Fabrica da BYD e centro de distribuição de carros elétricos
Foto: Divulgação BYD

O avanço da eletromobilidade no Brasil abriu uma disputa inédita no setor automotivo: novas montadoras estrangeiras especializadas em veículos elétricos, como BYD, GWM e GAC, têm recebido pacotes robustos de incentivos fiscais estaduais e federais, ao mesmo tempo em que fabricantes tradicionais, como Volkswagen, GM e Stellantis, cobram por “equidade regulatória” e regras que reconheçam seus investimentos históricos no país.

O debate ganhou força com a implementação do Mover (Marco da Mobilidade Sustentável), do IPI Verde e da retomada do imposto seletivo, que em suma passam a premiar eficiência energética, redução de emissões e produção nacional de tecnologias limpas. Na prática, as mudanças criam um ambiente em que quem entrega veículos mais eficientes recebe mais benefícios, cenário que, naturalmente, favorece marcas já 100% elétricas.

Volkswagen acelera eletrificação

Entre as fabricantes tradicionais, a Volkswagen tem sido uma das mais vocais no esforço para mostrar que está investindo pesado na transição energética. A companhia anunciou que, a partir de 2026, todo novo modelo desenvolvido na América do Sul terá versão eletrificada, abrangendo híbridos leves, híbridos completos e híbridos plug-in, sempre incorporando motores flex pensados para biocombustíveis.

Para viabilizar o movimento, a empresa obteve R$ 2,3 bilhões em linhas de crédito do BNDES, voltadas ao desenvolvimento de modelos híbridos, tecnologias ADAS, conectividade e exportações. O valor se soma ao plano de R$ 20 bilhões até 2028 para a região.

A companhia reforça, ainda, que sua atuação já movimenta a economia brasileira: a Volkswagen é a maior exportadora do setor automotivo nacional, com mais de 4,4 milhões de unidades enviadas a 147 mercados desde 1970.

Em um setor em transformação, o recado da marca é claro: as tradicionais também estão investindo, e, portanto, esperam acesso proporcional aos incentivos.

Novas montadoras avançam e ampliam pressão competitiva

Enquanto isso, as marcas elétricas ganham espaço com investimentos pesados e velocidade de execução. A BYD, por exemplo, avalia que o Brasil vive “um momento de expansão e amadurecimento” para a mobilidade elétrica.

Segundo Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da empresa no Brasil. O país reúne demanda crescente, apoio público e privado e espaço para a consolidação de um ecossistema completo de eletrificação.

A companhia já opera a maior rede de carregadores rápidos do Brasil, com mais de 100 pontos DC abertos a qualquer usuário. Além disso, a fábrica de Camaçari (BA) o maior complexo de produção de elétricos da América Latina. Atualmente representa um investimento de R$ 5,5 bilhões, com capacidade de 150 mil veículos/ano.

Para Baldy, incentivos públicos são parte central da transição energética:

“Os incentivos reduzem barreiras de custo, estimulam a produção nacional e fortalecem toda a cadeia produtiva, da bateria à infraestrutura. Onde há políticas consistentes, a adoção cresce mais rápido.”

A BYD destaca ainda que políticas equilibradas beneficiam toda a sociedade: “Quando o setor se desenvolve de forma justa, o consumidor ganha mais opções, tecnologia e preços acessíveis.”

Mover e IPI Verde: o desenho favorece eficiência, não ‘novatos’, dizem especialistas

Para especialistas do setor, o debate sobre favorecimento não deveria ser lido como uma disputa entre “quem chegou agora” e “quem já estava no Brasil”. Segundo Davi Bertoncello, diretor da Tupi, os incentivos são neutros do ponto de vista do fabricante, o que muda é a tecnologia oferecida.

“Hoje o desenho favorece quem entrega eficiência e baixa emissão, não necessariamente quem acabou de chegar. O Mover e o IPI Verde premiam tecnologia limpa, não o CEP da matriz.”

Mas, como os elétricos são naturalmente mais eficientes, os novos players capturam os benefícios mais rapidamente: “As tradicionais podem capturar os mesmos incentivos, mas precisam virar a chave do portfólio. Não dá pra querer incentivo de carro do futuro entregando tecnologia dos anos 1990.”

Governo aposta em neoindustrialização e exige contrapartidas

A estratégia federal tem sido alinhada ao discurso de “neoindustrialização verde”. O BNDES reforçou sua política de financiar empresas que desenvolvem tecnologias aliadas à descarbonização. O MDIC defende que o Brasil precisa se posicionar globalmente na cadeia dos elétricos, seja com carros, baterias, componentes ou biocombustíveis.

Além disso, o governo tem sinalizado que a transição precisa ser “justa”, incentivando tanto novas fábricas quanto modernização das existentes, desde que sigam o alinhamento ambiental exigido pelos novos marcos regulatórios.

Ajustes possíveis para equilibrar o mercado

A discussão sobre incentivos, portanto, ultrapassa a rivalidade entre elétricos e modelos a combustão. O ponto central é definir qual será o papel do Brasil na nova lógica global da indústria automotiva. Pois se o País optar por incentivar produção local, pesquisa, desenvolvimento tecnológico e metas claras de descarbonização, pode transformar a eletromobilidade em vetor de geração de empregos, aumento de competitividade e fortalecimento da cadeia nacional. Caso contrário, corre o risco de ver investimentos migrarem para mercados que oferecem previsibilidade e escala para veículos de baixa emissão.

Bertoncello resume: “Equilíbrio não é dar mais a quem chegou antes, é garantir que todos joguem com a mesma régua climática e tecnológica.”

O que está em jogo?

Por enquanto, empresas elétricas chegam com agilidade e estratégia bem alinhada à regulação climática, enquanto montadoras tradicionais contam com estrutura instalada e capacidade produtiva consolidada. A diferença estará no ritmo. À medida que o governo ajusta incentivos para premiar eficiência e inovação, a disputa deixa de ser sobre “quem recebe mais benefício” e passa a tratar de quem consegue se adaptar mais rápido ao que o mercado, e o consumidor, já sinalizaram como inevitável: uma indústria automotiva cada vez mais limpa, tecnológica e preparada para o futuro.

A questão deixa de ser apenas “quem ganha mais incentivo” e passa a ser:
quem entrega o futuro mais rápido?