1ª do País

Alice revoluciona gestão de saúde e mira R$ 450 mi em receita

Em entrevista ao BP Money, co-fundador da gestora de saúde Alice, fala sobre a abordagem que rendeu quase meio bilhão em faturamento à empresa

Guilherme Azevedo, co-fundador da Alice / Foto: Divulgação
Guilherme Azevedo, co-fundador da Alice / Foto: Divulgação

Para uma população que vive um contexto pós-pandêmico, a saúde e qualidade de vida se tornaram tópicos ainda mais relevantes. Por isso, a Alice, criada em 2019, investe pesado em tecnologia e criou um espaço de atendimento integrado e mais assertivo para seus pacientes.

Em entrevista ao BP Money, Guilherme Azevedo, o co-fundador da Alice, contou que o foco de atuação da empresa tem base nos processos de tecnologia. O objetivo da plataforma é organizar melhor a jornada dos clientes no sistema de saúde para que eles consigam resolver os seus problemas de saúde mais rápido e evitando os  desperdícios e desconfortos que existem no sistema de saúde brasileiro.

“Escolhemos montar uma operadora de saúde para ser um veículo de transformação do sistema de saúde. Não montamos a Alice para ser um plano de saúde tradicional, mas a nossa visão de longo prazo é ajudar a tornar o mundo mais saudável”, disse.

A empresa, segundo o Azevedo, deve fechar este ano com cerca de 40 mil vidas impactadas (clientes) pela Alice. Além disso, a companhia também mira uma receita recorrente de R$ 450 milhões.

Essas expectativas vem após a empresa planos de saúde ter realizado um dos menores reajustes de valores do setor pelo terceiro ano consecutivo, o que, conforme explicou Azevedo, foi possível, sem prejudicar a receita da empresa, por conta do método que preza também a redução dos desperdícios comuns do setor.

Um desses exemplos de desperdício são os partos por cesárea. Segundo o executivo, muitas vezes as mães são apresentadas às vantagens da operação e convencidas a realizá-la, mesmo não querendo e mesmo sendo um procedimento mais caro para o sistema de saúde e mais arriscada para a paciente e a criança.

“Ele [o bebê] não vai nascer em seu tempo biológico e pode ser que ele tenha que ir para a neonatal por causa disso. É muito desperdício. Tanto de dinheiro quanto de recurso do sistema de saúde, tempo de UTI, tempo de sala cirúrgica”, frisou Azevedo.

A abordagem da companhia tem médicos e enfermeiros contratados diretamente, enquanto, através do aplicativo, os pacientes que utilizam a Alice garante um atendimento personalizado e podem agendar consultas com seu médico de família, que acompanha todo seu histórico, incluindo exames de diferentes especialidades, consultas e conversas anteriores.

A gestão dos casos de saúde é facilitada pelo Plano de Ação, onde todas as prescrições e tarefas são organizadas de forma digital, permitindo um acompanhamento contínuo e eficiente, explicou Azevedo.

Além disso, a Alice oferece o gerenciamento familiar, pelo qual os membros cuidam da saúde de seus filhos e familiares diretamente pelo aplicativo.

Confira a entrevista sobre a Alice na íntegra:

Conte um pouco da história da Alice. Como ela se tornou o que é hoje?

A Alice é uma operadora de plano de saúde para empresas, com foco em São Paulo, hoje. Nós nascemos em 2019. Eu vim do “Dr Consulta”, fiquei lá seis anos, conheci profundamente o mundo da saúde no processo de construção do “Dr Consulta”.

Em 2019, junto com o André [Florence, ex-CFO da 99 e atual CEO da Alice] e com o Matheus [Moraes, ex-CEO da 99]. Eles passaram a jornada inteira na 99 e ajudaram a mudar a mobilidade urbana no Brasil. Nós nos juntamos para reconstruir o sistema de saúde privado.

Escolhemos montar uma operadora de saúde para ser um veículo de transformação do sistema de saúde. Não montamos a Alice para ser um plano de saúde, mas a nossa visão de longo prazo é ajudar a tornar o mundo mais saudável. 

