ESG não é estratégia de marketing, diz vice da Raízen

Segundo o vice, existe mercado para que a sustentabilidade seja um modelo de negócio

Quem acha que o ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança) é uma estratégia marqueteira está enganado. A agenda faz todo sentido sob o ponto de vista econômico e existe mercado para que a sustentabilidade seja um modelo de negócio.

A avaliação é de Cláudio Oliveira, vice-presidente de relações institucionais e sustentabilidade da Raízen, joint venture entre Shell e Cosan.

Responsável pelo maior IPO do ano, a Raízen é a principal produtora de etanol do Brasil e se apresentou ao mercado com uma tese baseada no ESG.

Dos R$ 6,9 bilhões movimentados em sua oferta inicial de ações, 80% serão dedicados à expansão dos produtos renováveis, em especial o E2G, etanol de segunda geração feito a partir do bagaço e da palha da cana-de-açúcar.

“A grande vantagem [do E2G] é que você consegue produzir 50% a mais de etanol no total com a mesma área plantada”, diz Oliveira em entrevista à Folha de S.Paulo.

Apesar de apostar na transição para uma matriz energética mais limpa, a Raízen está vinculada aos derivados de petróleo. A empresa é uma das maiores distribuidoras de combustíveis do país e controla mais de 7.000 postos de abastecimento da marca Shell no Brasil e na Argentina.

Segundo o vice-presidente, sair definitivamente do mercado de fósseis é uma possibilidade, mas ainda não está no radar para os próximos anos.

“No longo prazo, essa jornada de transição levará para uma matriz mais limpa, que vai pressupor a utilização de combustíveis renováveis. Eu diria que, no longo prazo, é provável que essa jornada vá caminhar para isso sim”, diz.

 PERGUNTA – A Raízen vê com entusiasmo ou com ceticismo essa febre do ESG?

CLÁUDIO OLIVEIRA – A gente vê com muito otimismo. O mercado e a sociedade são sábios o suficiente para separar o que são propostas sérias de outras propostas. As nossas propostas são muito sérias, porque são embasadas em tecnologia e têm demonstrações claras do que já acontece.

Um exemplo é o biogás. A história do biogás é emblemática. Para produzir um litro de etanol, a gente produz, como subproduto, dez litros de vinhaça. A vinhaça tem uma parte orgânica e outra inorgânica, e sempre foi devolvida, simplesmente, como um fertilizante para cultivo da cana-de-açúcar.

A nossa sacada foi pegar esse produto e botar em biodigestores. A parte orgânica vai se transformar em biogás e a parte inorgânica a gente continua retornando para o canavial sob forma de fertilizante. Ou seja, é uma economia completamente circular.

 

P. – Qual o principal desafio que o agro brasileiro enfrenta em relação ao ESG?

CO – Vou falar dos desafios da Raízen. A Raízen tem 1,3 milhão de hectares de cana plantada, dos quais metade vem de fornecedores parceiros e a outra metade de plantações próprias.

A gente tem o compromisso de rastrear essa cana, de ter um padrão de certificação internacional, de colher e transportar da forma mais segura e mais eficiente, ter processos industriais adequados, utilizar o máximo de circularidade nesses processos e, finalmente, posicionar os produtos. O grande desafio é olhar para esse processo extremamente complexo e ordená-lo.

Construímos um plano ESG com cerca de 1.200 ações, um controle bastante acurado da implementação desses pontos, e sintetizamos em oito compromissos públicos.

Primeiro a gente viu que era preciso ter compromissos relacionados às mudanças climáticas. Assumimos um compromisso público de, até 2030, fazer reduções importantes na pegada de carbono da fabricação do etanol e do açúcar.

Outro aspecto desafiador é a gestão hídrica, e nós fixamos uma meta para ter uma redução de 10% na captação total de água até 2030.

A gente também tinha que garantir que a nossa cana-de-açúcar fosse toda rastreada e, mais do que isso, fosse certificada por um padrão internacional. Escolhemos o padrão Bonsucro para certificar tanto nossos processos industriais quanto a nossa cana-de-açúcar. Hoje em dia, das 35 usinas que temos, 22 são certificadas.

A gente tinha também o compromisso de ser reconhecido internacionalmente por essas fontes de energia. Eu queria interessar os meus parceiros para que eles tivessem programas específicos de certificação, e a gente criou o Elo, que é um programa de melhoria contínua.

P. – A Raízen faz rastreamento de questões sociais como trabalho escravo, trabalho infantil e invasão de terras protegidas?

CO – Sem dúvida. Isso está no processo de certificação Bonsucro e Elo. A gente garante, através desses mecanismos, que não vai haver nenhuma violação aos direitos humanos. A Raízen tem zero violações e pretende continuar a ter zero, mas precisamos ter bastante atenção rastreando todo o nosso insumo, toda a cana-de-açúcar, todos os prestadores de serviço, todos os terceiros…

Hoje em dia esse monitoramento não é de 100%

Ele é praticamente 100%. Toda a cana própria está rastreada e quase a totalidade da cana de terceiros também. O Elo é um programa de melhoria contínua, então ele começa com o nível 1 e vai até o nível 4, que equivale a um processo de certificação internacional. Temos uma parcela inferior a 5% de toda a cana fornecida que está em processo de implementação do rastreamento.

