BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – Somente em 2021, o Brasil registrou a pior seca dos últimos 91 anos, sofreu com geadas repentinas e viu nevar no Sul do país. Os fenômenos, que provocaram a destruição de pastagens, a queima de lavouras e a perda de safras, estão diretamente ligados a um mesmo problema: a crise do clima.
O agronegócio brasileiro é um dos grandes prejudicados pelas mudanças climáticas, mas também é um dos setores que mais contribuem com a emissão de gases de efeito estufa.
Diferentemente de China, Estados Unidos e Europa, o principal impacto do Brasil no clima não vem da geração de energia ou do setor industrial, mas das emissões relacionadas ao uso da terra, o que coloca o agro no centro da discussão ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa).
Segundo o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), braço do Observatório do Clima, a agropecuária é a segunda atividade que mais emite gases de efeito estufa do Brasil, respondendo por 28% do total.
Contudo, essa proporção pode ser ainda maior, já que a maior causa de emissões no país é a mudança no uso da terra, que também está ligada ao agro. Juntas, as duas atividades são responsáveis por 72% das emissões brasileiras.
“De 1970 até 2019, houve um aumento de 190% das emissões do agronegócio. A tendência é de crescimento, o que é negativo não só para o Brasil, mas para o clima do planeta como um todo”, afirma Renata Potenza, coordenadora de clima e cadeias agropecuárias do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola).
Segundo ela, quando se observa o uso da terra, o principal fator de emissão é o desmatamento, que na Amazônia é puxado pela expansão pecuária.
Com o problema no radar de consumidores, investidores e compradores internacionais, frigoríficos brasileiros têm se movimentado para mostrar que estão realmente alinhados à agenda ambiental e aos princípios ESG.
No ano passado, a Marfrig anunciou a meta de ter, até 2030, uma cadeia produtiva livre de desmatamento. Segundo a empresa, todos os fornecedores diretos já são comprometidos com o desmate zero, seja legal ou ilegal.
Outro frigorífico que pretende eliminar o problema de sua cadeia até 2030 é a Minerva Foods, maior exportadora de carne bovina da América do Sul.
A companhia tem 100% de seus fornecedores diretos mapeados no Brasil e, desde agosto de 2021, também monitora os indiretos que estão no bioma amazônico.
De acordo com Taciano Custódio, diretor de sustentabilidade da Minerva Foods, os resultados preliminares do rastreamento indicaram que 99,8% das fazendas indiretas que negociaram com as unidades do frigorífico no Mato Grosso e em Rondônia estavam regulares. Os resultados não diferem muito do que foi encontrado na auditoria do TAC da Carne. O Termo de Ajuste de Conduta firmado entre frigoríficos e o Ministério Público Federal do Pará exige que as companhias comprem animais apenas de fornecedores livres de infrações ambientais e trabalho escravo.
A auditoria mostrou que, em 2018, a Minerva adquiriu 776 animais de fornecedores irregulares, o que representa 0,3% dos 297 mil bovinos comprados pelo frigorífico no Pará.
Segundo Custódio, esses 776 animais passaram pelo monitoramento que a Minerva faz de seus fornecedores, mas os dados do TAC mostram que a grande maioria (99,7%) está em conformidade. “É um problema sistêmico e a gente está nessa evolução constante.”
Para Lisandro Inakake, responsável pelo Boi na Linha, programa do Imaflora para impulsionar compromissos da cadeia pecuária na Amazônia, as ferramentas de rastreamento que os frigoríficos vêm adotando hoje são boas, mas é preciso entender como ocorre o processo de compra.
“A ferramenta vai indicar um cenário, mas tem a tomada de decisão: compro ou não compro, assumo ou não assumo o risco?”
Segundo ele, a maior parte das companhias só consegue visualizar os problemas de seus fornecedores diretos. “Existe um movimento para monitorar o indireto e começar a tomar decisões em relação à compra do gado que foi criado ou recriado em área desmatada”, diz.
Apesar do desafio, Taciano Custódio diz que a Minerva é menos vulnerável a problemas ambientais, visto que o foco do produtor que vende para o frigorífico é acessar mercados internacionais –mais rigorosos em relação à qualidade dos produtos.
“A Minerva é quase como um Alphaville do boi. Como eu tenho que entregar um animal jovem, pesado e com boa qualidade para o meu cliente na China, na União Europeia e nos Estados Unidos, o meu produtor não é esse [que desmata]”, afirma.
Segundo ele, boa parte do desmatamento vinculado à pecuária vem de pequenas propriedades, que não conseguem entregar um animal com o nível de exigência dos importadores.
“Um produtor de baixo calibre, que não tem investimento em genética, em rotação de pastagem, em manejo animal, dificilmente vai chegar em um macho de 550 kg com 24 meses de idade. Isso é tecnologia”, diz.
