Todo final de mês, a conta de luz é um dos fatores que mais pesam no bolso dos brasileiros na hora de fechar as contas. Mas a partir de agora, uma reforma feita pelo governo no setor de energia elétrica vai baratear esse custo para os grupos mais vulneráveis, o que, no entanto, representa um novo risco a ser calculado pelas empresas do setor, sobretudo as distribuidoras listadas na Bolsa.
De acordo com a MP (Medida Provisória) editada pelo Governo Lula, a tarifa social na conta de energia será amplificada, com o intuito de beneficiar 55 milhões de brasileiros com desconto e outros 60 milhões com a isenção do pagamento da despesa.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmaram que a medida pretende ajudar pequenos comerciantes, pequenos empresários e a população mais carente, fazendo uma “justiça tarifária”. Porém, calcula-se que a isenção custará R$ 3,6 bilhões por ano.
Na perspectiva das grandes empresas do setor elétrico, Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos, avaliou que os efeitos podem variar conforme a atuação do negócio, com as distribuidoras sendo as mais vulneráveis à perdas.
“O risco para essas empresas está na possibilidade de desequilíbrios financeiros caso os mecanismos de compensação governamental sejam insuficientes ou atrasem, ainda que o governo afirme que o custo será redistribuído internamente ao setor, há dúvidas sobre a execução eficiente dessa redistribuição”, disse.
Nesse cenário, os papéis listados na B3 — operadora da Bolsa brasileira — podem ficar mais voláteis no curto prazo. No entanto, com uma compensação bem estruturada e uma estabilidade regulatória, há possibilidades de ganhos.
“Empresas com boa governança e eficiência operacional poderão se adaptar sem grandes perdas e até se beneficiar de uma maior previsibilidade de demanda entre consumidores de baixa renda”, explicou Patzlaff.
Por outro lado, o economista da Corano Capital, Bruno Corano, vê um impacto negativo para o setor como um todo, por conta da reforma. Segundo ele, o que deve ocorrer é uma redução da receita das distribuidoras e comercializadoras, pressionando as margens dessas empresas.
“As empresas listadas que ficam mais focadas na distribuição de energia podem sofrer mais, devido ao impacto no fluxo de caixa. A percepção do mercado não é das melhores”, afirmou.
A MP publicada na quarta-feira (21) tem 120 dias para ser debatida e aprovada pelo Congresso Nacional. Caso não seja chancelada, as mudanças perderão a validade.
A compensação
No texto publicado, o Governo Lula espera “pagar a conta” da isenção através do redirecionamento de encargos no setor elétrico, com o corte de subsídios para fontes de energia mais limpa, como a eólica e solar. Os especialistas desconfiam da efetividade desse plano, indicam ser necessário “esperar para ver”, mas ainda citam possíveis riscos.
“O fim do benefício de 50% de desconto para o “custo do fio” para geradoras de energia a partir de fonte eólica ou fotovoltaica igualmente afetará a margem de lucro, impactando negativamente a atratividade deste tipo de investimento, já que podem potencialmente tornar os investimentos nesse tipo de geração inviáveis economicamente”, avaliou Mariella Rocha, advogada e Head societário do Fonseca Brasil.
Além disso, o segmento de energia renovável, que está se expandindo no Brasil nos últimos anos com o fortalecimento da agenda de transição energética, ainda depende dos subsídios para fundamentar seus negócios, de acordo com Patzlaff.
O especialista em investimentos concordou com a análise de Rocha sobre alguns projetos se tornarem menos viáveis economicamente, “especialmente aqueles que operam em regiões com menor irradiação solar ou regimes de vento menos constantes”.
“Do ponto de vista fiscal, embora a medida ajude a aliviar a pressão sobre o orçamento setorial no curto prazo, ela contraria as diretrizes de transição energética e pode comprometer os compromissos ambientais internacionais do Brasil, especialmente diante da crescente pressão global por descarbonização”, disse ele.
Concorrência no setor de energia
A abertura de mercado foi outro ponto que o governo federal destacou para essa reforma realizada no setor de energia. A partir de 2026, pelas regras estabelecidas pela MP, os consumidores da indústria e do comércio poderão escolher de qual empresa querem comprar energia, o que só estará disponível para os demais consumidores a partir de 2027.
O “mercado livre” de energia, como é conhecido, atualmente é restrito a grandes consumidores, como indústrias e estabelecimentos comerciais de grande porte.
Na avaliação de Corano, essa nova estratégia é vantajosa, teoricamente, pois aumenta a competição e gera ganhos de preços e de serviços. Mas ainda é preciso entender como será a operação e como vai impactar no atual modelo de negócio das empresas.
Mariella Rocha ressaltou que a concorrência e competitividade tendem a gerar redução no valor da conta de energia, mas também enfatizou pontos de atenção.
“A transição precisa ser bem regulada, para evitar desequilíbrios. Um ponto negativo é que consumidores menos informados e/ou hipossuficientes podem acabar em contratos menos vantajosos”, reiterou.
Por fim, Jeff Patzlaff trouxe uma comparação com o mercado de energia do exterior, mais precisamente dos EUA e Europa, onde a abertura resultou em mais diversidade e ofertas, programas de fidelidade e pacotes personalizados, o que beneficiou os consumidores finais.
“No entanto, no curto prazo, a transição pode envolver custos operacionais e ajustes regulatórios importantes, a mudança exige que consumidores tenham acesso a informações claras, sistemas de medição inteligentes e mecanismos de proteção contra práticas abusivas”, alertou, seguindo a mesma linha de Rocha.
Sua análise final considerou que o ambiente macroeconômico brasileiro, com a Selic (taxa básica de juros) elevada e previsões altistas até o ano que vem, deve encarecer a captação de recursos para novos investimentos em infraestrutura de distribuição, atrasando a implementação do novo modelo, ou reduzindo a abrangência.