Ambientes muito incertos como o mercado financeiro podem ser hostis. Nesses momentos, alguns pontos jogam a favor de quem está navegando por ele. Um diferencial que prova ser o trunfo dos investimentos com retornos sólidos nas crises é a experiência da equipe gestora. Na GAP Asset Management, pioneira no segmento independente no Brasil, há um dizer pelos corredores que conta como seus “soldados têm os corpos cheios de cicatrizes, mas os dentes da frente continuam intactos”.
Com R$ 2 bilhões sob gestão hoje, só em 2022, a empresa captou R$ 300 milhões, graças aos resultados consistentes dos últimos quatro anos. Desde a cisão com a Prudential Financial, em 2018, a GAP Asset decidiu seguir com estratégia única. Para isso, voltou seu foco para o multimercado macro. Hoje a gestora carioca trabalha com apenas dois produtos: o fundo aberto multimercado GAP Absoluto e o fundo de previdência Gap Absoluto XP Seg IQ FIM, que tem a XP como parceira.
Em ambos os fundos a proposta é entregar seis a sete de alpha, a taxa de retorno do investimento que, neste caso, considera o rendimento acima do CDI (Certificado de Depósito Interbancário). No fundo de previdência, o cuidado é para ter um rendimento em linha com o GAP Absoluto, segundo a sócia Lia Liserra. “Não tivemos resgate líquido no ano passado e, em termos de captação líquida, fechamos 2021 positivos. O que combinamos, estamos cumprindo”, disse em entrevista ao BP Money.
Lia conta que, num cenário de crise e crescente aversão a riscos, a maior concorrência da gestora hoje é a renda fixa. “O nosso concorrente dá positivo todo dia e a sua fotografia é mensal. Então temos que dar positivo todo dia e entregar uma fotografia mensal aos nossos investidores. Sabemos que essa é a regra do jogo”.
Para trilhar uma jornada vitoriosa nessa batalha, a grande tese na GAP Asset hoje é o aperto das condições financeiras nos países desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos.
Além de ser bem conhecido e estudado pela equipe, os EUA entram em cena como um mercado com regras bem definidas, isso quer dizer, onde há menos surpresas por parte das autoridades governamentais ou do banco central. É uma questão de risco controlado, já que o país enfrentará os diversos desafios da crise, como todos os outros, mas com um cenário de maior previsibilidade.
“Nos mercados emergentes, olhamos para o passado tentando identificar semelhanças com o cenário atual para lidar com as próximas crises. Os mercados desenvolvidos não fazem isso”, explicou Lia, que lembra que os norte-americanos passaram duas gerações sem lidar com a inflação.
A gestora entende que a inflação deve ser mais duradoura no mercado norte-americano com o aumento da taxa de juros. Já no Brasil, a GAP acredita que o Banco Central promoverá um ciclo de corte de juros em 2023, uma vez que a inflação para o próximo ano deve alcançar patamares mais baixos que os de 2022 – de 4% contra os atuais 7,89%, segundo o boletim Focus.
Com a disparidade entre os índices deste e do próximo ano, analistas da gestora entendem que os juros daqui devem ser cortados mais para frente. “Nos EUA, no entanto, acreditamos que a inflação deve perdurar”, disse a sócia.
“Em março deste ano, pegamos o movimento na parte curta da curva do juro norte-americano e, em abril, vimos que a parte longa da curva poderia impactar também. Aí pegamos uma posição vendida na Nasdaq. Isso gerou um alpha muito bom no mês passado”, contou Lia.
Ela reitera que esta é a ideia que a GAP Asset deve perseguir este ano, “ao menos até agora”, ponderou. A dinâmica de posicionamento da gestora é muito rápida e muda constantemente, de acordo com a análise e as considerações da equipe.
Dinamismo e estrutura para se levantar
Fundada em 1996, a gestora de fundos multimercados já atravessou períodos bem turbulentos, então são poucas as situações que trazem motivos para pânico. Na verdade, nenhuma. “Temos o cuidado de acertar grande e errar pequeno”, disse Lia.
