Mercado em dificuldade

Agro: recuperação judicial se tornou um modelo de negócio?

Henrique Arake, especialista em direito empresarial, analisou como o agronegócio tem enfrentado as dificuldades macroeconômicas

Henrique Arake, Secretário-Geral da Comissão de Direito Empresarial da OAB/DF / Foto: Instituto Washington Pimentel
Henrique Arake, Secretário-Geral da Comissão de Direito Empresarial da OAB/DF / Foto: Instituto Washington Pimentel

Base da economia brasileira historicamente, sobretudo nos momentos de crise, o agronegócio brasileiro vive um momento positivo nas exportações comerciais, porém o cenário como um todo ainda guarda riscos. Aos olhos de Henrique Arake, professor de direito e secretário-geral da Comissão de Direito Empresarial da OAB no Distrito Federal, o uso da inadimplência fiscal para proteção se tornou uma manobra usual no setor e fora dele também.

Os dados da Serasa Experian indicam que, no ano passado, o agronegócio registrou 1.272 pedidos de recuperação judicial, número 138% maior que a soma de 2023.

Sendo assim, durante participação no Congresso Baiano de Direito e Agronegócio, o mestre e doutor em Análise de Direito Econômico reforçou sua visão de que, mesmo sendo prejudicial para todas as partes, a tentativa de solucionar dívidas a partir da recuperação judicial se tornou praticamente um modelo de negócio.

“Se as empresas aguentarem ficar com o “nome sujo” fiscalmente, elas usam esse instrumento, a expectativa de uma negociação como financiamento, elas acabam se financiando com dinheiro público”, afirmou Arake em entrevista ao BPMoney.

Além disso, as críticas do especialista se estendem ainda ao próprio sistema jurídico, que até então incentiva que os empresários do agro não se profissionalizem no âmbito de Pessoa Jurídica, ficando, dessa forma, mais suscetível aos benefícios fiscais, o que gera maior insegurança sobre o setor e os negócio envolvendo crédito e dívidas.

“O mercado do agro, tradicionalmente, tem um problema do meu ponto de vista: ele é muito informal, extremamente informal, e pior, ele tem incentivos para se manter informal. Não é à toa que a grande maioria dos produtores rurais, em volume de pessoas, segue empreendendo, digamos assim, na pessoa física, ele não se profissionaliza, ele não constitui uma pessoa jurídica, ele não se organiza melhor”, disse.

Paralelamente, considerando o quadro atual dos indicadores econômicos, com a Selic a 14,75% ao ano e a inflação acumulada de 2025 a 2,48%, o especialista reiterou o entendimento de que os juros em patamar recorde como agora desincentivam os investimentos em renda variável, como é o caso dos Fiagros (Fundos de Investimentos em Cadeias do Agronegócio).

Por outro lado, atraem mais olhares para a renda fixa, que tem como ativo de destaque os CRAs (Crédito de Recebíveis do Agronegócio). No entanto, os riscos seguem à espreita, para manter os investimentos seguros.“A tendência é que uma Selic alta como essa vai agravar esse cenário [de cautela com ativos de maior risco], que já está ruim no mercado rural, e vai prejudicar também a rentabilidade desses outros instrumentos [Fiagros e CRAs], porque o dinheiro vai ficar muito caro, se torna desinteressante”, avaliou.

Confira a entrevista na íntegra:

Na sua avaliação, qual seria a melhor alternativa para o agro de forma geral lidar melhor com as dificuldades financeiras?

Imagine uma pessoa normal, com momentos bons e momentos ruins da sua saúde. Não é qualquer dor de cabeça, qualquer febre, qualquer soluço, em qualquer situação, que ela entrará com antibiótico de amplo espectro ou uma quimioterapia. As pessoas não fazem isso, porque isso é muito prejudicial para o seu organismo. 

Existe uma razão pela qual só vamos para remédios extremos quando a situação está extrema, porque normalmente esse remédio é quase tão prejudicial quanto a própria doença.

Em tese, a recuperação judicial é um procedimento equivalente a uma quimioterapia jurídica, pois ela vai arrebentar a empresa, que ficará com o nome queimado no mercado, ela vai arrebentar os credores também, ou seja, é um procedimento que é uma solução para que o problema não se agrave, mas não é feito para ser uma solução boa para todo mundo. 

Quando vemos uma empresa gigantesca como a Oi [OIBR3], que pediu recuperação judicial uma vez e antes de concluir, como a lei já permite, pediu outro processo e já está em vista da terceira recuperação judicial, vemos que pra ela, essa quimioterapia está tranquila.

Ela [a Oi] está utilizando, aparentemente, e outras empresas também, a recuperação judicial não como um meio extremo de recuperação, mas está virando parte do modelo de negócio. 

