A recuperação do consumo de energia amplia os riscos de apagões localizados e demanda novas ações do governo para incentivar economia. A avaliação é de relatório de acompanhamento do mercado feito pela consultoria especializada PSR Energy.
Até julho, o consumo de energia cresceu 7,5% em relação a 2019. Para a PSR, se a taxa for a 9% entre setembro e dezembro, o risco de problemas no suprimento se torna “bastante elevado”, com uma necessidade de racionamento entre 2,7% e 6,8% da carga.
Embora o governo venha negando o risco de racionamento, a Creg (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética) avalia um programa para incentivar consumidores de pequeno porte conectados a distribuidoras a reduzir o consumo de forma voluntária.
A proposta, diz o MME (Ministério de Minas e Energia), segue em linha com o programa de redução voluntária no consumo de energia por empresas, lançado na segunda (4), com o objetivo de deslocar parte da demanda para fora dos chamados horários de pico, quando o consumo é mais elevado.
Na avaliação da PSR, em seu relatório mensal de acompanhamento do mercado, mesmo com as medidas já em vigor, como a flexibilização das restrições operacionais de hidrelétricas e a contratação de 3,5 GW (gigawatts) em energia emergencial, o cenário segue preocupante.
“Houve uma deterioração significativa das condições de suprimento em relação às apresentadas no mês passado”, diz o presidente da PSR, Luiz Augusto Barroso, dizendo que o risco de racionamento pode ser mitigado por aumento da oferta de energia, mas o atendimento à ponta demanda novas ações.
Por isso, a consultoria sugere que o governo ofereça bônus aos consumidores residenciais que economizarem nesses períodos de maior demanda. Além disso, pede que “a comunicação com a sociedade sobre a gravidade da crise seja realizada de forma transparente e frequente”.
A resistência em implantar programas de economia de energia tem gerado críticas entre especialistas, que veem uma postura negacionista do governo em relação a crise energética. Segundo essa visão, o foco no aumento da oferta é arriscado e pressionará ainda mais a conta de luz.
Segundo dados da CCEE (Câmara Comercializadora de Energia Elétrica), o consumo de energia nos primeiros sete meses de 2021 já supera em 1,8% o registrado no mesmo período de 2019, antes da pandemia. Na comparação com 2020, a alta é de 7,5%.
A recuperação é puxada pelo mercado livre, que compreende indústrias e grandes empresas de comércio e serviços. A alta no consumo de energia ocorre a despeito de uma acomodação na atividade econômica. A produção industrial, por exemplo, vem alternando meses de crescimento com queda.
Em junho, segundo o IBGE, o indicador permaneceu no mesmo patamar alcançado em maio, equivalente ao de fevereiro de 2020, último mês antes da pandemia.
Segundo a CCEE, a alta é puxada por segmentos ligados a exportações, como metalurgia, atividade com maior consumo de energia no país, cuja demanda no primeiro semestre foi 15% maior do que no mesmo período de 2019.
Também grandes consumidores, os segmentos de minerais não metálicos e produtos alimentícios registram alta de 19% e 21% em relação ao primeiro semestre de 2019. “São setores que se beneficiam do câmbio”, diz o gerente-executivo de Segurança do Mercado e Informações da CCEE, Carlos Dornellas.
Em sua avaliação, mesmo a indústria voltada ao mercado interno tem tido bom desempenho, pois já se adaptou às operações em meio à pandemia. Alguns segmentos pesquisados pela EPE, porém, como transporte e veículos, ainda patinam em relação a 2019.
O impacto da recuperação no consumo de energia já levou CCEE e ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) a rever para cima suas projeções em 2021. Em novembro de 2020, o operador projetava uma carga média de 69.072 MW (megawatts) médios durante o ano seguinte.
Na primeira revisão da estimativa, em meio ao aumento dos casos de Covid em março, a projeção foi reduzida para 68.939 MW média. Mas, na segunda revisão, no fim de julho, ela subiu para 69.940 MW médios, 1,2% acima do projetado no fim de 2020.
“O resultado acima do esperado para o PIB do 1º trimestre, bem como o avanço na vacinação, levaram a uma revisão da projeção de PIB de 2021 de 3% para 5%”, escreveu o ONS, ressaltando que o mercado de trabalho enfraquecido e a inflação alta podem segurar a recuperação.
A CCEE acredita que o cenário ainda não indica risco de racionamento, considerando que a base de comparação mais elevada, diante da retomada econômica do fim de 2020, vai reduzir a taxa de crescimento do consumo no segundo semestre para algo em torno de 2,5%.
Na reunião desta quarta, a Creg anunciou mais medidas para enfrentar a crise, como novos estudos para a flexibilização de vazões em reservatórios, autorizações para a contratação de térmicas e busca de ampliação da capacidade de importação de gás natural.
As novas ações foram recomendadas pelo CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico), diante de percepção de que as condições hidrológicas ruins sobre as principais bacias se repetiram em julho, quando o volume de chuvas sobre o país foi equivalente a 54% da média de longo prazo.