Nossa forma de ajudar com isso é construindo uma empresa que [está] na forma de uma operadora de saúde, mas que está reconstruindo e refazendo o processo. Atuamos muito nos processos de tecnologia e como conseguimos organizar melhor a jornada das pessoas do sistema de saúde para que elas consigam resolver os seus problemas de saúde mais rápido, melhor, e evitando tanto desperdício que tem no sistema.

Você mencionou desperdícios. Quais seriam esses desperdícios?

São eventos de saúde que acontecem que, em primeiro lugar, não deviam ter acontecido, eles podem ser exames, consultas, cirurgias e até medicamentos. O Brasil, por exemplo, é líder mundial de cesárea. Temos, infelizmente, esse terrível troféu.

Na saúde privada do Brasil, mais de 80% dos partos são de cesárea, cerca de 50 milhões de pessoas que têm plano de saúde privada. Tem dados da Fiocruz. E hoje, 70% das pessoas que estão grávidas desejam ter um filho de parto normal, também são dados da Fiocruz, porém menos de 25% conseguem.

Isto porque os incentivos do sistema de saúde levam para atividades mais complexas a serem feitas. Um parto é mais caro, ele gera mais custo para o sistema [quando é por cesárea]. Quer dizer, a operadora paga, mas ele acaba irrigando o sistema com mais custos.

É tudo mais caro quando você faz uma cesárea, mesmo que a mãe não queira. Agora, como é que resolvemos isso? Mais de 60% dos partos na Alice são normais, em um setor onde nem 20% são normais. Conseguimos isso remodelando toda a jornada e todos os incentivos também, inclusive financeiros, do modelo de parto. Então, por exemplo, os obstetras da Alice não recebem por parto, eles recebem por jornada.

Nas maternidades em que operamos, temos três obstetras, cada um recebendo por oito horas de trabalho. Dessa forma, o filho vai nascer no tempo biológico do nascimento. Você não agenda o nascimento. O nascimento acontece no tempo biológico dele.

Quando o nascimento é por cesárea, a internação neonatal é maior. Ou seja, é quase o dobro da internação neonatal de quando o parto é normal. A internação das mães é maior, porque o risco de sangramento também é maior. 

Outro exemplo é que, o Brasil faz quase três vezes mais exames de ressonância magnética per capita do que a França e os EUA. O paciente, por exemplo, fez uma ressonância, perdeu, [então dizem] “ah, vamos fazer de novo”, ou o médico pediu uma ressonância para a pessoa e ela não lembra onde está, o médico não tem acesso, [então dizem] “Ah, vamos fazer outra”. Uma ressonância custa cerca de R$ 3 mil. Isso gera desperdício. 

O aplicativo da Alice é intencionalmente intuitivo? Qual a motivão para o desenho dessa estrutura?

Eu diria que foi feito para ser intuitivo, porque o que tem por aí não é intuitivo. Eu comparo muito com os bancos antes e depois de existir o Nubank. Os bancos digitais soltaram o acesso ao [aplicativo] intuitivo. Há o exemplo do Mercado Livre também, as pessoas entram lá no site [de modo intuitivo] e o produto está na casa dela no dia seguinte. Então, acho que falta isso na saúde.

Falta essa usabilidade moderna no mundo da tecnologia de hoje em dia, não tecnologia dos anos 90 e 2000, tecnologia atual.Então fizemos de propósito, [criamos] a Alice também com o objetivo de melhorar muito a usabilidade da pessoa.

Qual você diria que é o diferencial da Alice em relação às outras empresas do setor?

Temos o básico que toda empresa precisa ter e o “a mais”. O básico é uma rede ótima de hospitais em todo o Brasil, temos também uma rede de médicos, especialistas, laboratórios, tudo isso que é de um convênio médico. 

Inclusive, com a usabilidade, [a Alice] entrega o currículo do médico, as notas da experiência que as pessoas têm com ele, as indicações, entrega o número.

As pessoas costumam perguntar “você conhece um médico bom?”, o que que define algo bom? Geralmente, é uma métrica, as pessoas vão comprar um serviço, um produto, elas procuram quem indicou, quantas estrelas tem, quantos reviews tem. E não tem isso na medicina.