Por isso, o GAP Absoluto se mostra um fundo muito ágil. “Acreditamos que o nosso diferencial é o que chamamos de dimensionamento das posições, algo que discutimos diariamente”, contou. Na gestora, o cenário macroeconômico entra em pauta às cinco da manhã – ou antes, para as equipes que cobrem os mercados internacionais.
Três horas depois, quando todo o time se reúne para a reunião de caixa no começo do dia, algumas ideias já estão formadas sobre o tamanho ideal para um posicionamento. “É uma discussão muito calorosa, e todos acabam participando, de gestores até profissionais mais jovens, em todas as áreas, e isso é algo muito incentivado pelo Oscar e pelo Renato”.
Lia se refere aos sócios Renato Junqueira, fundador da GAP Asset, e Oscar Camargo, na empresa desde 2001, líderes da equipe e o ponto basilar da operação. Seguindo o modelo de partnership, em que todo o capital da empresa é detido pelo time de quase vinte pessoas, a dupla consolidou a imagem de consistência da gestora, embora com uma trajetória que não esteve livre de desafios.
Depois de atravessar muitas crises nesses 26 anos e precisar se levantar de alguns tombos, a GAP aprimorou seus modelos de funcionamento nos últimos anos, seguindo uma diretriz de forte controle de risco. “Evoluímos o sistema parametrizado com regras de risco, que foram muito testadas durante a pandemia e é até hoje, todos os dias”, contou a sócia da gestora.
Lia conta que a estrutura gera certa tranquilidade para atravessar momentos difíceis, como na necessidade de aumentar o risco do fundo ou quando é preciso se recuperar de um drawdown (a queda do valor de um ativo em relação à sua cotação máxima). “Temos horror a perder dinheiro. Que fique bem claro. Mas não temos vergonha de admitir que já erramos. A vantagem é que temos um sistema sólido que nos apoia quando precisamos nos recuperar”, disse.
Em setembro do ano passado, a GAP Asset chamou a atenção por entregar um rendimento de 5,2% no GAP Absoluto, seu fundo multimercado, no mês que o Ibovespa caiu 6,6% e o IHFA (Índice de Hedge Funds ANBIMA), referência para a indústria de fundos de cobertura, subiu 0,15%.
Pouco antes, no acumulado dos meses de julho e agosto, o drawdown havia sido de 6,5%, o maior em 16 anos de fundo. “Como operamos em todos os mercados, às vezes temos os efeitos calendário. Isso significa que nosso segmento pode ter um tempo de maturação de até três meses”, explicou Lia.
Ela explica que uma das posições foi muito detratora de rentabilidade em agosto, período em que a gestora ainda viu a maturação de um dos trades acontecer só no último dia do mês. “Não era para ter sido um intervalo tão ruim, mas isso foi compensado em setembro”, disse.
Para enfrentar a fasemais crítica, a equipe conduziu um forte trabalho de comunicação e foi transparente, o que, segundo Lia, foi crucial para atravessar o período mais difícil e garantir a confiança dos investidores na gestora.
No mês seguinte, a ordem foi diversificar posições em juros porque a maior contribuição deveria vir de posições nos mercados do Chile e do México. A GAP viu a formação de uma “tempestade perfeita” com a proximidade de duas crises totalmente distintas: o endividamento da chinesa Evergrande e a escassez de energia na Europa.
A aposta foi sobre o impacto do cenário no S&P, índice das 500 maiores empresas no mercado norte-americano, que, mesmo residente nos EUA, é global. “Fizemos uma estrutura de opções para reduzir o risco, ficamos com a posição algumas semanas para pegar o movimento e saímos”, contou Lia.
O dimensionamento constante é uma característica da GAP, que adota esse dinamismo como uma frente de operação tática, um diferencial em momentos voláteis, porque permite o acompanhamento do comportamento das posições numa base diária. “Temos uma característica de zerar posições quando não estamos com convicção. Deixamos passar os dias nebulosos e, enquanto isso, ficamos nos preparando para as oportunidades, até achar uma ideia e montar uma posição grande”, explicou Lia.
