
A China acelerou nos últimos anos um movimento que redesenha a cadeia da soja brasileira. China passou a controlar trechos estratégicos do escoamento do grão, de armazéns no Centro-Oeste a ferrovias e terminais portuários no Sudeste e no Arco Norte. O movimento, que especialistas vêm chamando de “flip”, marca a virada do país asiático de cliente para operador da cadeia logística brasileira.
China assume o comando de rotas antes dominadas por tradings
O avanço ocorre por razões estruturais. A China busca reduzir vulnerabilidades geopolíticas, garantir abastecimento interno e diminuir a dependência de tradings ocidentais. O país importa mais de 60% da soja mundial e não pode correr riscos de gargalos logísticos ou instabilidade política em portos estrangeiros.
Por isso, empresas estatais e grupos chineses passaram a adquirir participação em ativos de armazenagem, esmagadoras, ferrovias e terminais portuários. Esse conjunto de investimentos permitiu que o comprador deixasse a ponta final da cadeia e migrasse para o controle físico do fluxo do produto.
Paulo Venicio, docente da Wyden, sintetiza essa mudança como “a passagem de cliente para gestor do escoamento”, ampliando eficiência e reduzindo intermediários.
O “flip”: de comprador a dono da infraestrutura
O flip se tornou visível à medida que empresas chinesas passaram a disputar a originação do grão no interior do País, algo até então dominado por ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus. O controle de silos, esmagadoras e terminais redefiniu a lógica da cadeia.
Para Jackson Campos, especialista em comércio exterior, trata-se da “reversão do papel tradicional”: em vez de comprar o grão pronto no porto, a China opera e influencia os corredores de exportação.
A estatal COFCO simboliza esse novo modelo. A companhia tornou-se uma das maiores exportadoras de grãos do Brasil, integra compra direta de produtores e expandiu participação em terminais portuários, incluindo o STS11, em Santos.
Segurança alimentar como política de Estado
O avanço logístico se alinha a uma estratégia nacional de segurança alimentar. Pequim passou a tratar o abastecimento de soja da mesma forma que energia ou tecnologia: como prioridade estratégica.
O economista André Mirsky, explica que a China vê o grão brasileiro como um “seguro de longo prazo”, essencial para sustentar seu rebanho, sua indústria de proteína e sua classe média crescente. Ao encurtar o caminho entre o plantio no Cerrado e os portos chineses, o país reduz riscos e passa a coordenar o fluxo global de acordo com suas próprias necessidades.
Produtores ganham disputa, mas risco estrutural permanece
No campo, o efeito é duplo. No curto prazo, mais compradores elevam a concorrência e podem melhorar os preços pagos ao produtor. Entretanto, como todos estes novos players estão ligados de alguma forma ao mercado chinês, a concentração de destino permanece. Venicio aponta que “há diversificação de agentes, mas não de mercados, ampliando a dependência do Brasil de um único país”.
Mirsky alerta que, no longo prazo, essa concentração de infraestrutura pode reduzir alternativas reais ao produtor, consolidando uma “dependência estrutural” se o País não diversificar seus corredores logísticos e seus destinos comerciais.
Brasil avança em obras, mas ainda sem estratégia clara
A entrada chinesa encontrou um Brasil capaz de expandir capacidade logística, mas sem uma política definida para lidar com presença estrangeira em ativos estratégicos. Mirsky reforça que o movimento brasileiro foi reativo: surfou o interesse chinês, mas não estruturou contrapartidas nem um plano geopolítico específico para o agro.
Os marcos da virada
Entre os principais marcos da China soja Brasil, especialistas apontam:
– entrada da COFCO como grande exportadora (2014–2017);
– aquisição de participações em terminais de Santos e Paranaguá;
– avanço em armazéns e esmagadoras no Centro-Oeste;
– interesse crescente em ferrovias estratégicas;
– compra de vagões e locomotivas para rotas agrícolas;
– integração logística de originação, processamento e embarque.