Estamos trazendo isso [com a Alice]. Então, temos uma rede muito boa com algumas coisas a mais. Assim, o nosso produto, enquanto um produto básico de um plano de saúde, ele é excelente.

Então, nesse ponto, a gente é um grande diferencial, toda essa integração da saúde da pessoa, que é feita pela Alice. E isso traz muitos benefícios, porque facilita que as pessoas acessem o histórico de saúde delas, é muito fácil dela falar com o enfermeiro, com o médico, as coisas são mais fáceis de serem feitas. E, como consequência, conseguimos ter um reajuste muito mais controlado, porque fazemos uma gestão da saúde muito melhor.

Em maio deste ano, a empresa anunciou um reajuste abaixo da média do mercado pelo terceiro ano consecutivo. Com altos níveis de sinistralidade no setor e problemas como fraudes e judicialização, como esse movimento se sustenta? Ele gera algum déficit para a companhia?

A resposta para isso é: temos menos problemas que a média das operadoras, por conta do nosso modelo [para explicar] vou voltar para os números sobre os partos.

Alice tendo mais de 60% dos partos normais, é fato que temos menos internação neonatal, que custa caríssimo, temos menos internação das mães, elas saem do hospital muito mais rápido. Tudo isso que estou citando é menos custo.

Esse é um exemplo do que é gestão de saúde. Conseguimos gerir casos de vários tipos de saúde de um jeito melhor. 

Em 2023, a Alice tinha a meta de atingir uma receita de R$ 500 milhões em 2024. A companhia está no caminho de cumpri-lá? E para o futuro, o que esperar?

Vamos chegar em dezembro com mais de 40 mil vidas e com uma receita de R$ 450 milhões de faturamento recorrente. Temos 4 anos de operação, porque a Alice nasceu em março de 2019, mas lançamos o primeiro produto em julho de 2020.

Na verdade, a gente demorou um pouquinho por causa da [pandemia do] Covid-19, em julho de 2020, lançamos a Alice. Então, em 4 anos, fomos do lançamento zero de receita a quase meio bilhão de reais de receita.

É impressionante. Especialmente para o setor de saúde, que o comum é subir muito e cair muito também. E a queda não chegou, eu acredito que também não chegará, como tem esse controle de fluxo bem grande.

Como a companhia tem visto o setor? O que vocês acreditam ser muito positivo e o que pode melhorar?

Sou muito otimista com o setor de saúde, porque ele foi pouquíssimo penetrado por tecnologia. E uma boa parte dos problemas que o setor vive tem como causa a falta de integração de tecnologia do setor.

Exemplo, no momento em que o paciente passa a ter um prontuário dele, onde tudo que ele faz está lá, independente de onde ele faz, isso vai acontecer. Além disso, o prontuário único vai acontecer, é uma questão de dois anos [talvez], cinco anos ou sete anos. Agora, tenho certeza de que vai acontecer o prontuário único no setor privado brasileiro. 

Hoje, a saúde está inteiramente fragmentada. Se os seus dados estão em um hospital, os outros não têm visibilidade. A Alice tem visibilidade inteira, como eu já falei.

Acho que estamos bem na frente. Eu sou otimista, porque realmente acho que a saúde das pessoas vai melhorar com a tecnologia mais IA (Inteligência Artificial). Acredito que a IA vai fazer um belo papel nisso também. 

Os dados [de saúde da população] são únicos. Com a inteligência artificial, para trabalhar uma massa de centenas de milhões de pessoas, [seria possível identificar] onde estão as  populações com maior risco? Quais são as ações de promoção de saúde básicas que têm que ser feitas? Conseguiríamos [o setor] construir uma estratégia de promoção de saúde, seja a nível nacional, seja a nível regional, seja a nível populacional de uma empresa, de um público, de forma muito mais assertiva.

Na minha visão, o lugar que estamos é muito limitado por conta de informação. A saúde é a informação certa para você agir na hora certa e usando o recurso de saúde certo, nem a mais nem a menos.