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Dinheiro, sonhos e independência: um papo com Sua BFF Rica

"Porque independência financeira é o ponto de partida para todas as outras independências" disse Karla Freitas

Karla Freitas (suabffrica) (Foto: Cromalux)
Karla Freitas (suabffrica) (Foto: Cromalux)

O conhecimento sobre finanças, que ainda é muito associado algo apenas para homens e pessoas mais velhas, pode ser o falta para mulheres jovens realizarem seus sonhos. Foi isso que aconteceu com Karla Freitas, administradora de empresas do interior de São Paulo, que sonhava em ver o mar.

A relação de Freitas com o dinheiro mudou quando não pôde participar da que poderia sua primeira viagem para a praia. Desde então, nossa amiga, se dedicou a estudar sobre o tema e o dinheiro, de vilão, se tornou uma forma de alcançar seus objetivos.

Hoje Karla Freitas tem uma página no Instagram em que ensina conceitos importantes para educação financeira com uma linguagem divertida, usando memes e referências à cultura pop.

Veja a entrevista na íntegra

Quem é Karla Freitas? O que te motivou a se interessar por finanças?

Eu gosto de dizer que existem duas Karla: a do Antigo Testamento e a do Novo Testamento, e tem uma linha muito tênue entre elas.

A Karla do “antigo testamento” nunca acreditou que o dinheiro poderia ser para ela. Eu cresci em uma família pobre, sempre vi o dinheiro como o vilão da minha história. Tudo que era relacionado ao dinheiro para mim era estresse, nervosismo, brigas. Então eu sempre cresci com muitos sonhos, sempre fui uma menina muito sonhadora, só que eu tinha muito medo do dinheiro; não entendia que o dinheiro era a ferramenta que eu precisava para atingir meus sonhos. 

Quando eu era mais nova eu pensei que eu nunca iria conhecer a praia. Pode parecer bobo, mas esse era um dos meus maiores medos quando eu era criança. Minha família não tinha condições de me levar para praia, e todos os dias eu rezava baixinho para Deus para que um dia eu encontrasse uma maleta cheia de dinheiro na rua e com esse dinheiro eu iria para praia.

Com 14 anos consegui meu primeiro emprego, como recepcionista de uma faculdade. Eu até ganhava um dinheirinho bom para alguém que não tinha nenhuma outra responsabilidade. Se guardasse alguns meses eu conseguiria ir para a praia. Meu sonho continuava ali, dentro de mim, mas ao mesmo tempo eu gastava TODO meu salário em bolsas, roupas, sapatos e festinhas com meus amigos!

Um aprendizado que levo para minha vida toda: Tudo é custo de oportunidade.

Resultado: três meses depois, meu namorado e meus amigos resolveram fazer uma viagem para a praia… e eu não tinha dinheiro para ir. Se eu tivesse guardado só um pouquinho do que ganhei, meu sonho de infância teria se realizado. Naquele “não posso ir”, veio o clique: eu estava trocando os meus grandes sonhos por prazeres momentâneos. Foi nesse momento que eu decidi mudar minha relação com o dinheiro.

Comecei a estudar finanças inicialmente pela faculdade, mas com uma paixão que nascia dentro de mim. Achei um escritório de assessoria de investimentos que estava abrindo na cidade e bati na porta falei: quero trabalhar de graça para aprender.  mergulhei nesse universo que, até então, era completamente distante da minha realidade. Eu nem sabia o que era poupança! 

Estudei muito, tirei a certificação da ANCORD, me tornei assessora de investimentos (hoje não atuo mais na função) e criei um Instagram  que no começo se chamava Explica Grana. Ali, comecei a postar o que eu aprendia de forma leve, divertida e simples.

Do jeitinho que eu gostaria de ter aprendido. Foi aí que percebi: o mundo das finanças não precisa ser cinza. Ele pode ter referências de Harry Potter, Britney Spears e Gossip Girl. Pode ter glitter, sim!

O que te motivou a se posicionar enquanto uma influenciadora de conteúdos “Onde finanças encontra as mulheres”?

Trabalhei por mais de 6 anos no mercado financeiro, em gigantes como XP Investimentos, Rico, Clear e Suno Research. E no meio de planilhas, reuniões e dress codes sérios, eu descobri meu verdadeiro talento: traduzir o “economês” para a linguagem de amiga.

