A inflação brasileira segue elevada, impulsionada por fatores climáticos e políticos que agravam ainda mais o cenário. O aumento de preços chegou a impactar a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que atingiu um de seus menores níveis históricos. Em um esforço para amenizar a situação, Lula sugeriu que a população “não compre” produtos considerados caros. No entanto, analistas ouvidos pelo BP Money afirmam que a orientação não é plausível.
As “sugestões práticas” do presidente sobre como a população poderia lidar com a inflação não refletem a complexidade da economia do país.
No último dia 6 de fevereiro, Lula orientou os consumidores a deixarem de comprar produtos que estejam muito caros. “Se você vai ao supermercado e desconfia que tal produto está caro, você não compra. Se todo mundo tiver consciência e não comprar aquilo que acha que está caro, quem está vendendo vai ter de baixar para vender”, afirmou o petista.
No entanto, economistas apontam que a inflação sobre os alimentos torna inviável essa estratégia, já que são produtos essenciais. “O discurso acentua ainda mais os efeitos perversos da alta de preços, principalmente para as classes mais baixas, impossibilitadas de fazer substituições à medida que o produto se torna mais básico”, comentou Beto Saadia, diretor de Investimentos da Nomos.
“Quando se trata de alimento, o presidente sugere renunciar à necessidade básica da cesta de consumo”, acrescentou.
Segundo um levantamento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), publicado em 30 de janeiro, a cesta de alimentos básicos ficou 14,22% mais cara em 2024.
Até chegar ao consumidor final, produtos passam por uma cadeia produtiva
No geral, quando um insumo essencial encarece permanentemente — e não se trata apenas de uma alta temporária por fatores atípicos —, as empresas tendem a repassar os custos aos consumidores. “Em casos de choques temporários, como eventos climáticos, o setor produtivo pode absorver parte da alta por um tempo. Não é o que acontece agora”, disse Saadia.
“Os setores produtivos e o mercado financeiro apenas seguem uma dinâmica natural de ajuste de preços para manter suas atividades”, comentou Natan de Souza Marques, economista e professor da Universidade Cruzeiro do Sul.
Além disso, o governo pode optar por tributar ou subsidiar determinados insumos, mas a segunda opção implica em renúncia tributária, o que pode elevar a dívida pública.
Combustíveis: ‘Inflação atual é causada pela alta do dólar e excesso de estímulos’, diz analista
Para Beto Saadia, “a inflação atual é causada pela alta do dólar e pelo excesso de estímulos na economia”. Segundo ele, no caso da Petrobras (PETR4), os preços dos combustíveis já estão defasados em relação ao mercado internacional.
Na segunda-feira (17), Lula declarou que a Petrobras “não tem culpa nenhuma” no aumento dos preços dos combustíveis. Ele também afirmou que a população precisa saber quem são os responsáveis pelas altas para “saber quem xingar”.
De acordo com o presidente, o diesel sai da Petrobras a R$ 3,77 e chega aos postos por R$ 6,20. Já a gasolina, que sai a R$ 3,09, é vendida a R$ 6,49. “A Petrobras tem que tomar uma atitude”, acrescentou.
Como funciona o processo de distribuição da Petrobras
A estrutura de transporte e distribuição de combustíveis da Petrobras é tão complexa quanto as dimensões territoriais do Brasil. A cadeia produtiva começa com a extração e o refino do petróleo bruto, transformado em combustíveis como gasolina, diesel e gás de cozinha. Essa etapa é influenciada pela cotação internacional do petróleo, pelo câmbio, pelos custos operacionais e pelas políticas de preços da estatal.
“Essa etapa da cadeia de valor é altamente impactada pelo preço do petróleo no mercado internacional, pela taxa de câmbio e pelos custos internos de produção”, disse Natan de Souza Marques.
Assim, as distribuidoras armazenam e distribuem os combustíveis, adicionando impostos e custos logísticos, além de suas margens de lucro.
Já o transporte ocorre por meio de oleodutos, navios, ferrovias e caminhões-tanque, sendo este último o mais utilizado no Brasil. “Essa etapa pode ser um grande gargalo, elevando os preços conforme a distância das refinarias. Quanto mais remoto for o local, maior o custo do combustível”, detalhou Marques.
Por fim, os combustíveis chegam aos postos, que definem os preços ao consumidor final com base na concorrência local, nos custos operacionais e na demanda.