
O ex-diretor da Americanas (AMER3), Márcio Cruz, afirmou que o ex-CEO da empresa, Miguel Gutierrez tinha a “palavra final” sobre os recursos usados pelo grupo para manibular as demonstrações financeiras. Declaração foi feita em delação premiada e documento foi lido pelo Valor Econômico.
De acordo com o trecho ao qual o jornal teve acesso, o procurador José Maria Panoeiro pergunta a Cruz se as decisões eram tomadas de forma “colegiada” ou se ele estava “abaixo do Miguel”.
“A gente fazia as propostas ali, mas a palavra final era do Miguel. E quando não estava de acordo com o que Miguel achava, a gente acabava mudando para ajustar para o que ele achava”, respondeu o ex-executivo, segundo a delação.
O ex-diretor da Americanas também disse que Anna Saicali (braço direito de Gutierrez) tinha “ascendência” sobre ele e José Timotheo de Barros, um outro integrante da cúpula da empresa. Porém, ela também se reportava a Gutierrez.
Gutierrez sabia do esquema?
Cruz também foi questionado se Gutierrez sabia das fraudes na B2W, braço digital do grupo antes da fusão com a Lojas Americanas). “Acho que sabia porque… aí depende do período, né? Tem períodos que a gente tem certeza que sabia.”
De acordo com ele, o “período mais recente”, logo após a fusão, em 2021, Gutierrez sabia porque os números eram mostrados a ele por Marcelo Nunes, diretor financeiro. Antes disso, Anna Sacali e o próprio Cruz tratavam do assunto do chefe.
Gutierrez, segundo o delator, tinha conhecimento das operações de risco sacado, linha de crédito tomada pela companhia que não era registrada como dívida no balanço e ficava oculta na conta de fornecedores.
Cruz entrou na Americanas como trainee e disse que começou a ter contato com a existência de cartas de verba de propaganda cooperada (VPC) quando se tornou diretor estatutário comercial da Lojas Americanas, em 2009. Segundo ele, já era um valor significativo, da ordem de R$ 200 milhões a R$ 300 milhões, de verbas pendentes.
Foi feito esse levantamento que o Rodrigo Martins [então controller] apresentou. Mostrou para mim. E mostrou para o Miguel também. O Miguel se mostrou surpreso com o tamanho daquele negócio. Do tipo assim, ‘achava que era um valor menor que tinha aí’”.
Cruz falou que Gutierrez não se assustou ao saber sobre a VPC. “Então, na cabeça dele, já existia.” Porém, nessa ocasião, continuou o delator, a reação do ex-CEO foi a de tentar resolver. “Falando, pô, vamos tentar consertar esse negócio”, afirmou na colaboração, lembrando que aquele era um bom momento de vendas para a Americanas. De acordo com o ex-diretor, houve um esforço naquele momento para ir quitando a dívida com fornecedores na VPC”.
A reportagem do Valor Econômico afirma que, com base nos trechos aos quais a equipe teve acesso, não tem como saber com que profundidade Gutierrez tinha conhecimento sobre as fraudes na VPC.
Márcio Cruz reiterou o que Nunes e Flávia Carneiro já haviam delatado sobre a existência de uma “visão interna” ou “a vida como ela é”, na qual circulavam os números sem ajustes, e uma “visão conselho”, enviada ao conselho de admnistração e ao mercado, com os números já ajustados.
Ao ser questionado sobre se o conselho tinha ciência da “visão interna”, Cruz respondeu: “O que eu tenho de elemento sobre isso? Todas as informações que a gente gerava, que iam para o conselho ou para o acionista de referência, no caso Beto [Carlos Alberto Sicupira], especificamente, elas iam ajustadas”, respondeu Cruz.
Quando o caso estourou, Cruz estava à frente da área digital da Americanas. Barros era o responsável pelas lojas físicas e Saicali era a CEO da área de inovação. A defesa de Gutierrez não comentou o assunto.