
Depois de dois anos de alívio no bolso, o brasileiro deve voltar a sentir o peso da carne bovina nas compras do supermercado em 2026. A virada do ciclo pecuário, período de menor disponibilidade de bois para abate, sinaliza que picanha, filé mignon e outros cortes nobres devem ficar mais caros ao longo do próximo ano.
O ciclo pecuário funciona como uma gangorra de oferta e demanda. Quando a carne está barata, os produtores aceleram o abate para fazer caixa, incluindo vacas reprodutoras. Anos depois, com menos bezerros nascendo, falta boi no mercado e os preços sobem. Nesse momento, os pecuaristas passam a reter as fêmeas para recompor o rebanho.
Esse ciclo costuma durar de três a quatro anos, e o Brasil está entrando na fase de menor oferta. “O reajuste tende a ser gradual. Não é um choque de preço, porque o Brasil ainda tem muito gado e o varejo costuma segurar a carne como produto de atração”, explica Alcides Torres, sócio da Scot Consultoria.
Sinais da mudança já apareceram
Os dados do campo mostram que a virada começou. Segundo o indicador do boi gordo do Cepea (Esalq-USP), a arroba, medida de 14,7 kg usada pelo setor, ficou praticamente estável em reais ao longo de 2025, em torno de R$321. Porém, em dólares, a alta foi de 13%, refletindo a forte demanda externa, especialmente da China.
Isso significa que os frigoríficos já estão pagando mais pelo boi. Wesley Batista Filho, CEO da JBS USA, confirmou em teleconferência com analistas que “estamos vivendo um ciclo desafiador de oferta de gado, não apenas no Brasil, mas em várias regiões do mundo”.
Exportação sustenta preços
A carne brasileira continua competitiva no mercado internacional. Enquanto a arroba no Brasil custa entre US$ 50 e US$ 60, nos Estados Unidos e na Ásia os valores superam US$ 130. Essa diferença mantém as exportações atrativas e reduz as chances de alívio rápido nos preços domésticos.
A China tornou-se protagonista nessa dinâmica. O país asiático passou a demandar animais mais jovens, com até 30 meses de idade, acelerando o giro do rebanho brasileiro. Fernando Iglesias, analista da Safras & Mercado, destaca que “a demanda da China ajudou a sustentar o mercado antes mesmo de a escassez de boi ficar mais evidente”.
Uma decisão importante pode alterar esse cenário: em janeiro, a China deve anunciar se vai impor restrições às importações de carne brasileira, como taxas ou cotas. A medida, se confirmada, pode reduzir a pressão sobre o mercado doméstico, mas também coincidirá com um ano de menor produção no Brasil.
Outras proteínas também sobem
A alta da carne bovina tende a pressionar frango e carne suína, embora em menor intensidade. O consumidor brasileiro costuma migrar para proteínas mais baratas quando a bovina encarece, mas há um limite dado pela renda das famílias, que seguem com endividamento elevado.
O consumo de frango deve subir de 45,5 kg por pessoa em 2024 para 47,3 kg em 2026, enquanto o de carne suína avança de 18,6 kg para 19,5 kg. Já os ovos devem saltar de 269 unidades por habitante para 307 unidades no mesmo período, refletindo a busca por proteínas mais acessíveis.
O cenário para 2026 indica que o brasileiro não deve reviver o susto de 2021 e 2022, mas pode reencontrar uma sensação conhecida no açougue: a de preços que sobem aos poucos e dificilmente voltam ao patamar anterior.