Enquanto serviços e comércio apresentam sinais de melhora com a reabertura de atividades, a indústria perde fôlego diante da escassez de insumos e do aumento de custos produtivos no país.
Segundo analistas, as diferenças reforçam o cenário de retomada desigual entre os setores na pandemia, e essa característica deve continuar visível pelo menos até o final de 2021.
Dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) ilustram o desempenho heterogêneo.
Conforme o instituto, o volume do setor de serviços, aquele que mais sofreu com as restrições na fase inicial da crise, teve alta de 1,1% em julho frente a junho. Foi a quarta taxa positiva consecutiva.
Com isso, o segmento de serviços, que é o maior empregador do país, ficou 3,9% acima do nível pré-pandemia, registrado em fevereiro de 2020.
Desde o ano passado, o que amenizou o baque da Covid-19 no setor foi o avanço de atividades ligadas à tecnologia e com dependência menor da circulação de consumidores.
É o caso de serviços de informação e comunicação. De acordo com o IBGE, em julho, essa atividade estava 9,6% acima do patamar verificado em fevereiro de 2020.
Trata-se da maior distância positiva em relação ao pré-crise entre os cinco ramos de serviços pesquisados pelo instituto.
Na visão de analistas, o setor de serviços como um todo deve puxar o desempenho da economia até o final do ano porque as restrições menores à circulação de clientes tendem a favorecer os chamados serviços prestados às famílias.
São atividades que sofreram muito na fase inicial da pandemia –como bares, restaurantes e hotéis– e que enxergam uma possibilidade de melhora graças ao avanço da vacinação contra a Covid-19.
Em julho, os serviços prestados às famílias ainda estavam 23,2% abaixo do patamar pré-crise, conforme o IBGE. É a única das cinco atividades de serviços que ainda não superou o nível pré-pandemia, mas essa diferença vem caindo de acordo com os últimos dados.
“Estamos em um momento mais positivo para o setor de serviços”, define o economista Fabio Bentes, da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).
“É impossível dissociar esse momento da diminuição do isolamento social. A circulação de pessoas vem aumentando. Com isso, o setor tende a apresentar números melhores até o final do ano.”
A exemplo de serviços, o comércio também opera acima do pré-crise, segundo o IBGE. As vendas do varejo subiram 1,2% em julho, quarto mês consecutivo de alta. Assim, o setor ficou em patamar 5,9% superior ao de fevereiro de 2020.
Entre as oito atividades do comércio, o destaque positivo é o ramo de outros artigos de uso pessoal e doméstico, que inclui lojas de departamentos, esportivas e joalherias, entre outras. Em julho, o segmento estava 34,4% acima do pré-crise.
Dos oito ramos do varejo, quatro estão acima do patamar pré-pandemia. Outros quatro encontram-se abaixo.
O segmento de livros, jornais, revistas e papelaria e o de equipamentos e material para escritório, informática e comunicação são as atividades comerciais mais distantes do nível anterior à crise –estavam 35,7% e 8,9% abaixo, respectivamente.
Já a indústria, em contraste com serviços e comércio, vem amargando resultados mensais negativos. Em julho, a produção das fábricas caiu 1,3%, conforme o IBGE.
Com isso, está 2,1% abaixo do pré-pandemia. Nos sete primeiros meses deste ano, a produção recuou em cinco.
Dentro da indústria, o segmento de transformação é aquele que vem apresentando mais dificuldades, se comparado ao extrativo, que foi beneficiado pelo apetite internacional por commodities nos últimos meses. A transformação reúne atividades que ainda sofrem com a escassez de insumos e que registram alta de custos.
É a situação de veículos automotores, reboques e carrocerias. Em julho, a produção dessa atividade estava em nível 18,5% inferior ao verificado em fevereiro de 2020. É a maior distância negativa dentro da indústria de transformação frente ao pré-pandemia.
A outra ponta da lista é preenchida pela atividade de máquinas e equipamentos. No sétimo mês deste ano, a produção estava 17,2% acima do patamar registrado em fevereiro de 2020.
Em relatório recente, o Banco Original avaliou que a recuperação da economia deve seguir de maneira “heterogênea” no segundo semestre de 2021, “com serviços em alta, comércio mais contido e indústria fragilizada pela falta de insumos”.
“Nos últimos meses, voltamos a ver um crescimento bem heterogêneo entre os setores. Comércio e serviços começam a se descolar de maneira positiva, enquanto a indústria tem ficado para trás”, analisa Lisandra Barbero, economista do Banco Original.
Alex Agostini, economista-chefe da agência classificadora de risco Austin Rating, lembra que o setor industrial já apresentava gargalos antes da pandemia. Com a crise, as dificuldades foram aprofundadas.
Conforme o analista, o fornecimento de insumos só deve ter uma melhora mais consistente em 2022. Enquanto isso, até o final de 2021, o setor de serviços deve encontrar um cenário melhor, no embalo da circulação maior de consumidores, diz Agostini.
“A vacinação traz um ganho de confiança para as pessoas, elas vão acessar mais os serviços. Também há um efeito sazonal, o período de primavera e verão por si só já estimula o setor”, aponta.
Fabio Bentes, da CNC, pondera que, mesmo com os sinais de melhora, o segmento de serviços encontra uma série de desafios no cenário. A inflação em alta é um deles.
A crise hídrica, que eleva os preços da energia elétrica e traz o risco de racionamento de luz, também joga contra a retomada do setor e da atividade econômica como um todo, diz Bentes. A tensão na área política é outra ameaça.
“Essas incertezas podem funcionar como um obstáculo a mais para a economia”, ressalta o economista.
“O setor de serviços, por exemplo, vem em um momento bom, mas o cenário pode não ser tão positivo no início do ano que vem. Além da inflação, vai ter uma base de comparação mais alta.”