandra Fernandez, 19, esperava que a procura pelas suas postagens publicitárias crescessem, já que ela faz parte deste público –mas isso não aconteceu.
“Eu fiz alguns trabalhos, mas nenhum querendo enfatizar que é setembro verde”, conta a jovem.
Além de não ter visto sua demanda crescer, notou que as campanhas na TV, nas redes sociais e em outros meios dificilmente incluíam pessoas com deficiência. Fez, então, coro àqueles que quiseram chamar a atenção para a baixa representatividade deste público nas peças publicitárias.
“Já que nenhuma marca quer investir em mim nesse Mês da Pessoa com Deficiência, deixa que eu mesma faço isso”, postou ao lado de duas fotos profissionais.
Poucas marcas convidam as pessoas com deficiência para que estampem suas campanhas. Isso fez com que influenciadores com deficiência chamassem a atenção para sua baixa representatividade mesmo no setembro verde.
Isto é, porém, um sintoma de uma invisibilidade diária. Pessoas com deficiência participam de aproximadamente apenas 1% dos anúncios publicitários do país, de acordo com a pesquisa “Diversidade na Comunicação de Marcas em Redes Sociais”, realizada pela consultoria Elife e a agência SA365.
O estudo avaliou 1.900 postagens de 50 marcas em 2020. Os grupos analisados foram de homens, mulheres, negros, brancos, amarelos, indígenas, LGBTQIA+, gordos, idosos e deficientes físicos.
As pessoas brancas foram representadas em 74% das publicações, liderando o ranking. Em seguida aparecem as mulheres, presentes em 62% –neste caso, não foi feito recorte racial. Ao lado dos indígenas, as pessoas com deficiência foram o grupo menos representado, ambos com 1%.
Cerca de 46 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, de acordo com o Censo de 2010. Isso corresponde a 24% da população do país.
A youtuber e mestre em políticas públicas Mariana Torquato postou um vídeo chamando atenção para o dia 21 de setembro, que marca a luta das pessoas com deficiência –e que não ganhou grande destaque
“Nem no dia da luta da pessoa com deficiência aqui no país a gente tem uma notinha na mídia ou ganha um destaque dentro das grandes empresas. Até mesmo as celebridades que dizem apoiar a inclusão. [Não] tem nada”, disse.
Já o influenciador Eduardo Victor destacou que as poucas marcas que propõem parcerias no setembro verde não querem remunerar os criadores de conteúdo. Ele salientou que a autonomia financeira é um dos fatores determinantes para a independência das pessoas com deficiência.
“Falar sobre acessibilidade é falar sobre a possibilidade de acessar os lugares com o nosso dinheiro. E falar sobre independência e deficiência são coisas muito difíceis em uma sociedade que não nos enxerga como pessoas capazes”, destacou Victor.
A consultora de diversidade e inclusão na comunicação, e fundadora do projeto Propaganda de Responsa, Anna Castanha, atribui a falta de representatividade à necessidade de se incorporarem mais pessoas com deficiência nos processos criativos. Não basta, porém, que façam parte do cotidiano das agências de publicidade, marketing ou do dia a dia das marcas, precisam estar nos cargos de liderança.
“Não importa quantas pessoas com deficiência existam na empresa, não são elas que vão fazer a coisa mudar, as lideranças precisam querer”, diz.
Seu trabalho envolve uma checagem dos projetos antes que eles cheguem às ruas, como uma espécie de consultoria de bom senso. É ela quem avisa quando percebe que um anúncio não vai ser bem recebido por um público –ou pode até gerar um processo.
Como consultora, ela percebeu que não há um esforço para inclusão das pessoas com deficiência, mas que as empresas apenas preenchem as cotas estabelecidas por lei. A legislação é alvo frequente de discriminação.
O artigo 93 da Lei 8213/1991 determina que empresas com mais de 100 funcionários contratem um percentual deste público, que varia de acordo com o número de colaboradores do local. Até 200 pessoas, este número é de 2%. Sobe para 3% caso tenha entre 201 e 500 empregados. De 501 a 1.000 funcionários, a cota é de 4%. De 1.001 em diante, são 5%.
“O que é para uma agência contratar um diretor de arte surdo ou um planner [estrategista] que é cego, por exemplo? As agências não querem se adaptar à realidade das pessoas”, afirma Castanha.
Se escolhem alguém para estrelar uma campanha, Lorrane Silva, apelidada de Pequena Lo, é uma das favoritas. Com 4,8 milhões de seguidores nas redes sociais, ela foi uma das primeiras influenciadoras com deficiência a ser popularmente reconhecida. Ainda assim, também não viu crescer o número de publicidades nas suas redes sociais no mês passado.
Para Lo, a situação piora quando as empresas tentam incluir, mas não fazem do jeito certo. Veiculam campanhas com termos incorretos, palavras ofensivas e até colocam as pessoas com deficiência em situações constrangedoras.
“Falta muita informação para falar sobre um assunto sério. Tem que ter pesquisa antes. Sobre os termos principalmente. Pessoas especiais, por exemplo, ainda é bem usado, e não é o correto”, afirma.
Castanha crê que a representatividade de pessoas com deficiência deve crescer nos próximos anos e que a publicidade escolhe causas, mas esta não é a bola da vez. Para ela, as empresas começarão a responder a essa cobrança, como fizeram com pessoas negras e o público LGBTQIA+.