A recente recuperação judicial (RJ) da Agrogalaxy, um dos principais players do agronegócio brasileiro, acendeu um sinal de alerta no mercado de crédito agro. Com impacto direto sobre credores e investidores, o episódio desencadeou uma onda de cautela, afetando a percepção de risco no setor e gerando discussões sobre as condições econômicas que cercam a concessão de crédito ao agronegócio. Especialistas ouvidos pelo BP Money destacam os desafios e estratégias que estão sendo adotadas para mitigar esses riscos.
Segundo Elaine Domenico, especialista em mercado de capitais e sócia da The Hill Capital, o aumento nos pedidos de recuperação judicial, que atingiram níveis recordes entre janeiro e agosto, é um indicativo claro de dificuldades financeiras enfrentadas pelas empresas do setor.
“Quando muitas empresas pedem recuperação judicial, isso reflete uma incapacidade de honrar dívidas, o que aumenta o risco para os investidores em títulos como debêntures ou CRIs/CRAs”, explica Domenico. Para ela, a avaliação criteriosa do histórico financeiro das empresas e das garantias oferecidas é fundamental para mitigar os riscos no mercado de capitais.
Impacto sistêmico no setor e o risco para investidores
O advogado Washington Pimentel reforça essa percepção ao comentar os impactos da recuperação judicial da Agrogalaxy no mercado. “A RJ da Agrogalaxy intensificou a percepção de risco no setor agro, sobretudo devido à exposição da empresa a instrumentos como FIAGROs e CRAs. Isso afetou o mercado de capitais de maneira sistêmica”, observa Pimentel.
O advogado também chama a atenção para a forma como algumas empresas estão utilizando a recuperação judicial. “Muitas companhias recorrem à RJ sem, de fato, realizarem um trabalho sólido de reestruturação, impondo os prejuízos da má gestão aos credores”, acrescenta.
Angelo Belitardo, gestor da Hike Capital, ressalta que a suspensão no pagamento das dívidas da Agrogalaxy pode gerar um “efeito cascata” no setor de crédito agro, com potenciais consequências para toda a cadeia de insumos agrícolas.
Ele destaca que isso pode encarecer os custos dos insumos e dificultar o acesso ao crédito, principalmente para pequenos produtores e empresas menores. “O impacto dessa crise já está sendo refletido nos ativos com exposição ao mercado agro, tornando o cenário atual pouco favorável para investimentos em FIAGROs e outros instrumentos similares”, afirma Belitardo.
A crise de crédito no setor agro, segundo Bruno Boris, sócio do Bruno Boris Advogados, reflete as condições econômicas do país de forma mais ampla. Ele aponta que o crescimento econômico tem sido mais lento do que o esperado, e isso afeta diretamente o agronegócio, especialmente nas aquisições de insumos agrícolas.
“O endividamento do setor não é exclusividade da Agrogalaxy, e essa situação preocupa investidores e financiadores que, a partir de agora, serão mais criteriosos ao conceder crédito”, avalia Boris.
Cautela e oportunidades no crédito agro
Para os próximos meses, as perspectivas de recuperação do crédito no setor agro ainda são incertas. Pimentel acredita que a estabilização econômica, juntamente com a queda das taxas de juros e o controle da inflação, pode favorecer uma melhora no cenário de crédito. No entanto, a cautela deve prevalecer.
“O setor ainda enfrenta desafios externos, como a volatilidade das commodities e condições climáticas adversas, o que dificulta uma recuperação mais robusta”, completa.
Apesar das turbulências, especialistas como Elaine Domenico veem oportunidades em segmentos mais resilientes, como o de exportação de commodities essenciais, a exemplo da soja e do milho, que continuam a oferecer oportunidades atrativas para crédito devido à demanda internacional. Empresas com uma estrutura de capital sólida e boa governança corporativa são as que mais despertam interesse entre os investidores.
Enquanto o setor agro busca se reestruturar, a lição para credores e investidores é clara: a prudência e a análise detalhada das garantias e da saúde financeira das empresas são mais necessárias do que nunca para atravessar o atual período de incertezas.