Passei muito tempo ajudando marcas e influenciadores nos bastidores — mas percebi que o público final desses projetos eram homens privilegiados. E aí eu pensei: “Espera. Eu penei tanto para aprender isso… eu quero falar com a Karla do passado.”

Foi assim que nasceu a Sua BFF Rica.

Hoje, ensino finanças com memes, cultura pop, analogias da vida real e aquele toque patricinha que ninguém espera mas todo mundo ama. Porque eu acredito, de verdade, que toda mulher merece aprender a cuidar do próprio dinheiro com a mesma confiança que cuida de si mesma.

É muito importante, nós pensarmos no custo de oportunidade ao tomar uma decisão: Quanto importante é isso para mim? Existe uma maneira melhor de usar esse dinheiro? O que vou perder no futuro com base na minha decisão de hoje?

Caso esteja se perguntando sobre a praia

Ah, eu conheci a praia, bem mais tarde, com 18 anos. Com o MEU PRÓPRIO DINHEIRO. Fui para as praias que eram meu sonho conhecer: Caribe, Noronha, Rio de Janeiro e agora, estou voltando da Bahia (no momento que foi feita a entrevista.)

Você acredita que o mundo das finanças e da economia ainda é muito masculino? Como você percebe esses aspectos de gênero dentro do universo da economia, das finanças e da educação financeira?

Com certeza. Quando eu comecei a estudar finanças e investimentos, eu jurava que esse era um universo exclusivo para homens brancos, engravatados, ricos e com mais de 40 anos. Nunca achei que esse espaço pudesse ser ocupado por uma mulher como eu. 

As primeiras escolas para meninos foram fundadas no Brasil no século XVI, com os jesuítas; já a primeira escola para meninas surgiu só em 1827; o direito ao voto feminino só veio em 1932; em 1962, foi revogada a necessidade de autorização do marido para a mulher trabalhar, abrir conta ou viajar sozinha e, acredite se quiser, o homem pisou na Lua em 1969, mas só em 1974 as mulheres conquistaram o direito de ter um cartão de crédito nos EUA (e aqui no Brasil, essa autonomia demorou ainda mais).

Ou seja: enquanto os homens estudavam, votavam, cuidavam do dinheiro e faziam foguetes… a gente estava sendo ensinada a bordar.

E isso reflete até hoje. Existe uma pesquisa que mostra que 61% das mulheres preferem falar sobre a própria morte do que sobre dinheiro. Não que a morte precise ser um tabu, mas olha o nível da dor que existe ao redor das finanças.

A gente fala mais de sexo, religião, política… mas dinheiro ainda é um tema que causa vergonha. As pessoas que têm muito dinheiro têm medo de parecer arrogantes; as que têm pouco, sentem vergonha; e as mulheres, muitas vezes, nem se sentem autorizadas a entrar na conversa.

Além de tudo isso, existe uma outra camada: a linguagem. Mesmo hoje, com todo o avanço, muitas pessoas que falam sobre finanças continuam usando termos técnicos, jargões, palavras difíceis. Isso afasta. A comunicação ainda é pensada para impressionar, não para incluir.

Sim, o sistema foi injusto. O passado foi duro, mas não adianta só culpar o governo, o sistema ou os homens. A gente não pode mudar o passado, mas pode transformar o futuro.

Ninguém vai vir salvar a gente. Então, vamos lutar pelos nossos direitos, sim, mas enquanto isso, vamos agir. A revolução começa quando a gente abre o app do banco, entende os números e percebe que não precisa pedir permissão pra ser dona da própria vida.

Muitas vezes o conhecimento feminino sobre finanças e economia é subestimado, você já sentiu isso na pele?

Já, e muitas vezes. Eu já senti na pele o preconceito de quem olha de cima só porque eu ensino finanças de um jeito leve. Como se, por não estar falando de terno e gravata, o conteúdo fosse menos sério.

Mas deixa eu te contar uma coisa: eu não explico finanças de forma leve porque as mulheres não conseguem entender, eu explico de forma leve porque a vida já é difícil demais. Porque ser mulher no Brasil já vem com boletos emocionais, físicos e sociais — e a última coisa que a gente precisa é alguém complicando ainda mais um assunto que já foi usado por tanto tempo para excluir a gente.

Se a gente pode aprender de forma gostosa, por que não? Se dá pra falar de CDI com analogia de crush, de Tesouro Direto com referência de filme, e fazer isso virar um momento de prazer e descoberta… é isso que eu quero.