Arroto do boi Mas a pegada ambiental da pecuária não está só no desmatamento. Considerando as emissões diretas do setor, a atividade que mais polui (61%) é a chamada fermentação entérica -o popular “arroto do boi”. Esse ponto costuma ser mais desafiador para as empresas do setor.
Segundo Custódio, a Minerva Foods tem um programa de baixa emissão que incentiva boas práticas em seus fornecedores, como o controle de degradação do solo, a intensificação da produção e o uso adequado de fertilizantes. No entanto, ainda não há iniciativas para a fermentação entérica.
Algumas empresas têm investido na compensação de carbono. Em julho de 2021, a Guaraci Agropastoril lançou a primeira marca de leite carbono neutro do país, a NoCarbon.
A companhia faz um inventário de todas as emissões ligadas à produção do leite -do metabolismo das vacas até os processos de logística e fabricação das embalagens- e compensa o carbono por meio do plantio de árvores nativas. O processo é certificado pela ONG Iniciativa Verde.
“Por definição, na produção de leite e na pecuária de uma forma geral, há uma emissão relevante de gases de efeito estufa, especialmente de metano do processo digestivo do animal”, afirma Luis Fernando Laranja da Fonseca, fundador da Guaraci Agropastoril.
Segundo ele, a estratégia foi adotar todas as práticas possíveis para reduzir as emissões do processo produtivo e compensar o restante.
Para Fonseca, é fundamental que o agronegócio brasileiro abrace os princípios ESG para que a agenda possa avançar no país.
“Adotar uma estratégia mais amigável com o clima é uma questão de sobrevivência produtiva. Nós estamos num processo de deterioração dos ecossistemas que é um tiro no pé do próprio agronegócio. Ninguém depende mais do bom funcionamento dos ecossistemas que o agro”, diz.
Agricultura também tem pegada ambiental Afora as atividades de pecuária, culturas agrícolas como soja, milho e cana de açúcar também respondem por parte relevante das emissões no agro brasileiro, especialmente em relação ao uso de insumos, como fertilizantes sintéticos, calcário e aplicação de ureia.
O uso de fertilizantes entra na categoria de solos manejados, que é a segunda atividade que mais polui no setor, respondendo por 32% do total.
A Bunge, gigante do comércio internacional de soja e outras commodities agrícolas, tem meta de atingir cadeias livres de desmatamento até 2025, mas tropeça em relação às de emissão de carbono.
A companhia não atendeu totalmente a nenhum dos critérios de descarbonização avaliados pela Climate Action 100+, uma iniciativa de investidores para pressionar empresas a reduzirem suas emissões.
Segundo o relatório, a Bunge não tem compromissos para neutralizar suas emissões até 2050, tampouco metas de curto prazo (até 2025) ou longo prazo (de 2036 a 2050). O único compromisso apresentado é de cortar 10% das emissões relacionadas à produção industrial até 2026.
No entanto, de acordo com o Climate Action, a empresa também não tem uma estratégia de descarbonização que detalhe as métricas e as ações para atingir esse objetivo.
Procurada para comentar sobre suas iniciativas ambientais, a Bunge argumentou, via assessoria, problemas na agenda dos porta-vozes.
Sobre a avaliação da Climate Action 100+, a companhia afirmou, por email, que estabeleceu metas para reduzir a pegada de emissões de gases de efeito estufa desde 2008.
“Desenvolvemos um processo robusto para integrar riscos e oportunidades relacionados ao clima em nossa estratégia e operações, identificamos com sucesso novas fontes de energia limpa para nossas fábricas e estamos crescendo em novos mercados importantes para produtos de menor intensidade de carbono”, disse, por email.
Em relação às estratégias para cortar 10% das emissões até 2026, a Bunge afirmou que isso está sendo feito por meio da implantação do Sistema de Produção Bunge (BPS, na sigla em inglês), que contempla o “uso de tecnologia nas unidades e processos de melhoria contínua”.
De acordo com Renata Potenza, do Imaflora, reduzir as emissões do agronegócio não implica prejuízos para a produtividade, qualidade e preço dos produtos.
Como mostrou o último relatório do Seeg, entre 2005 e 2019, a produção de grãos no Brasil aumentou mais de 117% enquanto as emissões da produção vegetal aumentaram 52%, o que demonstra o potencial do agro se desenvolver com menor intensidade de emissões.
Segundo ela, já existem boas iniciativas sendo adotadas, o problema é que a velocidade não tem sido suficiente para reverter o cenário de emissões.
“O desafio é fazer com que o setor privado, como os produtores, as grandes empresas e os frigoríficos, implemente essas práticas em larga escala”, afirma.