BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O relator do projeto de lei que altera o Imposto de Renda, Celso Sabino (PSDB-PA), inseriu em seu texto a inclusão da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em um comitê que teria o poder de sustar normas da Receita Federal.
A legislação atual já prevê a existência do comitê, mas sem o poder de anular atos da Receita e com integrantes apenas do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), da Receita e da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional).
De acordo com a legislação existente hoje, o comitê tem a função de editar enunciados de súmula da administração tributária federal. Na prática, o órgão analisa decisões frequentes do Carf em um determinado sentido e cria a partir delas um entendimento a ser seguido em todas as próximas decisões administrativas sobre questões semelhantes.
“Entendemos ser oportuna a participação da sociedade na interpretação das normas fiscais, inclusive na análise de atos normativos que extrapolem o poder regulamentar concedido à administração pública, pelo que sugerimos a inclusão de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil no comitê”, afirmou Sabino em sua terceira versão do substitutivo ao projeto de reforma no Imposto de Renda.
Em trecho seguinte, o relator inseriu um parágrafo dizendo que “compete ao comitê […] sustar, total ou parcialmente, atos normativos expedidos pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil que exorbitem o poder regulamentar.”
O Sindifisco Nacional, entidade que representa auditores fiscais, afirmou que a previsão contida no substitutivo usurpa poderes do Congresso, “a quem cabe, em caráter exclusivo, sustar atos do poder Executivo”.
A principal reclamação é que a OAB é um órgão privado e formado inclusive por advogados que defendem grandes clientes com processos no Carf. Isso geraria um conflito de interesses na atuação da OAB no comitê, defendem.
“A OAB é um órgão de classe, um ente de caráter privado e corporativo, estranho à administração tributária, formado por profissionais que ganham fortunas defendendo interesses tributários de grandes contribuintes. O conflito de interesses é clarividente”, afirma o Sindifisco, em nota.
Eduardo Maneira, presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB, diz ser legítima a participação da entidade no comitê porque o próprio Carf já tem representantes dos contribuintes em sua composição -e, em sua visão, são os próprios advogados que estão presentes nas discussões diariamente.
“O Carf, que exerce o papel fundamental de controle de legalidade dos atos da administração tributária, é órgão paritário, com representantes do Fisco e dos contribuintes”, afirma. “A OAB não se esquivará de participar e contribuir para que o exercício do poder de tributar ocorra nos limites traçados pela Constituição”, disse Maneira.
“A inclusão da OAB nesse comitê é uma medida elogiável e necessária. É o caminho para o contribuinte ser representado, especialmente no processo de tomada de decisões que vão lhe afetar diretamente”, complementa a OAB, em nota.
Marcos Cintra, tributarista e ex-secretário especial da Receita na equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), afirma que o comitê deve ser parte de uma instância administrativa interna, e deveria ter entre seus membros apenas gestores públicos. “A Cesar o que é de Cesar. Sou contra o enfraquecimento das instâncias administrativas. Esta decisão as enfraquece e, ao enfraquecer, gera disputas e mais contencioso”, diz.
Para ele, o projeto virou uma “pantomima”. “Tem de tudo lá dentro, inclusive coisas como esta que não estão no escopo principal do projeto. Não tem rumo nem direção, e prejudica não apenas ao contribuinte mas também à própria administração pública”, afirma.
O governo tem pressa para votar o projeto e discutiu com o relator sucessivas modificações para diminuir resistências ao texto. A terceira versão do substitutivo do relator, com 99 páginas, foi protocolada no sistema da Câmara às 23h12 de terça-feira (10) para ser votado em plenário no dia seguinte -mas já teve deliberação adiada duas vezes.
Além de aumentar a isenção para a baixa renda e corrigir a tabela para pessoa física, o texto concede R$ 20 bilhões de respaldo para a turbinada do Bolsa Família ao atender requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal (que exige compensação orçamentária para novas despesas).
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