Karla Freitas, administradora e influenciadora

Eu não explico finanças de forma leve porque as mulheres não conseguem entender, eu explico de forma leve porque a vida já é difícil demais.

Como o entendimento de finanças pode mudar a vida das mulheres brasileiras?

Sabia que temos, em média, apenas 4.000 semanas de vida? Pode parecer assustador, mas uma coisa é certa: temos apenas uma chance de fazer cada uma delas valer a pena. 

O entendimento de finanças pode mudar absolutamente tudo na vida de uma mulher. Porque independência financeira é o ponto de partida para todas as outras independências: emocional, geográfica, profissional, intelectual. Quando uma mulher aprende a cuidar do próprio dinheiro, ela passa a ter o poder de escolher. Escolher onde quer estar, com quem quer estar, o que quer viver — e o que não quer mais aceitar.

Hoje, no Brasil, muitas mulheres ainda dependem financeiramente de parceiros ou da família. E essa dependência não é só prática, ela é silenciosamente emocional. Ela prende. Limita. Machuca. Mas quando essa mesma mulher entende como o dinheiro funciona, começa a organizar a vida financeira, constrói uma reserva, aprende a investir, algo muda por dentro. Ela começa a andar diferente, a se posicionar diferente. Ela percebe que não precisa mais pedir permissão para viver a vida dos sonhos dela.

Então, entender de finanças não é só sobre enriquecer, é sobre ter a liberdade de ser quem você quiser e ir até onde quiser.

Qual é a maior dificuldade que você ouve das pessoas que entram em contato com seus conteúdos?

Sem dúvida, a maior dificuldade que eu escuto é: “Eu não consigo guardar dinheiro.”
Guardar dinheiro pra investir, pra realizar sonhos, pra construir uma vida melhor. E isso não acontece por falta de vontade  acontece porque existem três camadas muito profundas por trás desse bloqueio.

primeira camada tem tudo a ver com o tempo em que a gente vive. Estamos numa era da gratificação instantânea. Tudo é rápido, tudo é agora. A gente acaba trocando sonhos grandes, que moram no nosso coração, por prazeres pequenos, só porque achamos que vai demorar demais para chegar lá. Mas eu sempre digo pras minhas alunas: a gente não vive só uma vez. A gente MORRE só uma vez. Viver, a gente vive todos os dias. E se você não correr atrás dos seus sonhos, ninguém vai correr por você.

A segunda camada são os gastos emocionais: gente vive em uma sociedade que vende o tempo todo que comprar vai curar a tristeza, a carência, a frustração. Só que não vai. Gastar dinheiro pra curar sentimento é como colocar band-aid em ferida emocional: engana por algumas horas, mas o buraco ainda está lá  e a conta vai chegar.

E a terceira camada é a falta de clareza e controle. Muita gente não sabe o que entra e o que sai da própria conta. E se você não sabe para onde o seu dinheiro está indo, como é que você vai direcionar ele para onde realmente importa? Quando você começa a olhar a sua fatura, entender seus gastos, colocar no papel (ou na planilha), você passa a ter poder de escolha.

E uma coisa importante: existe um limite até onde a gente consegue cortar, mas para aumentar a renda, o céu é o limite. Então, além de organizar, “bora” pensar também em formas de ganhar mais. Criar renda extra, monetizar talentos, aprender novas habilidades.

E quais são os feedbacks positivos que você mais ouve?

Ah, tem vários, mas os melhores são alunas falando que eu ajudei elas a dar o primeiro passo para a independência financeira. Não tem nada que me emocione mais do que saber que, de alguma forma, eu consegui ajudar alguém a sair do lugar, a começar, a acreditar que também pode.

E o mais poderoso é quando eu recebo relatos de mulheres que estavam em situações de abuso financeiro e não só de parceiros, mas também da própria família. Às vezes a gente não percebe, mas o controle do dinheiro pode ser usado como forma de dominação, de silenciamento.

E quando uma mulher entende que a independência financeira é a chave que abre todas as outras a emocional, a geográfica, a intelectual é como se ela tivesse livre.

Pra mim, é sobre isso. Não é só sobre números, planilhas e investimentos. É sobre ver uma mulher retomando as rédeas da própria vida.  Esse é o tipo de feedback que me faz continuar  com ainda mais força.