O Brasil já é o segundo mercado do mundo para a Gettr, rede social criada há apenas dois meses por Jason Miller, que foi assessor-chefe de comunicação do ex-presidente Donald Trump.
E os planos são de expandir essa presença rapidamente nos próximos meses, inclusive com a abertura de um escritório da empresa por aqui.
Os projetos foram revelados pelo próprio Miller em conversa com o blog na semana passada em Brasília, onde ele participou da Cpac, conferência conservadora que teve o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) como seu principal organizador.
A passagem de Miller pelo Brasil foi rápida e tumultuada, desde o início. Por causa de um furacão na costa leste americana e de problemas técnicos com seu avião, ele só chegou ao evento na parte final, no sábado à tarde (4). Deu tempo, contudo, de falar à plateia e ainda promover uma festa de encerramento da conferência, da qual sua empresa foi uma das patrocinadoras.
Nos dois dias seguintes, Miller teve uma movimentada agenda de encontros com pessoas ligadas ao governo, incluindo com o presidente Jair Bolsonaro.
Mas o momento mais conturbado foi a saída, no dia 7 de setembro, quando ele se preparava para voar de volta aos EUA. Acabou questionado durante três horas pela Polícia Federal no aeroporto de Brasília no inquérito que investiga fake news. Não falou nada e acabou liberado.
Nada disso, no entanto, parece ter diminuído o apetite da Gettr pelo Brasil. Segundo Miller, a rede conta com cerca de 2 milhões de usuários no mundo, sendo metade nos EUA.
A outra metade é pulverizada entre diversos países, com o Brasil numa confortável segunda posição. Isso se explica, segundo ele, por duas razões.
“Primeiro, o ambiente politicamente carregado do Brasil ajudou, porque as pessoas querem falar de política e atualidades. E também porque no Brasil as pessoas adoram mídias sociais. Pesquisas mostram que passam de três a sete horas por dia em média nelas”, diz Miller.
O grande diferencial que a Gettr apresenta para tentar conquistar novos usuários é o fato de ser uma rede “sem censura”. Ou seja, que não cancela contas ou derruba postagens como fazem outras, como Twitter e Facebook.
Por essa ser uma bandeira hoje da direita, e pelo fato de Miller ter trabalhado com Trump, a plataforma vem sendo chamada de “rede social conservadora”. É um rótulo que seu criador não rejeita, mas que procura expandir.
“Há dois princípios que podem atrair uma pessoa ao Gettr: se ela apoia a liberdade de expressão e se ela se opõe à cultura do cancelamento. Quero pessoas que são de centro-esquerda, de centro-direita, ou mesmo pessoas que não se importam com política”, afirma.
No momento, diz ele, quem está mais interessado nesses princípios são os direitistas. Mas ele acredita que isso pode mudar.
“O que vimos durante a história é que o pêndulo da liberdade de expressão oscila entre a direita e a esquerda. Neste momento, muito da paixão pela liberdade de expressão está à direita. Daqui a dois anos, poderá estar na esquerda”, afirma.
No Brasil, diversos influenciadores digitais e políticos bolsonaristas estão abrindo contas na Gettr, incluindo Flávio e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente. O próprio Jair Bolsonaro tem uma conta, embora não seja muito ativo por lá.
O crescimento, diz ele, tem sido rápido, e a meta é chegar até o final do ano a 10 milhões de usuários no mundo todo. Isso ainda é uma gota na comparação com os cerca de 200 milhões do Twitter, mas Miller aposta num crescimento rápido.
“O que eu não tinha percebido é o nível de frustração que tantas pessoas tinham com as grandes companhias de tecnologia, seja vendendo seus dados, ou atuando como juízes”, afirma.
Um compromisso da Gettr, diz o americano, é jamais censurar alguém por motivo político. Isso não significa, afirma, que a liberdade de expressão seja um direito absoluto na rede social.
“Os direitos de liberdade de expressão se estendem até começarem a interferir na liberdade de expressão de outros, ou implicarem em riscos de segurança. Não autorizamos pessoas que ameaçam atividades ilegais, usam ofensas raciais ou religiosas, ou postam imagens extremas de pornografia e pedofilia. Para controlar isso, temos inteligência artificial e moderadores humanos”, diz.
E quanto à zona cinzenta em temas como a Covid-19, por exemplo? Diversas contas do Twitter sofreram restrições, por exemplo, de pessoas que defendiam “tratamento precoce”, sem eficácia comprovada contra a doença.
Cauteloso, Miller diz que cada caso é um caso, mas que pessoas com esse tipo de visão tendem a não ter problemas em sua plataforma.
“Sobre a Covid-19 há um debate importante. Muitos debatem os benefícios da hidroxicloroquina e acho que poderiam falar um pouco mais livremente nos EUA”, afirma.
Sobre vacinas, ele se antecipa e diz que não é um negacionista. “Sou uma pessoa que se vacinou e que diz para outros se vacinarem. Mas também fico nervoso quando ouço a palavra obrigatório”, diz ele, em referência à exigência de passaportes de imunização que alguns países e estados estão implantando.
Por enquanto, o Gettr é uma plataforma de nicho, mas Miller se diz otimista com seu crescimento por aqui.
Embora tenha havido crescimento no número de usuários em países com Japão, França, Alemanha e Canadá, ele não tem dúvidas: a medalha de prata, ao menos no futuro próximo, seguirá sendo do Brasil, ainda mais no ambiente ultrapolarizado que vivemos, e com uma eleição presidencial às portas.