Foto: Freepik
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A palavra reforma desperta percepções sobre mudanças, trocas, inovações e aquela “desconfiança”. E não é para menos. O Brasil se prepara para implementar a mais ampla mudança no sistema tributário das últimas décadas – a Reforma Tributária – e poucos setores sentirão esse impacto de forma tão direta quanto o varejo. Um segmento marcado por margens estreitas, alta competitividade e complexidade operacional agora se vê diante de um novo jogo fiscal. Mas entre desafios e incertezas, surge também uma oportunidade rara: a de construir um ambiente mais previsível e eficiente.

A Reforma Tributária traz, em sua essência, o objetivo de simplificar. O modelo de IVA Dual (formado pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em âmbito federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em âmbitos estadual e municipal) substituirá uma série de tributos atuais, como ICMS, ISS, PIS, Cofins e parte do IPI. É o fim de uma era marcada por sobreposições e insegurança jurídica. A promessa é de um sistema mais uniforme, transparente e, acima de tudo, previsível.

No longo prazo, a unificação de tributos tende a reduzir a burocracia e trazer mais transparência ao sistema tributário, eliminando distorções regionais. Por exemplo, não haverá mais 27 legislações de ICMS diferentes, o que simplifica a vida do varejista nacional. Setores do varejo sentirão impactos distintos: bens essenciais (como alimentos da cesta básica) terão carga tributária significativamente reduzida ou até zerada, possibilitando preços menores ao consumidor e estímulo a um maior volume de vendas nesses segmentos. Bares e restaurantes também serão beneficiados com redução de alíquota (na casa de 40% a menos), um alívio importante para suas margens.

Por outro lado, produtos que hoje se beneficiam de incentivos fiscais regionais (como eletrônicos, vestuário e outros bens de consumo) podem ficar mais caros para o consumidor final, já que a alíquota unificada estimada (CBS + IBS) deverá ficar em torno de 25%–28%. Esses segmentos perderão as vantagens competitivas que a antiga “guerra fiscal” proporcionava, exigindo dos varejistas uma revisão completa de estratégias de precificação e negociação com fornecedores. Em suma, a reforma simplifica o sistema e nivelará o campo de jogo: haverá menos espaço para vantagens tributárias regionais e mais necessidade de eficiência operacional para manter a competitividade.

Previsibilidade: o novo ativo estratégico

Por muito tempo, o empresário varejista precisou tomar decisões às cegas. A carga tributária variava conforme o estado, o tipo de produto e até o enquadramento fiscal do fornecedor. Agora, com regras nacionais e alíquotas unificadas, o jogo muda. Pela primeira vez, será possível projetar o impacto dos tributos com precisão e construir orçamentos e margens mais estáveis, um avanço imenso em um setor que vive de centavos por transação.

Uma das promessas da reforma é justamente trazer mais previsibilidade e segurança jurídica no campo tributário, o que é extremamente benéfico para o planejamento financeiro do varejo. Essa previsibilidade facilita o planejamento e será mais simples projetar o peso dos impostos nos próximos anos e incorporar esse dado nas projeções de fluxo de caixa, precificação e expansão do negócio.

Além disso, será possível um maior conforto operacional graças ao poder de decisão. Com um sistema mais claro, o gestor consegue planejar preços com antecedência, prever o impacto dos impostos no fluxo de caixa e tomar decisões de expansão baseadas em dados concretos, e não em incentivos fiscais regionais que mudam a cada governo. Em outras palavras, a reforma reduz as “surpresas tributárias” e devolve ao empresário o controle do próprio planejamento, para que ele possa elaborar orçamentos anuais mais confiáveis, definir políticas de preço de venda com margem de segurança adequada, planejar abertura de lojas em novas praças sem temor de surpresas fiscais locais e tomar decisões estratégicas (como lançar um novo produto ou entrar em um novo mercado) com menor “colchão” de contingência para tributos. Tudo isso contribui para reduzir o risco no negócio e melhorar a gestão financeira de longo prazo.

O impacto real no caixa

O varejo precisa, porém, ficar atento às novas dinâmicas do fluxo financeiro. A introdução do split payment, mecanismo que retém automaticamente o valor dos impostos no ato da venda, muda o ritmo de entrada de caixa nas empresas. O lojista passa a receber apenas o valor líquido das vendas, já descontado o tributo. Essa nova lógica elimina o risco de inadimplência fiscal, mas exige uma gestão de caixa mais rigorosa.

