O novo presidente do Brasil será escolhido no próximo dia 30, mas qual será o impacto imediato desta escolha no mercado brasileiro? Para Marcos Mollica, gestor macro do Opportunity, o arcabouço fiscal irá determinar o curto prazo do Brasil na virada do ano, principalmente pelo receio dos investidores em como esse processo será feito, já que Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) já indicaram o fim do teto de gastos.
“A gente vai ter que discutir o que será o arcabouço fiscal, pois existem muitas intenções, de ambos os lados, de acabar com o teto de gastos, e isso é uma reforma que o mercado vai olhar e vai determinar muito o curto prazo do Brasil na virada do ano. Será, talvez, a informação mais relevante”, disse o gestor do Opportunity em entrevista exclusiva ao BP Money.
Apesar do momento de indefinição provocado pelo pleito eleitoral, Mollica salienta que a maior preocupação segue sendo o cenário global de aperto monetário sincronizado das economias centrais.
“O processo inflacionário global continua muito ruim. Tivemos como exemplo o último CPI dos EUA, que o mercado esperava que houvesse algum sinal de que a inflação estava fazendo pico do ciclo e, na verdade, houve uma aceleração. Isso é um exemplo de como está difícil o cenário internacional de inflação e como a gente pode ter ainda um risco de ter taxa de juros muito alta no exterior”, analisou Mollica.
Para ele, apesar de o Brasil estar bem defendido, o País segue “muito a reboque” do cenário global. “Ainda está muito complicado [cenário internacional] e ainda será um determinante para sabermos se teremos um próximo ano mais positivo ou de muita volatilidade”, salientou.
Confira a entrevista na íntegra:
O mercado reagiu de maneira muito positiva ao primeiro turno das eleições por alguns fatores, como uma disputa mais acirrada e o legislativo se formando por maioria de direita. O senhor acredita que uma eventual vitória petista em segundo turno, após esse cenário, pode derrubar o mercado brasileiro?
É difícil especular agora. O grande problema com o Lula é que a gente não conhece nem o Plano de Governo e nem a equipe. O comportamento do mercado vai depender das informações que forem divulgadas logo depois da eleição. Os pontos importantes para o mercado são equipe, que tem que ter uma equipe que seja respeitada pelo mercado, e o que vai ser o arcabouço fiscal brasileiro. Estamos com uma discussão de acabar com o teto de gastos, mas não temos ainda os contornos do que seria colocado no lugar. Se a gente conseguir apresentar um plano crível no mercado, acho que eles acabam comprando e segue o jogo. Mas acho que, só no “fio do bigode” o mercado não irá comprar e pode gerar alguma decepção.
O mercado até agora foi muito tranquilo. O resultado do primeiro turno colaborou para isso, mas eu acho que ele está sendo bastante sereno e entendendo que muito da retórica que está sendo difundida agora tem a ver com a campanha eleitoral. Quando sentar na cadeira o jogo fica sério e a gente vai ver o que vai acontecer.
A expectativa é de que, mesmo em um cenário de vitória petista, o eventual governo seja mais de centro, tanto pela formação do legislativo, quanto por contar com figuras como Alckmin, Meirelles e outros. No entanto, o ex-presidente optar por não revelar o seu escolhido para o Ministério gera um receio e uma incerteza no mercado?
Sem dúvida. Vários nomes circulam no mercado. O Meirelles perdeu um pouco de força, mas é tudo especulação nesse momento. Não temos nenhuma base objetiva para dizer qual será a equipe e esse é um ponto relevante para o mercado.
Em julho, o fundo macro multimercado da Opportunity praticamente zerou suas posições no Brasil afirmando que os preços dos ativos locais não compensavam os riscos. Vocês ainda enxergam o atual cenário desta maneira ou a visão de vocês mudou?
Segue parecido. Um pouco antes do último Copom, a gente iniciou posições aplicadas em juros, então a gente vem carregando posições. Elas são pequenas, mas reflete o cenário de juros. Temos um pico da inflação se formando e, possivelmente, um vento mais benigno de deflação vindo de fora. A inflação de bens já começa a dar sinais de arrefecimento. Continuamos bastante preocupados com a inflação de serviços, acho que ela está ligada a atividade econômica, que continua forte e surpreendendo o mercado. Acho que teremos um arrefecimento disso nos próximos meses, mas ainda é prematuro falar em cortes. O Banco Central precisará ser paciente. A gente tem posições aplicadas, mas muito pequenas. Em bolsa temos pequenas posições compradas. O cenário eleitoral continua muito indefinido.
Algumas medidas econômicas foram feitas, diminuindo preço de combustível, energia, entre outros, o que resultou em três meses de deflação neste período. A tendência é que essa queda se mantenha ou logo após os resultados veremos novas altas? E como fica a inflação para o próximo ano?