DNA de controle de riscos
O dimensionamento e zelo com a posição é a forma que a GAP tem de perseguir mais eficiência para suas teses. A ordem na gestora é não perder dinheiro. Para Lia, o que vem fazendo mais diferença nessa frente é o DNA de apertar muito o risco. “Estamos o tempo todo testando todas as nossas regras”, disse.
A seu ver, a gestora não vende apenas cenário macroeconômico ou gestão de ativos, mas principalmente gerenciamento e controle de riscos.
E a gestão compartilhada entre Oscar e Renato dá o tom: deve haver um consenso para que uma posição entre na carteira dos fundos. “Em momentos de turbulência, como os que atravessamos em 2020 e em 2021, fez toda diferença ter uma equipe experiente em crises”, afirmou a sócia.
Para o índice Sharpe, usado para avaliar um fundo de investimento com base na rentabilidade do portfólio e o risco (ou volatilidade), o ideal é ficar próximo de um, “para tentar manter um caminho mais suave para a cota”, explicou Lia. Existe uma preocupação com o investidor que vem das raízes da gestora, um começo marcado por ter entre seus principais clientes familiares, amigos e pessoas próximas ao fundador.
Só que ninguém está a salvo de riscos no mercado financeiro e, se há uma certeza no setor, é que tudo pode mudar – a qualquer momento. Foi o que aconteceu desde o começo do ano, quando ninguém (ou poucos) acreditava na invasão à Ucrânia.
Com a piora do cenário político, os riscos escalaram em questão de semanas. “Em momentos nebulosos, quando não estamos conseguindo enxergar nenhuma oportunidade, preferimos reduzir o risco do fundo e esperar”, afirmou Lia.
O que está no radar da GAP Asset
A gestora olha para o médio e longo prazo, mas não deixa de estar atenta ao que pode impactar suas posições no curto prazo. Conhecidos como “quebra-molas” (ou lombadas), são os eventos de calendário. “Estamos sempre nos questionando se algum gatilho pode gerar volatilidade e, caso sim, como vamos passar por ela com a posição mais eficiente”, contou Lia.
Hoje, a empresa olha para alguns “elos fracos” no cenário global. O primeiro é o mercado europeu, altamente dependente da exportação russa e novamente ameaçado por uma possível escassez de energia no mundo. Por lá, outro ponto de atenção é a Turquia, uma tese ainda germinal na GAP, mas que está no radar por conta do histórico de comportamento do mercado. “Fizemos uma posição vendida, mas ainda pequena”.
Para a gestora, o Brasil está em uma posição favorável, por se manter afastado das disputas políticas internacionais, ter uma balança comercial favorável graças à alta das commodities e contabilizar uma safra de grãos recorde neste ano, além da gordura de juros que está segurando o patamar da moeda.
“Hoje, o risco do fundo está apoiado na ideia de aperto de condições financeiras dos desenvolvidos”, reforçou Lia. A rentabilidade do fundo GAP Absoluto está dando 13% neste ano e, desses, mais ou menos 6,5% vêm dos juros norte-americanos.
Todas as teses apresentadas aqui, vale lembrar, estão sujeitas à revisão. Porque se há uma certeza entre os “soldados” da GAP Asset Management é que os dias podem trazer batalhas novas a serem vencidas, mas experiência e estratégia garantem uma jornada longe de riscos. A segunda grande lição na gestora é conhecer a melhor forma de resistir à volatilidade – e para as vezes que cair: saiba se levantar rapidamente.
GAP Asset Management
Sede: Rio de Janeiro
Líderes: Renato Junqueira, fundador e CIO, e Oscar Camargo, sócio e CIO
Foco: fundos multimercado macro
Capital sob gestão: R$ 2 bilhões (dado de maio de 2022)
Entrevistada: Lia Liserra, sócia e líder comercial. Começou na GAP em 2006, como estagiária. Saiu em 2008 e voltou para a empresa 12 anos depois, em 2020.
Estrutura: 20 pessoas sob o modelo de partnership