Imagine uma loja que vende um produto parcelado em cinco vezes. Com o novo sistema, o imposto será recolhido integralmente na primeira transação, mas o dinheiro das parcelas só entrará mês a mês. Esse descasamento exige preparação: simular o fluxo, rever capital de giro e ajustar prazos com fornecedores será essencial para evitar sufoco financeiro.

Por outro lado, o sistema de créditos tributários ficará mais eficiente. O princípio da não-cumulatividade plena permitirá que o varejista recupere 100% dos impostos pagos em etapas anteriores, um ganho direto de margem. É o fim do “imposto sobre imposto” que há décadas encarece produtos e distorce preços. Na prática, o lojista passa a pagar tributo apenas sobre o valor agregado, e não sobre toda a cadeia.

O fim da guerra fiscal e o novo mapa do varejo

Um dos efeitos mais estruturais da reforma é o fim da chamada guerra fiscal. Atualmente, muitos estados concedem incentivos ou reduções de ICMS para atrair empresas ao seu território, o que leva varejistas e distribuidores a escolherem a localização de centros de distribuição ou filiais com base em vantagens tributárias, e não apenas por critérios de mercado. Com a reforma, essa dinâmica muda drasticamente: estados e municípios não poderão mais oferecer incentivos fiscais de IBS/CBS para competir entre si, já que a legislação nacional será única e padronizada.

Essa uniformização das regras cria um campo de jogo mais justo, no qual a competitividade virá da eficiência operacional e da gestão, e não de regimes fiscais específicos. Pequenas e médias redes ganham com a redução das assimetrias regionais, enquanto as grandes precisarão se reinventar para manter margens em um ambiente sem vantagens tributárias.

Tecnologia como ponte entre o caos e a eficiência

O período de transição (previsto entre 2026 e 2033) será, sem dúvida, o mais desafiador. Durante esses anos, o varejo precisará operar sob duas lógicas tributárias ao mesmo tempo: o sistema antigo e o novo. Isso significa duplicar controles, atualizar sistemas e revisar processos. Nesse cenário, a tecnologia deixa de ser apoio e passa a ser sobrevivência.

Sistemas de gestão integrados, como ERPs e plataformas financeiras, precisarão ser adaptados para lidar simultaneamente com ICMS e IBS, PIS/Cofins e CBS. É o momento de testar, revisar e modernizar. Empresas que ainda dependem de planilhas ou processos manuais correm risco de erro, multas e até paralisação operacional.

A tecnologia será o que vai separar os negócios que apenas reagem daqueles que lideram. Plataformas de gestão financeira, como as que já integram dados de fluxo de caixa, conciliação de vendas e simulação de cenários tributários, se tornam o coração da operação. Elas permitem prever impactos, antecipar ajustes e garantir que nenhuma venda vire prejuízo oculto.

Da reforma à vantagem competitiva

No curto prazo, é natural que a Reforma Tributária traga incertezas. Mas, para quem se planejar agora, ela representará um divisor de águas. O varejista que investir em educação financeira, tecnologia e planejamento tributário transformará a complexidade em oportunidade.

A previsibilidade que o novo sistema promete não é apenas fiscal – é estratégica. Com regras mais claras, margens mais visíveis e menos distorções regionais, o gestor pode finalmente voltar a olhar para o que realmente faz o negócio prosperar: eficiência, inovação e cliente.

O Brasil dá um passo importante rumo a um ambiente de negócios mais transparente. E cabe ao varejo acompanhar esse movimento com inteligência e preparo. Porque, no fim das contas, a reforma pode até ser sobre impostos, mas seu verdadeiro impacto será sobre quem souber transformar previsibilidade em vantagem competitiva.

Henrique Carbonell, CEO e co-fundador da F360

Lidera a visão e estratégia da empresa, focando no crescimento sustentável e na transformação da gestão financeira no Brasil. Formado em Administração pela FAAP, Henrique criou a F360 após identificar a falta de ferramentas integradas para previsibilidade de caixa, conciliação de cartões e visão multicanal, desenvolvendo uma solução que une eficiência operacional e suporte estratégico.

Visão 360 sobre gestão financeira

Uma coluna que traduz os desafios e as oportunidades do universo financeiro no varejo. De gestão e eficiência operacional à reforma tributária e tendências de mercado, um panorama afiado para quem toma decisões com base em dados, estratégia e visão de futuro.

Uma coluna que traduz os desafios e as oportunidades do universo financeiro no varejo. De gestão e eficiência operacional à reforma tributária e tendências de mercado, um panorama afiado para quem toma decisões com base em dados, estratégia e visão de futuro.