Liderança feminina

Mulheres no setor financeiro: categoria cresce, mas a passos lentos

“A cultura no mercado financeiro, desde a formação de grupos até o ambiente de trabalho, ainda favorecem a participação masculina”, disse economista-chefe procurada pelo BP Money.

Foto: Pexels / Mulheres
Foto: Pexels / Mulheres

“Em 2020, os carros irão voar”, era a visão futurística das décadas anteriores. Esperava-se evolução, o que de fato ocorreu, mas não em absoluto. Agora, o calendário já corre em 2024, mas, aparentemente, o progresso segue em passos lentos, ao menos para a entrada de mulheres no setor financeiro, sobretudo em cargos de liderança.

Por isso, mulheres que ocupam esses lugares em empresas de finanças conversaram com o BP Money, contando suas experiências e visões sobre o tema. Além de considerar avaliações sobre o desenvolvimento da economia.

Em uma pesquisa divulgada pelo FGVcef (Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas), em 2023, revelou-se dados mostrando que as mulheres são sub-representadas no setor financeiro do Brasil.

Entre os índices de participação, de 214 pessoas que atuam no segmento, 39,25% foram mulheres e outros 60,75% foram homens. 

O levantamento cita também dados do “Think Tank Official Monetary and Financial Institutions Forum”, no qual consta que somente 35% dos conselhos dos 50 maiores bancos são de ocupação feminina. Quanto aos cargos de liderança e CEO, esses dados decrescem ainda mais, para 19% e 16%, em sequência.

Daniela Gamboa, Head de Crédito Privado e imobiliário da SulAmérica Investimentos, tem 24 anos de experiência no mercado financeiro. Para ela, as dificuldades que as mulheres enfrentam em um setor majoritariamente masculino, como é o financeiro, se apresentam no cotidiano.

Nos seus anos de carreira, quatro deles na SulAmérica, ela passou por algumas instituições bancárias, entre elas, um banco internacional, seguida de um grande banco brasileiro.

“É uma dificuldade muito maior fazer networking. Pode parecer até desnecessário, ou não importante, mas as mulheres não são chamadas para o futebol semanal depois do trabalho, não são chamadas para o happy hour muitas vezes, então elas perdem a oportunidade de ter contato, seja com pares, seja com chefes. Inclusive, em outros ambientes, [perdem a] oportunidade de ter algum posicionamento”, observou Gamboa.

Já a economista-chefe e sócia da Quantzed, Femisapien, vê a cultura do mercado financeiro como um empecilho para o reconhecimento das mulheres. Segundo ela, o público feminino aplica menos nessa área e,quando o faz, se direcionam a setores “menos técnicos”, como marketing e vendas.

“A cultura no mercado financeiro, desde a formação de grupos até o ambiente de trabalho, ainda favorecem a participação masculina”, acrescentou. A economista chegou à sociedade da plataforma por ganhar destaque na rede social X (antigo Twitter), onde fala sobre quantitative finance.

Dilemas vividos pelas mulheres no setor

Ao detalhar processos da carreira, Gamboa cita, entre seus dilemas, as vezes em que desistiu de convidar um chefe para almoçar pelos julgamentos que receberia.

“Uma mulher chamando um cara para um almoço poderia ter alguma conotação mais pessoal do que profissional. Então as mulheres também colocam algumas barreiras nesse sentido, o que pode sim prejudicá-las [pela falta de oportunidade de networking]”, afirmou. 

Enquanto economista-chefe, Femisapien disse não ter tido muitas dificuldades na realização da função. Isto porque, de acordo com ela, sempre realizou um trabalho especializado, com pouca concorrência de outros profissionais. 

“Acho que a especialização me livrou da competição com homens em áreas mais tradicionais, onde ainda ocorre certa preferência pelos homens, talvez nem tanto por discriminação, mas pela formação de “clubes do bolinha”, analisou.

Gamboa vai na mesma linha quanto ao reconhecimento, mas explica que precisou se dedicar e entregar mais resultados que os homens, no ambiente de trabalho.