 

P. – Tirando a pecuária, uma das principais fontes de emissão de gases de efeito estufa no agro é o uso de fertilizantes sintéticos, que está associado a culturas como a da cana-de-açúcar. A Raízen tem iniciativas para reduzir esse impacto?

CO – Tem. Quando a gente fala em reduzir a pegada de carbono ao longo da cadeia de produção do etanol e do açúcar, isso passa exatamente por aí. São duas coisas fundamentais: o uso de fertilizantes sintéticos e o uso do diesel na lavoura. A gente tem planos específicos para os dois.

No caso do diesel, uma das rotas que estamos explorando é usar o biometano produzido na própria unidade. No caso dos fertilizantes é a reutilização, por exemplo, da vinhaça, que me permite diminuir o uso de fertilizantes sintéticos.

 

P. – Uma das apostas da Raízen é em relação ao etanol de segunda geração. Quão avançada está a companhia em relação à produção desse biocombustível?

CO – Há sete anos a gente começou a desenvolver o projeto do etanol celulósico, de segunda geração, que é um etanol produzido a partir de subprodutos da cana-de-açúcar (a palha, o bagaço ou ambos). A grande vantagem é que você consegue produzir 50% a mais de etanol com a mesma área plantada.

Hoje em dia, a gente tem a única unidade que produz, em escala industrial, o etanol celulósico. É uma tecnologia que a Raízen domina totalmente e que está apta a replicar através de outras unidades anexas aos parques de bioenergia já existentes.

 

P. – Quanto a produção desse etanol de segunda geração representa no negócio da Raízen hoje?

CO – Hoje representa um volume pequeno. A gente vai produzir nesta safra cerca de 25 mil metros cúbicos de etanol celulósico, mas ele tem uma possibilidade de escalagem da produção muito grande.

 

P. – Os biocombustíveis competem com a eletrificação do setor de transportes?

CO – Essa é uma pergunta interessante. Vamos pensar o contrário. Hoje em dia, a gente tem no Brasil uma solução que descarboniza os transportes, que descarboniza a economia como um todo, que são os biocombustíveis. Temos um parque sólido de produção, um programa, que é o RenovaBio, que garante a produção sustentável.

Pelo lado da distribuição, temos uma solução pronta também, porque existem cerca de 42 mil pontos de abastecimento já oferecendo esse biocombustível. Então, a estrutura e a solução da descarbonização através de biocombustíveis, no Brasil, estão prontas.

Obviamente, a eletrificação vai se inserir em algum momento, mas a gente não sabe qual rota vai ser usada e quando ela se insere, dado que temos uma solução excepcional hoje já rodando no nosso país.

 

P. – A Raízen diz que pretende liderar a transição energética rumo a uma matriz cada vez mais limpa. Mas a empresa também está ligada aos derivados de petróleo, seja na distribuição de combustíveis ou nos postos de abastecimento. Isso não seria uma incoerência?

CO – Eu diria que não. Hoje a gente tem um portfólio completo para abastecer o mercado brasileiro, mas nenhuma outra empresa, seja distribuidora ou produtora de biocombustíveis, tem uma solução tão completa e integrada quanto a Raízen. Não existe outra empresa que tenha as possibilidades, hoje, de liderar essa transição com mais competência.

É fato que, nos 7.000 postos entre Brasil e Argentina, a gente tem um portfólio que inclui derivados de petróleo, mas somos o maior produtor de biocombustíveis e o segundo maior distribuidor. É uma transição que a gente vive.

 

P. – Está no radar da empresa sair definitivamente do mercado de fósseis?

CO – É uma jornada. No longo prazo, essa jornada de transição levará para uma matriz mais limpa, que vai pressupor a utilização de combustíveis renováveis. Eu diria que, no longo prazo, é provável que essa jornada vá caminhar para isso sim.

 

P. – O agro é um dos setores mais afetados pelos eventos extremos ligados à crise do clima. O quão exposta está a Raízen aos riscos climáticos?

CO – Isso é algo que a gente trata desde o começo da Raízen, tanto é que risco climático sempre esteve na nossa matriz de risco. Obviamente a gente vem fazendo trabalhos de mitigação, à medida que os nossos planos apontam para os crescimentos desses riscos.

Existem algumas regiões em que a gente começou a fazer um processo de irrigação, já antevendo algumas dificuldades, sobretudo no oeste do estado de São Paulo.

Agora, a exposição a qual a Raízen está sujeita é a exposição a que todo o agro está sujeito. O truque é nos anteciparmos para mitigar essas mudanças climáticas e estarmos preparados para enfrentá-las

 

P. – Existe mercado para que o ESG seja um modelo de negócio, e não só uma estratégia marqueteira?

CO – Sem dúvida. A melhor resposta é a própria Raízen. Desde o nosso nascimento, a gente aposta muito nisso, tanto é que fizemos um processo agressivo de crescimento na produção de combustíveis renováveis, porque a gente acredita que faz todo o sentido sob o ponto de vista econômico. Então não é só uma estratégia marqueteira, é uma estratégia de negócio de fato.

Isso inclui uma governança sólida, que só traz benefícios; uma responsabilidade social, que traz benefícios para a empresa e para o entorno; e uma responsabilidade ambiental que mitiga as mudanças climáticas, nos prepara para um processo sustentável e nos impulsiona a procurar inovações para abrir novos mercados, como foi o caso do biogás e do etanol de segunda geração. Sob a ótica da Raízen, [ESG] é de fato uma estratégia de negócio.