Os gastos do Judiciário com salários acima do limite da Constituição de 1988 aumentaram 49,3% entre 2023 e 2024. O valor extrateto saltou de R$7 bilhões para R$10,5 bilhões em apenas um ano, muito acima da inflação oficial do período, que atingiu 4,83%.
Os valores constam de estudo inédito do Movimento Pessoas à Frente, organização suprapartidária que propõe melhorias na gestão do serviço público. A pesquisa foi realizada em parceria com o pesquisador Bruno Carazza, professor, economista e jurista com pós-doutorado em Harvard, com foco em políticas públicas e governança.
De acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o levantamento expôs o avanço dos chamados penduricalhos – verbas indenizatórias e adicionais que permitem aos magistrados receber além do teto legal do funcionalismo público, atualmente no valor de R$46.366,19.
Segundo o estudo, os auxílios e benefícios correspondem a mais de 43% do rendimento líquido dos magistrados, devendo ultrapassar 50% em breve. Na prática, grande parte da remuneração ultrapassa o teto constitucional de forma indireta e muitas vezes não tributada.
Aumento salarial
De 2023 para 2024, o rendimento líquido médio de juízes subiu de R$ 45.050,50 para R$ 54.941,80, aumento de 21,95%. O crescimento continuou neste ano, e o valor chegou a R$ 66.431,76 em fevereiro de 2025.
A pesquisa destaca que esses aumentos são impulsionados por verbas classificadas indevidamente como indenizatórias, que escapam do teto e da tributação de IR (Imposto de Renda). As distorções criam um cenário de disparidade dentro do funcionalismo público, considerando que apenas 0,06% dos servidores se beneficiam dessas brechas.
De acordo com a diretora executiva do Movimento, Jessika Moreira, os supersalários representam um problema estrutural que se arrasta desde a Constituição de 1988. Apesar de várias tentativas legislativas, nenhuma foi eficaz em conter esses abusos. A organização alerta que, se a tendência continuar, o valor de supersalários poderá dobrar novamente em apenas dois anos.
Reforma debatida no Congresso Nacional
Diante desse cenário, o Movimento Pessoas à Frente defende que o fim dos supersalários seja prioridade na reforma administrativa em discussão no Congresso Nacional. A proposta está sendo debatida por um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados, coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ).
Em parceria com uma coalizão de dez organizações da sociedade civil, o movimento elaborou um manifesto em que sugere nove medidas para combater os supersalários.
Entre as medidas propostas estão:
- Classificação adequada das verbas entre remuneratórias e indenizatórias;
- Limitação das verbas indenizatórias a critérios como: natureza reparatória, caráter transitório e criação por lei;
- Aplicação correta do Imposto de Renda sobre verbas remuneratórias;
- Reforço da transparência e da governança na remuneração pública;
- Exigência de lei para criação de qualquer adicional salarial;
- Eliminação de classificações indevidas e transformação de verbas em remuneratórias;
- Fim da vinculação automática entre subsídios;
- Enquadramento como improbidade administrativa de pagamentos acima do teto sem respaldo legal;
- Criação de barreiras ao pagamento de retroativos, com limite temporal.
O movimento também propõe o fim dos benefícios concentrados no sistema de Justiça, como férias de 60 dias (frequentemente convertidas em dinheiro), licenças por tempo de serviço, aposentadoria compulsória como punição (que mantém os vencimentos) e gratificações por acumulação de funções.
No início de junho, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, defendeu que a reforma administrativa comece pela discussão dos supersalários. No ano passado, o governo Lula enviou uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para limitar os supersalários dentro do pacote de cortes de gastos.
No entanto, o Congresso Nacional desidratou a proposta e incluiu uma regulamentação por lei ordinária, que pode ser mudada mais facilmente que uma lei complementar.