
O debate sobre a aplicação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em transações com criptoativos no Brasil tem provocado uma reação incisiva do setor.
A medida, cogitada pelo governo federal, levanta questionamentos sobre a legalidade de sua aplicação sem a devida tramitação legislativa e gera receios de consequências econômicas diretas para o ecossistema nacional de ativos digitais.
Guilherme Sacamone, CEO da OKX Brasil, foi direto ao comentar a proposta: “Aplicar o IOF às transações com criptoativos levanta sérias dúvidas legais — o imposto nunca foi concebido para esse fim”.
Segundo ele, o IOF é um instrumento originalmente criado para operações financeiras tradicionais, como crédito e câmbio, e sua extensão ao universo das criptomoedas seria uma distorção com consequências preocupantes.
Sacamone reforça que a tentativa de aplicação do IOF sem a devida discussão no Congresso pode ferir preceitos constitucionais. “Ampliar o escopo do IOF sem aprovação legislativa é um movimento que pode ser considerado inconstitucional. O mercado espera previsibilidade e segurança jurídica, não improvisações fiscais.”
Impacto da tributação no ambiente de negócios e nos custos para o usuário final
O executivo ressalta que o Brasil já impõe uma das maiores cargas tributárias sobre empresas que operam com criptoativos, o que pressiona a competitividade do setor.
“Hoje, plataformas brasileiras enfrentam uma carga de até 48% sobre seus resultados. A introdução de mais um tributo sobre as operações, como o IOF, agrava ainda mais esse cenário”, afirma.
Para Sacamone, o resultado direto será um aumento nos custos repassados aos usuários.
“Esse tipo de medida encarece os serviços, limita a margem de operação das exchanges locais e acaba impactando diretamente o bolso de quem investe ou negocia criptoativos no Brasil.”
Ele destaca que, em vez de impulsionar o setor, esse tipo de tributação pode empurrar os usuários para plataformas estrangeiras, que não estão sujeitas à regulamentação ou impostos locais.
“Essa proposta prejudica quem está em conformidade. As exchanges que seguem todas as normas fiscais e regulatórias acabam sendo penalizadas, enquanto plataformas no exterior operam com mais liberdade e menos encargos.”
Regulação com foco em arrecadação desestimula a inovação no setor
Na visão do CEO da OKX Brasil, a possível adoção do IOF em criptoativos revela uma desconexão entre o discurso regulatório e as práticas propostas.
“Isso vai contra o espírito do que o processo regulatório de criptoativos no Brasil deveria representar — previsibilidade, segurança jurídica e apoio à inovação.”
Ele argumenta que a tentativa de equiparar criptoativos a produtos financeiros tradicionais para fins de arrecadação ignora a natureza descentralizada e inovadora desses ativos.
“O uso do IOF como uma solução genérica demonstra falta de alinhamento com os princípios básicos que deveriam nortear a regulamentação do setor. Estamos lidando com um novo paradigma, que exige uma abordagem igualmente nova.”
Sacamone também faz um alerta jurídico: “Se essa medida for implementada por decreto, há o risco de ser considerada ilegal e derrubada judicialmente. Não é o tipo de insegurança jurídica que o mercado precisa.”
Competitividade em risco: Brasil pode perder espaço no mercado cripto global
Outro ponto levantado por Sacamone é a questão da competitividade internacional. Segundo ele, países que adotam marcos regulatórios claros e competitivos vêm atraindo projetos e investimentos relevantes no setor de ativos digitais.
“Enquanto isso, medidas que aumentam a complexidade tributária aqui no Brasil afastam empresas, investidores e projetos inovadores.”
Além disso, ele reforça que, atualmente, o volume de negociação em reais já é dominado por exchanges internacionais.
“Mais de 50% do volume de negociação em reais ocorre fora do país, em plataformas que não estão sujeitas às exigências legais e fiscais brasileiras. Se o custo de operação continuar subindo, essa fatia tende a crescer ainda mais.”
Consequências práticas: evasão, risco ao usuário e queda na arrecadação
O impacto da proposta pode ir além da migração de usuários. De acordo com Sacamone, a introdução do IOF pode estimular o aumento da informalidade e dificultar o trabalho de fiscalização.
“Em vez de aumentar a arrecadação, o governo pode estar criando um incentivo à evasão. O usuário que opera em plataformas fora do Brasil não está sujeito às mesmas proteções nem à supervisão regulatória.”
Ele alerta que o risco não é apenas fiscal, mas também para o consumidor. “Se o usuário tiver problemas com uma plataforma estrangeira sem representação no Brasil, ele não terá a quem recorrer. Estamos falando de uma redução no alcance da proteção ao consumidor e no poder de fiscalização do Estado.”
Caminhos para o futuro: incentivo à conformidade e construção de um ecossistema sólido
Na avaliação do executivo, o caminho mais eficaz não passa por medidas improvisadas de arrecadação.
“O Brasil tem potencial para ser um dos maiores hubs de inovação cripto no mundo. Mas, para isso, é necessário construir um ambiente regulatório estável, com regras claras, que incentive a atuação de players locais e promova a confiança dos usuários.”
Em suma, ele defende que o foco da regulamentação deve ser o fortalecimento da estrutura existente, com equilíbrio entre proteção ao consumidor, inovação e competitividade.
“Precisamos de medidas que atraiam investimentos, que deem segurança jurídica para as empresas atuarem e que estimulem o desenvolvimento do setor dentro do país. Isso é o que gera arrecadação sustentável.”