Brasileiros estão vendo o bolso pesar com a chegada das contas de energia, movimento insistente desde meados de 2021. Para 2024, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) prevê um aumento de 5,6% na despesa, acima da inflação projetada pelo mercado financeiro.
Os constantes aumentos nas contas geram, além de dúvidas sobre as motivações, questionamentos sobre como está situado o mercado de energia brasileiro. Especialistas ouvidos pelo BP Money esclarecem sobre em qual pé se encontra o crescimento do setor no país e avaliam a MP anunciada pelo governo federal para reduzir o preço das contas de luz.
Fatores da escalada de preços da energia elétrica
Embora muita gente vincule o aumento nos valores das contas de energia à privatização da Eletrobras (ELET3), outros aspectos explicam esse fenômeno. A quantidade de subsídios pagos pelos consumidores, como custo de contratação de energia e investimentos em transmissão, é um deles.
José Carlos de Souza Filho, professor da FIA Business School, explica que, nos últimos anos, dois novos subsídios foram somados às contas de luz: a conta covid, que representou empréstimo de R$16 bilhões em 2020 para ser amortizado em 60 meses e a CONTA ESCASSEZ HÍDRICA, que levantou R$5,3 bilhões em 2022 para ser amortizado em 54 meses. As parcelas estão diluídas nas tarifas de energia.
“Esses dois subsídios, além dos Fundos Regionais, pagos porque ainda muitas áreas no Brasil não são cobertas pelo sistema de energia elétrica, acabam por onerar as contas de luz de um modo geral”, explica José.
Em relação aos custos de transmissão e distribuição, Marcos Rêgo, presidente da ABS (Associação Baiana de Energia Solar Fotovoltaica), chama atenção para as perdas técnicas e não técnicas, que são repassadas para o consumidor.
“Atualmente, falamos de um valor médio de 17% de perdas entre as concessionárias brasileiras, o que é algo bastante significativo. Uma rede com pouca manutenção, com subestações subdimensionadas ou mesmo sucateadas, geram perdas dessa commodity e acabam, portanto, encarecendo os seus custos”, pontua Marcos.
MP 1212/24
A fim de conter os avanços das despesas dos brasileiros com energia elétrica, o governo federal publicou, no último dia 10, a MP 1212/24, para antecipar recursos da Eletrobras (ELET3) e, assim, reduzir as contas de luz e prorrogar subsídios para fontes renováveis de energia.
Os recursos em questão dizem respeito aos que a companhia deve pagar para fundos regionais e para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), conforme consta na lei que autorizou a privatização da Eletrobras (ELET3).
O que parece ser apenas uma boa notícia, na verdade, tem promovido divergências entre especialistas. Enquanto alguns veem a medida como um alívio temporário para as tarifas, outros consideram que não será suficiente para frear aumentos futuros.
José Carlos explica que, para conseguir a redução das tarifas, espera-se conseguir a quitação de algumas dívidas que oneram as contas, como os R$ 16 bilhões da Conta Covid e os R$ 5,4 bilhões da Conta Escassez Hídrica.
“Esses quase $20 bilhões deverão sair de alguma fonte de recursos, provavelmente do aumento de outros subsídios. Será uma troca, na realidade, uma vez que os programas Tarifa Social Cadastro Único e Luz para Todos já não são onerados com esses acréscimos”, diz o professor da FIA Business School.
Para Marcos Rêgo, a MP terá um impacto “de muito curto prazo”. “O sistema elétrico brasileiro precisa de muito investimento e a ANEEL (agência reguladora do setor) precisa atuar de forma mais incisiva”.
Energia limpa
Para Gláucia Fernandes, professora do Coppead/UFRJ, a escalada de preços das contas de energia elétrica podem promover uma maior adesão às fontes de energia limpa, como solar e eólica que, além de mais sustentáveis, podem ser mais econômicas a longo prazo.
“Embora o investimento inicial em sistemas de energia solar ou eólica possa ser alto, a geração de energia a partir dessas fontes é geralmente mais barata a longo prazo. Os consumidores podem optar por essas fontes para reduzir sua dependência da energia proveniente da rede elétrica convencional e, assim, diminuir suas contas de luz no longo prazo”, destaca Gláucia.
Ainda de acordo com a professora, o mercado de energia no Brasil apresenta características distintas que refletem uma tendência notável em direção à diversificação e à sustentabilidade.
Além do destaque internacional pela predominância de energias renováveis – 78% da geraçao total – o mercado livre de energia e a geração distribuída em crescimento também são indicativos.
Na última semana, a Vale (VALE3), uma das mais importantes companhias do cenário econômico brasileiro, anunciou que atingiu a sua meta de 100% de consumo de energia renovável no país.
Todas as operações da mineradora no ano passado foram provenientes de fontes como usinas hidrelétricas, eólicas ou solar.
Gláucia chama atenção, porém, que, apesar do Brasil estar à frente de muitos países em termos de matriz energética renovável, ainda há desafios a serem enfrentados, especialmente em relação à infraestrutura e à regulação do setor.
“No entanto, as oportunidades para a transição energética são significativas, e o país está posicionado para alcançar metas ambiciosas de descarbonização. Empresas como Eletrobras, Energisa e Neoenergia desempenham um papel crucial nesse processo, buscando formas de aumentar a participação de fontes renováveis em sua geração e promover a eficiência energética em toda a cadeia”, pontua Fernandes.