Existem empresários que ficam inadimplentes com questões fiscais como modelo de negócio. Eles optam por não pagar o imposto, pois calculam que mais ou menos de 5 em 5 anos, 6 em 6 anos, o governo vai soltar um programa de negociação, de reparcelamento, matar toda a multa, o que cria incentivo. 

Se as empresas aguentarem ficar com o “nome sujo” fiscalmente, elas usam esse instrumento, a expectativa de uma negociação como financiamento, elas acabam se financiando com dinheiro público.

Se a recuperação judicial começar a virar algo de maneira que as empresas possam financiar sua atividade às custas do mercado privado, eu antevejo um problema muito sério para a economia brasileira.

O Plano Safra é bem relevante para o agronegócio, e ainda considerando o alto nível dos juros, quais estratégias o agronegócio deve adotar para driblar as taxas de concessões desse crédito? 

O mercado do agro, tradicionalmente, tem um problema do meu ponto de vista: ele é muito informal, extremamente informal, e pior, ele tem incentivos para se manter informal. Não é à toa que a grande maioria dos produtores rurais, em volume de pessoas, segue empreendendo, digamos assim, na pessoa física, ele não se profissionaliza, ele não constitui uma pessoa jurídica, ele não se organiza melhor. 

Por quê isso? Porque seguindo como um produtor rural, no CPF (Certificado de Pessoa Física), as pessoas têm benefícios fiscais. O imposto de renda do produtor rural é muito vantajoso. Isso estimula essa atividade empresária a ficar em um grau de irregularidade e isso gera insegurança. 

E se aquela atividade é insegura, os juros do empréstimo não serão apenas a remuneração [do credor], mas também o risco. Então, enquanto o mercado rural permanecer com incentivos para permanecer em um nível de informalidade que gera essa insegurança de informações, eu não vejo muita saída. 

O mercado rural até hoje sempre conseguiu se manter porque ele é multibilionário. Todo mundo precisa continuar comendo. Então mesmo errado, ele vai dar lucro. Na minha avaliação, já passou da hora de perceber que é necessário uma formalização, uma regularização, uma profissionalização do mercado agro, que não precisa ficar só nas gigantes, mas no médio produtor também.

Com o momento da Selic em um patamar histórico, quais as expectativas para o desempenho dos ativos de investimento no agronegócio, como os Fiagros e CRAs?

Temos que lembrar que a Selic não é uma entidade solta. Ela é, de um lado, uma média de mercado a respeito da taxa de empréstimos interbancos, e que acaba sendo a nossa taxa de juros base, porque é a partir dali que o banco vai ter liquidez para poder financiar outras operações. 

Por isso que prestasse tanta atenção na Selic, ela também é um instrumento do governo de controle da inflação, de estímulo da economia. Quando temos uma Selic em um patamar tão alto, o que basicamente [a economia] está me dizendo é o seguinte: “se os principais instrumentos, principalmente de renda fixa, por exemplo, estão atrelados à Selic, em tese é um investimento muito barato do ponto de vista de risco, por que é que eu vou pegar o meu dinheiro e emprestar para uma atividade econômica, seja ela qual for, porque ela tem risco?”

Por isso que você tem esse equilíbrio, sempre que a Selic fica muito alta, os demais investimentos acabam baixando e com isso as pessoas tomam dinheiro, tomam crédito.

Então, a tendência é que uma Selic alta como essa vai agravar esse cenário [de cautela com ativos de maior risco], que já está ruim no mercado rural, e vai prejudicar também a rentabilidade desses outros instrumentos [Fiagros e CRAS], porque o dinheiro vai ficar muito caro, vai ser tornado desinteressante.

Um movimento que tem ocorrido agora também são operações dolarizadas por parte dos produtores. Dado o momento mais volátil do dólar, como ficam as oportunidades nesse tipo de operação?

A pergunta não tem uma resposta única porque vai depender de qual ponta estamos falando. Na ponta do exportador, a queda do dólar é muito ruim, porque alguém que tem uma moeda mais forte, compra mais e isso facilita as vendas.

Quando há a combinação de um dólar enfraquecido e uma tarifa elevada, o escoamento em exportações enfrenta dificuldades, o que leva os produtores a buscar outros parceiros, ou amargar um prejuízo. Logo, a queda do dólar não é vantajosa nesse sentido. 

Por outro lado, que também não deixa de ser uma atividade rural, se a pessoa opera na ponta de importação de insumos, com, por exemplo, sementes geneticamente modificadas, insumos para adubo, ou mesmo tratores e maquinários, que se compra dolarizado, aí a situação se inverte.

Então, assim, é muito difícil, do ponto de vista de irresponsabilidade, tentar dizer que isso vai ser bom ou vai ser ruim. Porque a gente precisa de dados, não dá para fazer essa estimativa. 

Mas o fato é, para o produtor rural, como regra, é ruim que o dólar esteja enfraquecido, mas para quem importa os insumos será uma coisa boa.