Economista-chefe do Banco Daycoval não vê tarifaço de Trump como 'arma política'

Rafael Cardoso, economista-chefe do Banco Daycoval, concedeu entrevista ao BP Money sobre para tratar sobre a política econômica do governo Trump

Rafael Cardoso, economista-chefe do Banco Daycoval. Foto: Divulgação/ Banco Daycoval
Rafael Cardoso, economista-chefe do Banco Daycoval. Foto: Divulgação/ Banco Daycoval

A postura aguerrida do presidente norte-americano Donald Trump nos últimos meses tem dado o que falar. O que inicialmente eram tarifas sobre a importação de aço e alumínio, rapidamente se tornou uma bola de neve que sobrou até para aliados históricos do país, como México, Canadá, União Europeia e até o Japão. 

No contexto nacional, a postura de Trump foi ainda mais destemida. O presidente dos EUA acabou atribuindo ao Brasil tarifas de 50% sobre produtos brasileiros que entrassem no mercado americano, sob o argumento de déficit comercial entre os dois países e também mencionou uma “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O economista-chefe do Banco Daycoval, Rafael Cardoso, acredita que essa postura dos EUA enfraquece o país no contexto global e retira a visão de parceiro confiável e estável que se tinha. Para ele, “os EUA acabaram abrindo um vácuo” entre os países.

Noutro giro, o economista vê as atitudes de Donald Trump como uma promessa de campanha. “É uma política econômica, mas é uma promessa de campanha. Então, faz parte você cumprir com suas promessas quando você é eleito.”

Ao portal BP Money, o economista concedeu uma entrevista sobre a política monetária norte-americana; a postura brasileira diante do tarifaço; e as taxas de juros básicos em ambos os países.

Veja entrevista na íntegra

1. Quais os efeitos imediatos da política monetária dos EUA no Brasil?

Quando os juros nos Estados Unidos caem, os investidores tendem, no relativo, a buscar rendimentos maiores. Então, tudo mais constante. Se os títulos com menor risco estão pagando menos do que pagavam antes, você, na busca de rendimento, vai buscar outros títulos, outras coisas.

Então, a política americana afeta nessa direção. Ela gera uma maior propensão aos agentes tomarem um pouco mais de risco, porque o risk-free caiu. Acho que o canal é esse, como eu comentei. Muito provavelmente passa pelo câmbio, no caso das economias emergentes em geral, e no Brasil também.

2. Mais do que uma política econômica, muitos analistas enxergam o tarifaço como uma ferramenta de apelo político interno, voltada à base eleitoral de Trump. Essa leitura é justa?

Não tenho opinião sobre isso, se a política comercial é uma arma eleitoral, é uma promessa de campanha. Faz parte você cumprir com as suas promessas de campanha quando você é eleito. É uma política econômica. Então, como qualquer outra, ele [Trump] poderia ter prometido outra coisa. E se ele estivesse cumprindo, a gente falaria que isso é uma arma eleitoral?! Não consigo ver dessa forma, não acho que todas as promessas de campanha, independente do que forem, faz parte do processo então difícil falar o que arma o que não é. Então não vejo a questão dessa forma.

3. Como o Brasil deve reagir às tarifas de Trump?

Bom acho que difícil pensar no longo prazo porque a gente nem sabe se o Trump vai estar no longo prazo, ou se as tarifas vão ser mantidas em outro governo. Então, acho que é difícil pensar nesse sentido.

O governo tem que ir fazendo as medidas de minimização e mitigação de riscos, e dos impactos. Então acho que é mais nessa direção, mas acho difícil discutir longo prazo porque a gente tem pouco subsídio para afirmar que as tarifas vão ser mantidas nesses patamares no longo prazo.

4. Você acha que a guerra tarifária enfraqueceu ou fortaleceu a posição dos EUA no comércio internacional?

Enfraquece. Acho que os Estados Unidos estão abrindo o vácuo no sentido de que antes ele era um parceiro confiável, estável e agora as políticas econômicas são mais contraditórias então sem dúvida isso altera um pouco a percepção dos parceiros.

5. O que muda na política comercial dos EUA com o tarifaço?

Bem, é uma mudança do comportamento de forma geral as tarifas como normal no governo Trump e que elas são generalizadas, ainda que em níveis diferentes, dependendo do alinhamento que determinado país tem com os Estados Unidos, em diferentes tópicos.

Então, acho que mostra uma nova face, uma nova forma de fazer política internacional. Se nos últimos anos a gente acostumou com os fóruns multilaterais, OMC, OMS, ONU e etc, agora parece que pelo menos nos próximos anos o caminho é diferente.

6. Os atuais níveis da taxa de juros são sustentáveis a médio prazo ou o Fed corre o risco de comprometer o crescimento econômico?

As taxas de juros atuais estão acima daquilo que é considerado taxa neutra para os Estados Unidos. Ou seja, está acima do compatível. Então, é de se esperar que num cenário de normalidade sem choques, esse tipo de coisa que o FED reduz a taxa de juros para manter o crescimento próximo à tendência. Se as taxas de juros atuais são sustentáveis a médio prazo, depende. Se, por exemplo, o governo Trump der estímulos fiscais, os juros tem que ficar realmente acima do neutro. Isso vai depender. Se a gente fosse considerar um cenário de equilíbrio, sem novos choques, o FED deveria cortar os juros para manter o crescimento econômico na tendência.

7. Se o Fed cortar juros, o BC deve seguir e baixar a Selic?

A gente acha que não. Na verdade, se o FED cortar os juros lá, na verdade no nosso cenário já estava. Então para a gente não é nada surpreendente. A gente sempre teve dois cortes para o segundo semestre desse ano. Acreditamos que parte do processo que ajuda o Banco Central aqui, mas não de imediato. Ele ajuda pelos canais tradicionais, entre eles por favorecer o câmbio, uma vez que o diferencial de juros vai ficar melhor. A gente vai ficar com juros constantes e eles cortando. Mas a gente não acha que isso abre espaço de imediato. A gente acha que isso vai abrir espaço justamente no começo do ano que vem.