Historicamente tratada como uma espécie de sentença sem escapatória, a dívida tributária no Brasil começa a ganhar novos contornos. Juros acumulativos, multas elevadas e a execução fiscal como única via de cobrança vinham sendo a regra para empresas com pendências junto ao Fisco. Agora, com a mais recente mudança promovida pela Receita Federal, um novo capítulo se inicia para quem busca reorganizar suas finanças de forma legal e proativa.
A Receita ampliou significativamente o acesso à chamada transação tributária — instrumento que permite negociar dívidas fiscais em condições especiais.
A principal novidade é a criação de uma modalidade simplificada, válida para empresas com passivos entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões, além da redução do valor mínimo da modalidade tradicional de R$ 10 milhões para R$ 5 milhões.
Essa mudança amplia o alcance do instrumento e permite que um número maior de empresas — especialmente de médio porte — possa negociar diretamente com o Fisco, sem depender de medidas judiciais.
“Essa mudança tira o contribuinte da defensiva. Ele pode, de forma proativa, construir um plano de pagamento viável, propor à Receita e resolver um problema que antes só se acumulava até virar execução fiscal”, afirma a Dra. Mary Elbe Queiroz, presidente do Cenapret e sócia do Queiroz Advogados.
Entenda as modalidades de transação tributária
A transação tributária individual, voltada a dívidas mais complexas ou de maior valor, passa agora a aceitar propostas a partir de R$ 5 milhões. Nela, a empresa precisa apresentar um plano de recuperação fiscal e será avaliada com base em sua capacidade de pagamento.
A negociação pode partir tanto da Receita quanto do contribuinte, permitindo acordos personalizados de parcelamento e desconto.
Já a transação individual simplificada, criada pela nova portaria, contempla dívidas entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões. Nessa modalidade, o processo é menos burocrático e mais ágil.
As condições são bastante atrativas: até 120 parcelas, possibilidade de descontos de até 100% em juros e multas (respeitando o teto de 65% sobre o valor total da dívida), e uso de prejuízo fiscal e base negativa da CSLL para abater até 30% do saldo devedor.
Para empresas com passivos ainda menores, de até 60 salários mínimos (cerca de R$ 91 mil), também há facilidades: o parcelamento pode chegar a 55 meses, com parcelas mínimas de R$ 200. Microempresas, MEIs, empresas de pequeno porte e entidades filantrópicas também foram incluídas em regimes especiais, com descontos de até 70%.
Novo olhar da Receita: do litígio à negociação
Para Mary Elbe, o ponto mais relevante é a mudança de postura do próprio Fisco. “É a transação tributária assumindo, de fato, seu papel de instrumento de reorganização e não de punição”, ressalta.
Outro aspecto inovador é que, agora, a Receita também pode propor os acordos diretamente ao contribuinte — e está aberta a receber propostas personalizadas, inclusive com a combinação de modalidades, desde que respeitadas as regras de cada caso.
A lista de elegíveis também cresceu: empresas em recuperação judicial, em processo de falência e até entes públicos passaram a ter acesso à negociação.
“Litigar deixou de ser a única alternativa. A Receita está mais aberta a escutar, avaliar e ajustar. Isso representa um avanço imenso em termos de previsibilidade e racionalidade na relação entre Fisco e contribuinte”, explica Mary Elbe.
“Dívida não é mais sinônimo de sentença. Pode ser reorganizada, reduzida e parcelada com base em critérios legais e técnicos, sem que a empresa precise esperar anos por uma decisão judicial.”
Mais do que uma resposta emergencial para aliviar o caixa no curto prazo, essa nova fase da transação tributária representa uma verdadeira mudança de mentalidade.
O instrumento passa a ser visto como uma ferramenta legítima de planejamento fiscal, com segurança jurídica e previsibilidade — aspectos essenciais para empresas que desejam evitar bloqueios, execuções ou mesmo a inviabilidade da operação.
“Com segurança jurídica e análise adequada, ela pode ser a diferença entre manter a operação ativa ou mergulhar num ciclo de execução, bloqueios e inviabilidade econômica”, conclui a tributarista.