BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse à Comissão de Ética Pública da Presidência, em maio de 2019, que adotaria medidas para ?mitigar ou prevenir? conflito de interesses enquanto estivesse no comando da pasta. A informação foi divulgada pelo colegiado, na tarde desta segunda-feira (4), após um consórcio internacional de jornalistas ter revelado que Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mantêm empresas em paraísos fiscais no exterior.
Ainda de acordo com a comissão, os conselheiros também teriam feito recomendações para evitar essa possibilidade, na reunião em que analisou a DCI (Declaração Confidencial de Informações) de Guedes. O documento contém informações de bens e rendas, assim como situação patrimonial ou pessoal que possam ocasionar conflito de interesse.
A respeito de Campos Neto, a Comissão de Ética informou o mesmo ?que, durante o encontro que analisou a declaração do presidente do BC, em agosto de 2019, ele teria dito que adotaria medidas para ?mitigar e evitar? conflitos de interesses.
O colegiado, responsável pelo julgamento administrativo de eventuais irregularidades no Poder Executivo, disse ainda que, dentre as medidas normalmente determinadas e aceitas pela comissão, ?encontra-se a recomendação de manter inalteradas as posições de seus investimentos durante todo o exercício do cargo?.
Nos documentos revelados na Pandora Papers, não fica claro se isso ocorreu no caso de Guedes. Ao site Poder360, Campos Neto disse não ter feito nenhuma movimentação com os recursos na empresa do paraíso fiscal. Os dois dizem que as contas foram declaradas aos órgãos reguladores, incluindo a Receita Federal, e que não há irregularidades.
A Comissão de Ética admite ainda a possibilidade de reavaliar recomendações ou instaurar processo de apuração ética contra as autoridades, no caso de descumprimento das recomendações feitas pelo colegiado ou ?diante de novas informações que não constavam na DCI ou de possível ocorrência de conflito de interesses durante o exercício do cargo?.
Nesta segunda-feira (4), um dia depois das reportagens, o ministro da CGU, Wagner Rosário, fez uma ?visita de cortesia? ao presidente da Comissão de Ética Pública, Antonio Carlos Vasconcellos Nóbrega.
Segundo interlocutores de participantes, a questão das offshores de Guedes e Campos Neto não surgiu durante o encontro. A reunião já estaria marcada desde a semana passada, quando Nóbrega tomou posse na presidência do colegiado.
A comissão analisará denúncia apresentada pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) a respeito do caso, conforme antecipou o jornal Folha de S.Paulo.
As notícias sobre as offshores causaram preocupação em integrantes da Comissão de Ética, em especial o caso de Guedes. Segundo a reportagem apurou, mesmo que Valente não tivesse protocolado a denúncia, os conselheiros provavelmente analisariam de ofício, por iniciativa própria, devido à notoriedade do fato.
Quando for aberto o procedimento, o ministro da Economia terá cinco dias para prestar esclarecimentos. Provavelmente, a solicitação deve ocorrer mesmo antes da próxima reunião do colegiado, marcada para o próximo dia 27.
A maior preocupação dos conselheiros, segundo interlocutores, é averiguar se as recomendações e as condições estabelecidas em 2019 foram acatadas. Por exemplo, devem questionar se ele manteve participação ativa na empresa. Se não, quem assumiu o comando.
Devem também avaliar se o artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal foi respeitado. O texto prevê que “alterações relevantes no patrimônio da autoridade pública deverão ser imediatamente comunicadas à CEP [Comissão de Ética Pública]”.
Em especial, essas mudanças devem ser informadas, segundo o código, quando se tratar de atos de gestão patrimonial que envolvam transferência de bens a cônjuge, ascendente, descendente ou parente na linha colateral; aquisição, direta ou indireta, do controle de empresa; ou outras alterações significativas ou relevantes no valor ou na natureza do patrimônio.
Parlamentares da oposição também prometem acionar o Ministério Público Federal para investigar as revelações. Eles também pretendem convocar Guedes e Campos Neto para darem explicações na Câmara dos Deputados.
Offshore é um termo em inglês usado para definir empresa aberta em outros países, normalmente locais onde as regras tributárias são menos rígidas e não é necessário declarar o dono, bem como a origem e o destino do dinheiro.
Não é ilegal ter uma offshore, desde que declarada à Receita Federal, mas a falta de transparência desse tipo de empresa faz com que, frequentemente, elas sirvam para fins ilícitos, como ocultação de patrimônio.
No caso de Guedes e de Campos Neto, a Receita foi informada. No entanto, há um questionamento adicional, o conflito de interesse. Ambos ocupam cargos públicos que lhes dão acesso à elaboração das leis que tratam como o Brasil vai lidar com esse tipo de empresa, bem como das regras que regem o fluxo de recursos entre o país e o exterior.
Segundo as reportagens, Guedes, sua esposa e sua filha são acionistas de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal. Em 2015, ela tinha US$ 9,5 milhões (aproximadamente R$ 51 milhões, em valores atuais), detalham as reportagens.
A criação dessa empresa foi intermediada por uma companhia suíça que oferece serviços para quem deseja manter suas atividades financeiras ocultas.
A investigação jornalística encontrou apenas outros três chefes de economia de países que têm recursos em paraísos fiscais, segundo as publicações: os de Gana, do Cazaquistão e do Paquistão.
Já o presidente do Banco Central é dono de quatro empresas, segundo o El País. Duas delas no Panamá, em sociedade com sua esposa, outra delas nas Bahamas. Uma quarta é de “gestão de bens imóveis”. Em suas respostas às reportagens, o presidente do Banco Central afirmou não ter feito operações nessas offshores após assumir o cargo.
Procurado no domingo, o Ministério da Economia afirmou em nota que toda a atuação de Guedes “foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada”.
?As informações foram prestadas no momento da posse, no início do governo, em 2019. Sua atuação sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade”, disse a nota, que acrescentou que, ao assumir o cargo, o ministro se desvinculou de toda a sua atuação no mercado privado.
Já Campos Neto afirmou, também em nota, que seu patrimônio foi construído com rendimentos ao longo de 22 anos de trabalho no mercado financeiro, inclusive com funções no exterior.
?As empresas foram constituídas há mais de 14 anos. A integralidade desse patrimônio, no País e no exterior, está declarada à Comissão de Ética Pública, à Receita Federal e ao Banco Central, com recolhimento de toda a tributação devida e a tempestiva observância de todas as regras legais e comandos éticos aplicáveis aos agentes públicos”, afirmou.
“Não houve nenhuma remessa de recursos às empresas após minha nomeação para função pública. Desde então, por questões de compliance, não participo da gestão ou faço investimentos com recursos das empresas”, disse.