“Tenho certeza que desde que eu comecei, se um analista que estava do meu lado entregasse 10 análises por mês, eu entregava mais do que 10. Entregava um trabalho muito bem feito para conseguir ser vista e ser reconhecida por isso”, expôs

Raquel Ferro, gerente de produtos do Paraná Banco, viu sua trajetória correr do mesmo jeito, tendo que reforçar seus resultados. “Quando você conquista uma base sólida o passo seguinte da carreira vem de forma natural e melhor consolidada”. 

Ferro ingressou na instituição como estagiária, em 2006. Ela percorreu variados cargos até ser contratada como gerente geral da área de Produto Consignado. Ela afirmou que mesmo com o trabalho do banco focado em questões de gênero, nem sempre foi assim.

“É algo estrutural, portanto difícil, inclusive, de muitas vezes nós, mulheres, percebermos”, disse.

Participação feminina no mercado

Para Ferro, a vida profissional começou na adolescência, para auxiliar sua família em uma pequena fábrica de carvão. 

“Sempre trabalhei em um universo predominantemente masculino, na adolescência com produção e venda de carvão e depois no mercado financeiro. Os desafios que uma mulher enfrenta são diferentes, isso me fez perceber a importância de termos mais lideranças que inspirem e sejam referência para outras mulheres”, narrou.

Enquanto isso, Gamboa reitera que a representatividade feminina em cargos de liderança no mercado financeiro ainda é escassa. Ela se vê preocupada com a pesquisa do FGV, citada anteriormente, que demonstra, entre os resultados, o menor interesse em seguir uma carreira em finanças. Na SulAmérica, segundo ela, há cinco reportes diretos ao presidente, sendo duas mulheres. 

Ela diz que, quando entrou no mercado, a participação feminina nem era um tópico para discussão, em qualquer nível hierárquico. Gamboa puxa os resultados da FGV como um exemplo para onde as atenções do setor devem se voltar. 

“É urgente termos mais exemplos para essas mulheres que estão saindo da faculdade hoje, para que elas olhem de novo e enxerguem que podem estar em qualquer uma das cadeiras que quiserem estar”, completou.

Em outra linha, Femisapien observa que, nos últimos 10 anos, o número de mulheres em cargos de chefia teve aumentos, “muito por causa da agenda ESG, mas também pelo maior interesse de mulheres pelo mercado financeiro”. “Mais portas tem se aberto para mulheres em cargos técnicos”, disse. 

Expectativas econômicas

Questionada sobre o quadro atual do crédito privado e imobiliário, suas áreas de atuação, no Brasil, Gamboa afirmou que o ano já começou bem para os fundos de ambos os segmentos. Para ela, o ambiente macro é bastante positivo por conta do início do ciclo de queda na Selic (taxa básica de juros). 

“Naturalmente com essa queda da taxa de juros, temos a migração dos recursos dos investidores buscando algo um pouco mais arriscado, para ter um retorno interessante. Então enxergamos um fluxo de captação bastante positivo nos fundos de crédito. Também é um momento bom para o investidor fazer essa alocação no mercado imobiliário”, finalizou.

Já Femisapien, destaca os índices de inflação vindo abaixo das expectativas no Brasil e na Europa, alinhados com os EUA. “Acredito que o ciclo de cortes aqui deve continuar, porém com cortes menores, de 25 bps, no segundo semestre, e o FED aponta para cortes de juros no segundo semestre, ainda que timidamente”, concluiu.

Para Ferro, as turbulências e mudanças pelas quais o mercado financeiro passou nos últimos anos, com a pandemia de Covid-19, entrada de bancos digitais e fintechs, mexeu com a experiência dos clientes. Inclusive, ocasionando a ultrapassagem, em número de clientes, dos bancos tradicionais pelos digitais.

“Esse movimento  traz ao mercado clientes mais exigentes, mas, também traz  muita oportunidade  para oferecer uma boa experiência no mundo físico e digital para clientes. Vejo que o futuro desta relação será termos verdadeiramente o cliente no centro das decisões”, assegurou.