Envolvimento de servidor público

MPSP também investiga Kalunga e OXXO por esquema de propina

Operação Ícaro prendeu na manhã desta terça-feira (12) o CEO da Ultrafarma, Sidney Oliveira, e o diretor estatuário do grupo Fast Shop, Mário Otávio Gomes

Unidade da Kalunga. (Foto: Divulgação)
Unidade da Kalunga. (Foto: Divulgação)

O MPSP (Ministério Público de São Paulo) investiga se outras empresas, além da Ultrafarma e da Fast Shop, possam ter se beneficiado de um esquema de corrupção que envolve o pagamento de propinas a auditores fiscais do Departamento de Fiscalização da Secretaria da Fazenda do Estado para favorecer empresas do varejo.

Entre as companhias citadas estão a Allmix Distribuidora, Rede 28 Postos de Combustíveis, Kalunga e Grupo Nós (dono da OXXO).

O documento do GEDEC (Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel, à Lavagem de Dinheiro e à Recuperação de Ativos Financeiros) do MPSP afirma que o supervisor Arthur Gomes da Silva Neto, apontado como principal operador do esquema, “também vem recebendo propina por outras grandes empresas para beneficiá-las em questões tributárias […]. A título de exemplo, vale citar a Ultrafarma Saúde Ltda., Allmix Distribuidora (empresa de utilidades), Rede 28 Postos de Combustíveis, OXXO, dentre outras”.

Em relação à Kalunga, o documento do GEDEC aponta que a Diretoria de Fiscalização da Sefaz recusou um arquivo digital enviado pela empresa, o que seria um possível indicativo que “a empresa também vem se beneficiando” do esquema, no qual o fiscal manipulava processos para liberar créditos tributários de ICMS de maneira indevida para as companhias.

No caso da OXXO, o Ministério Público cita nos autos um e-mail trocado entre o supervisor envolvido no esquema e a Smart Tax, suposta empresa que recebia as propinas, com documentação anexada relacionadas a “serviços” de consultoria tributária prestados à varejista.

Procurada, a Sefaz informou ter instaurado um procedimento administrativo para apurar a atuação e conduta do servidor público envolvido no esquema e solicitou ao MPSP o compartilhamento de todas as informações relevantes.

As empresas: Allmix Distribuidora, Rede 28 Postos de Combustíveis, Kalunga e o Grupo Nós (dono da OXXO) foram contatadas pelo GLOBO, mas não enviaram seus posicionamentos.

Entenda esquema de propinas da Ultrafarma e Fast Shop 

O empresário Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias Ultrafarma, foi preso na manhã desta terça-feira (12) em São Paulo, durante a operação do MPSP (Ministério Público de São Paulo), a Operação Ícaro. 

A ação mira um esquema de corrupção envolvendo auditores fiscais tributários da Secretaria da Fazenda de São Paulo, suspeitos de favorecer empresas do varejo em troca de propina. Também foi detido Mário Otávio Gomes, diretor estatutário do grupo Fast Shop, especializada no comércio de eletrodomésticos e eletrônicos. 

Detalhes do esquema

  • Auxílio à empresa: o fiscal auxiliava as empresas desde a coleta de notas fiscais e outros documentos necessários, passando pela elaboração e protocolo do pedido na Sefaz (Secretaria da Fazenda), até o acompanhamento e deferimento final;
  • Autenticação no sistema da Sefaz como se fosse a empresa (no caso da Ultrafarma): de posse do certificado digital da Ultrafarma, o fiscal acessava o portal da Secretaria da Fazenda usando a identidade eletrônica da companhia, fazendo com que suas ações fossem registradas como se fossem da própria empresa;
  • Aprovação acelerada: aprovava ou encaminhava os pedidos para tramitação prioritária, fugindo do fluxo normal de análise.

Segundo o MPSP, a investigação conduzida pelo GEDEC (Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos) identificou um grupo criminoso responsável por favorecer empresas do setor varejista em troca de vantagens indevidas. Ao todo, foram cumpridos 19 mandados de busca e prisão temporária, incluindo o do apontado como principal operador, Arthur Gomes da Silva Neto, supervisor da Difis (Diretoria de Fiscalização).

Como funcionava o esquema

De acordo com o Ministério Público, o esquema usava a empresa Smart Tax, registrada no nome da mãe de Neto e sem funcionários, cuja sede era a casa do auditor, em Ribeirão Pires (SP).

A partir da metade de 2021, a Smart Tax passou a movimentar valores elevados, recebendo dezenas de milhões de reais exclusivamente da rede varejista Fast Shop. Em 2022, os repasses dessa mesma empresa chegaram a pouco mais de R$ 60 milhões. Após a quebra do sigilo fiscal, a Receita Federal identificou que a Smart Tax recebeu um montante de mais de R$ 1 bilhão da Fast Shop.

Essas transações eram registradas por meio de emissão de notas fiscais e recolhimento de ICMS, dando aparência de legalidade aos serviços, explicou o promotor de Justiça, Roberto Bodini.

“A mãe de um auditor fiscal, de uma idade já pouco avançada, sem a capacidade técnica para prestar qualquer tipo de assessoria tributária, sendo a proprietária de uma empresa de consultoria tributária e prestando serviços cujos honorários são milionários para grandes empresas do varejo. Essa constituição e esses recebimentos são comprovados através de emissão de notas fiscais. Essas emissões geraram recolhimento de ICMS, tudo feito, a não ser pela ilicitude do mérito, formalmente, tudo de maneira correta”, disse.

As investigações indicam que a Ultrafarma também realizava este “serviço”. O esquema envolvia todas as etapas do processo de ressarcimento de créditos de ICMS: desde a coleta de notas fiscais e demais documentos necessários, passando pela elaboração e protocolo do pedido na Sefaz (Secretaria da Fazenda), até o acompanhamento e deferimento final.

De acordo com Ricupero, o fiscal detinha até mesmo o certificado digital da Ultrafarma para acessar o sistema da Sefaz e fazer os pedidos em nome da empresa. As investigações revelam que, em alguns casos, o fiscal conseguia liberar créditos muito acima do que a empresa havia apurado, além de obter a aprovação de forma mais rápida do que seria possível, normalmente.

Bodini ainda disse que outras empresas do setor teriam relação com este esquema. Ele explicou que, graças à quebra de sigilo telemático do auditor fiscal, foi possível confirmar que essas companhias também realizaram pagamentos dentro da mesma estratégia investigada.

Dos envolvidos, a Fast Shop disse que ainda não teve acesso ao conteúdo da investigação e está colaborando com o fornecimento de informações às autoridades. A Sefaz disse ter instaurado um processo administrativo para apurar a atuação e conduta do servidor público envolvido no esquema e solicitou formalmente ao MPSP o compartilhamento de todas as informações mais relevantes ao caso.

Procurados pela GLOBO, a Ultrafarma ainda não retornou, nem a defesa de Sidney Oliveira manifestou-se.