Sinto que muitas vezes esquecemos que a rolha é um organismo vivo. Sua matéria-prima é extraída do tronco da espécie Quercus Suber, nativa das regiões da Espanha e de Portugal, mas também encontrada na Sardenha, Argélia, Tunísia e Marrocos. A grande maioria das rolhas de melhor qualidade, porém, é de árvores portuguesas.
O processo é o seguinte: a árvore é “colhida” pela primeira vez entre quinze e vinte anos de idade. Após a primeira extração, as retiradas subsequentes ocorrem a cada dez anos. O trabalho de extração requer muita técnica, motivo pelo qual os trabalhadores deste ramo estão entre os trabalhadores agrícolas mais bem pagos da Europa.
Após a extração, os pedaços de tronco são normalmente posicionados em pedaços de concreto e deixados para secar. O próximo passo é cozinhar ou vaporizar os troncos para aumentar a elasticidade, seguido de várias semanas em ambiente escuro para secarem sem ressecarem.
A estrutura da rolha é algo bastante fascinante. Poucos sabem que uma rolha contém por volta de 40 milhões de células alinhadas em fileiras com uma gravidade específica de 0,25, quatro vezes mais leve que a água.
Se não fosse suficiente, o material suporta 388 quilos por cm², é praticamente impenetrável por água, difícil de queimar e resistente a mudanças de temperatura. Não é à toa que os produtores dos vinhos mais caros do mundo escolheram (e escolhem) este material para proteger seus mostos de uva fermentados.
Todas estas qualidades, porém, custam. Por se tratar de um organismo vivo, doenças, contaminações e defeitos são sempre possibilidades. Todo bebedor experiente já experimentou uma garrafa “rolhada” com aroma de papelão molhado (conhecido como 2,4,6-tricloroanisole, ou vulgarmente conhecido como TCA). Não é uma experiência agradável.
Para piorar a situação, por volta de 1995, a maioria das rolhas era lavada em cloro. Os produtores acreditavam que esta medida sanitária reduziria o risco de contaminação, além de esbranquiçar a rolha. Pouquíssimo tempo depois, foi descoberto que esta prática era uma tragédia.
Ocorre que o cloro reage com umidade e fungos dentro da rolha, o que facilita em muito a proliferação de TCA. Ora, a prática foi abandonada, mas os produtores perceberam outra complicação.
A água usada para limpar os tanques de fermentação e outros utensílios da vinícola é quase sempre da torneira, que, quase sempre, possui cloro manualmente adicionado pelo município para servir como um desinfetante.
Imagine perder um ano inteiro de trabalho por conta de contaminação generalizada de uma safra em virtude de um erro químico? Pois bem, aconteceu. Este é apenas um exemplo de quão cruel a natureza pode ser.
Em vista dos problemas acima, não é surpreendente que algumas regiões do mundo começaram a explorar alternativas mais seguras para preservar o vinho. Países como a Alemanha e a Nova Zelândia são apenas dois exemplos de lugares que estão investindo quantias significativas em pesquisa e desenvolvimento de tampas de rosca.
Outros países, como a Áustria, por exemplo, estão aos poucos implementando rolhas de vidro para tampar as garrafas; até agora, o resultado tem sido promissor. Sem contar o aumento exponencial de rolhas sintéticas que possuem visual semelhante ao da rolha de cortiça, porém sem nenhuma das qualidades citadas acima.
O mercado, porém, ainda não se adaptou completamente à ideia. Ou seja, muitos consumidores acreditam que vinhos vedados sem rolha de cortiça são necessariamente de pior qualidade. A realidade, entretanto, não é esta.
Posto de maneira simples, o vinho não é de pior qualidade por estar vedado com uma alternativa; ele normalmente é de pior qualidade e por isso o produtor decide vedar com uma alternativa.
Como assim? Isso mesmo. Ao vedar os vinhos “de entrada” com rosca e os mais prestigiados com rolha, o produtor não só se protege de todos os riscos citados nos parágrafos acima, como também valoriza os seus produtos mais premium como “dignos” de serem vedados. A dura realidade é que quase todo movimento é um reflexo de demandas mercadológicas.
Em contrapartida, produtores de rolhas estão investindo milhares de dólares em procedimentos para aumentar a segurança dos produtos. Com a tecnologia atual, estima-se que apenas 1% das garrafas de vinho são defeituosas por motivo de contaminação de rolha. Além disso, em 2021, a companhia portuguesa Amorim anunciou uma tecnologia que remove TCA completamente através de um aquecimento que transforma a substância em vapor.
Apesar da incerteza dos próximos anos, hoje vemos que as casas mais tradicionais seguem comprometidas na prática de vedar seus vinhos e as novas regiões me parecem mais interessadas em empregar tecnologia moderna justamente como um diferencial para os seus vinhos. Quem vai ganhar essa disputa? Só o tempo dirá.