Nos últimos dias, o mercado cambial brasileiro tem vivido uma montanha-russa de variações, refletindo um cenário de incertezas tanto no âmbito interno quanto externo. Na última quinta-feira (22), o dólar atingiu o maior patamar do ano e, no dia seguinte, viu sua cotação recuar significativamente, com uma queda de 1,97%.
Esse movimento brusco tem sido pauta de discussão entre economistas e especialistas, que buscam entender as raízes dessa alta volatilidade e seus desdobramentos para a economia brasileira.
Em entrevista ao BP Money, Luiz Guardieiro, Diretor de Receita da Portão 3, atribui essa valorização à diferença de juros entre Brasil e EUA, além das incertezas econômicas internas, como questões fiscais e políticas.
O especialista ressalta que, em um cenário de dúvidas sobre a estabilidade econômica do Brasil, os investidores demandam um prêmio de risco maior, o que desvaloriza o real e valoriza o dólar.
Pessoa, por outro lado, enfatiza que o problema é essencialmente político. Segundo ele, o mercado antecipa a desvalorização futura do real devido ao desequilíbrio das contas públicas brasileiras.
“Truques contábeis para fazer a situação parecer melhor do que é não enganam o mercado”, alerta. Ele também critica a postura de alguns diretores do Banco Central, que adotaram discursos menos conservadores, sugerindo que o consenso de mercado sobre a subida dos juros poderia estar equivocado. Isso, segundo Pessoa, tem gerado uma pressão adicional contra o real.
Outros fatores por trás da volatilidade
Guardieiro aponta que essa volatilidade cambial é impulsionada por uma combinação de fatores globais e locais. Ele explica que a alta repentina do dólar pode ter sido causada por notícias relacionadas à economia dos EUA, decisões do Federal Reserve, ou até eventos geopolíticos.
Guardieiro observa que, no dia seguinte, o mercado pode ter passado por uma correção, com investidores realizando lucros ou reagindo a novos dados que tranquilizaram as preocupações iniciais. “Movimentos bruscos assim também podem refletir a sensibilidade dos mercados a expectativas e mudanças no fluxo de capitais”, afirma.
Emanuel Pessoa, Doutor em Direito Econômico pela USP, concorda que o impacto externo, como a recente recuperação dos ativos americanos diante do afastamento de sinais imediatos de recessão, teve um papel fundamental na valorização inicial do dólar.
“ Contudo, dados bem mais fracos quanto à criação de empregos levaram o presidente do FED, Jerome Powell, a afirmar que os juros seriam cortados”, afirmou.
No entanto, ele destaca que declarações de Jerome Powell, presidente do FED, sobre a possibilidade de cortes nos juros após dados fracos de emprego, contribuíram para a posterior queda da moeda americana.
“A expectativa de queda dos juros derrubou o dólar após uma tendência de alta”, explica Pessoa.
Já Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, aponta que o momento de alta sensibilidade nos mercados financeiros, com constantes mudanças de visão a cada novo indicador ou evento, é a principal razão para a volatilidade.
“Existem muitas incertezas nos cenários doméstico e global, o que tem refletido em maior volatilidade no câmbio”, diz Igliori.
A desvalorização do real em 2024
O real foi a quinta moeda que mais se desvalorizou frente ao dólar em 2024, um dado alarmante que levanta questões sobre os fatores que impulsionaram essa queda.
Guardieiro acredita que essa desvalorização pode ser explicada pela combinação de incertezas fiscais e políticas no Brasil, juntamente com o aumento das taxas de juros nos EUA, que torna os ativos em dólar mais atraentes.
Ele também menciona que a queda nos preços das commodities e a desaceleração da economia chinesa, um importante parceiro comercial do Brasil, contribuíram para a depreciação do real.
Pessoa acrescenta que a volatilidade do câmbio é exacerbada pelo desequilíbrio das contas públicas brasileiras, que é resultado de escolhas políticas de curto prazo, especialmente em anos eleitorais.
O profissional observa que, nesses períodos, os gastos do governo aumentam para eleger aliados, o que agrava a situação. “Não apenas o real se desvalorizou bastante, mas o movimento foi errático, com oscilações muito fortes”, destaca.
Igliori, por sua vez, ressalta que a perda de confiança dos agentes econômicos no governo em 2024, devido a mudanças na política fiscal, pior relacionamento com o congresso, e intervenções em empresas estatais, amplificou as incertezas e contribuiu para a forte desvalorização do real.
“Se eliminarmos as incertezas domésticas, a taxa de câmbio pode se aproximar de R$ 5,00 novamente”, afirma.
A influência das incertezas políticas e fiscais
Um ponto de consenso entre os especialistas é a influência negativa das incertezas políticas e fiscais sobre o valor do real.
Guardieiro acredita que, na ausência dessas incertezas, o real poderia estar mais valorizado, refletindo apenas os fundamentos econômicos do Brasil, como a alta taxa de juros e o saldo comercial positivo.
No entanto, ele adverte que o mercado cambial é complexo e influenciado por variáveis globais e locais, o que torna difícil prever com precisão a taxa de câmbio.
Pessoa é ainda mais crítico em sua análise. Ele argumenta que um governo que gasta muito mais do que arrecada e que não demonstra um compromisso verdadeiro com a responsabilidade fiscal envia sinais de deterioração futura das contas públicas, o que antecipa a desvalorização do real.
“O mercado, antecipando a deterioração das contas públicas, também antecipa a desvalorização do real”, observa.
Igliori concorda que as incertezas políticas e fiscais têm desempenhado um papel crucial na depreciação do real, mas também aponta para a importância do contexto internacional. Ele acredita que, com o aumento do diferencial de taxa de juros entre Brasil e EUA a partir do próximo mês, pode haver um estímulo adicional para a valorização do real, desde que as incertezas domésticas sejam mitigadas.