Estamos achando realmente que a inflação vai virar. Esses três meses foram, de fato, resultado das medidas de redução de ICMS, a gente deve sair desses números deflacionários já no próximo mês, mas achamos que a inflação segue uma trajetória de baixa. Deve fechar o ano em torno de 5% e, possivelmente no próximo ano, caso não haja nenhuma derrapagem fiscal, podemos nos aproximar para baixo de 5%, mais perto de 4,5%, e caminhar para uma convergência da inflação para a meta em 2024. O cenário é relativamente confortável diante desse mundo que está com uma dificuldade enorme em combater a inflação. A grande incógnita é de como ficará o fiscal no próximo ano, pois terá um impacto grande nessa trajetória benigna de inflação que falei.
Projetando 2023, como ficará o mercado no próximo ano e o que o presidente eleito irá enfrentar? Novas reformas deverão ser feitas?
Tem uma agenda de reformas meio engatilhadas. A gente vai ter que discutir o que será o arcabouço fiscal, pois existem muitas intenções, de ambos os lados, de acabar com o teto de gastos, e isso é uma reforma que o mercado vai olhar e vai determinar muito o curto prazo do Brasil na virada do ano. Será, talvez, a informação mais relevante. Passando para reformas mais estruturais, temos que realizar a tributária, sinto que esse tema amadureceu e existe já uma convergência grande sobre. A grande dificuldade talvez seja alguma coisa ligada ao pacto federativo do ICMS, como a gente distribui o custo eliminando o ICMS. Tem uma reforma administrativa para ser discutida e também acho que amadureceu, mas deverá ter mais resistência.
No caso de um eventual governo Bolsonaro podemos ter discussão sobre privatizações de algumas empresas que já estão no radar, como Correios e Petrobras. No governo petista isso está morto, pois eles são contra. A agenda é essa, por isso é importante não derraparmos no fiscal, para abrirmos discussões mais importantes.
O País passa por um período eleitoral quente, mas, ao mesmo tempo, acompanha um cenário exterior muito difícil, com alta de juros e recessão global. Qual a maior preocupação para o mercado brasileiro e como o Brasil se encontra atualmente com esses fatores?
A maior preocupação continua sendo o cenário global de aperto monetário sincronizado das economias centrais. O processo inflacionário global continua muito ruim. Tivemos como exemplo o último CPI dos EUA, que o mercado esperava que houvesse algum sinal de que a inflação estava fazendo pico do ciclo e, na verdade, houve uma aceleração. Isso é um exemplo de como está difícil o cenário internacional de inflação e como a gente pode ter ainda um risco de ter taxa de juros muito alta no exterior. O Brasil está entrando em condições mais bem defendidas. Antecipamos muito esse ciclo de aperto monetário. Atualmente a taxa do Brasil está em um território bastante restritivo, a inflação, apesar de ter uma resiliência, parece que já fez pico. Acho que, apesar de todos os gastos que fizemos com pandemia e auxílio emergencial, a situação fiscal do Brasil está terminando o governo de maneira bastante satisfatória.
Muita gente acreditava que a dívida pública ia para cima de 100% do PIB e estamos terminando com uma dívida pública abaixo de 80%. Existem muitos desafios para o ano que vem, mas acho que a situação do Brasil, tanto do lado monetário quanto do fiscal, parece que dá um certo colchão para enfrentar essa volatilidade externa. A mensagem que eu passo é que o ambiente externo difícil do jeito que estamos vendo, a tolerância do investidor estrangeiro para erros de política econômica está muito baixa. Precisamos pensar direitinho com o que iremos fazer com o arcabouço fiscal depois da eleição, pois se derraparmos, os mercados irão punir severamente.
O Brasil está muito a reboque desse cenário internacional. Ele continua bastante difícil e não está claro que conseguimos uma vitória na inflação, principalmente nas economias centrais, como nos EUA. Temos uma crise energética relevante, no qual não foi resolvido o problema de escassez dos combustíveis. Será um tema que estará recorrentemente conosco, pois só a recessão não resolve a escassez estrutural de energia que estamos constatando, e isso é um fator de risco para a economia global no próximo ano. Além, também, do risco geopolítico. Não estamos vendo muito progresso na Guerra da Ucrânia, e o governo chinês nos lembrou que o risco de Taiwan continua no ar. Pode ser que, em algum momento, a gente acorde com alguma outra guerra pipocando no nosso quintal. O cenário internacional ainda está muito complicado e ainda será um determinante para sabermos se teremos um próximo ano mais positivo ou de muita volatilidade.
O Fed [banco central dos EUA] vem seguindo um caminho que deve seguir, com as medidas que vem tomando, ou deveria realizar um aperto monetário ainda maior? Qual a sua projeção em relação a um pico de inflação nos EUA?
Houve uma correção de rota no Simpósio do Jackson Hole, ali foi o momento em que o Jerome Powell deu a diretriz correta. Ele mostrou que a prioridade única é trazer a inflação de volta para meta e o Fed vai fazer o que for necessário no curto prazo, e ele acha que ainda está longe de atingir os objetivos. Além disso, ele acha que não tem “pivô” do Fed tão cedo, então essa taxa terminal que irá atingir terá que ser mantida nesse nível por um período prolongado. A mensagem ficou correta naquele momento e o mercado entendeu. Acho que ele está fazendo a coisa certa. Estamos indo para uma taxa terminal em torno de 5% e que deverá ser mantida em todo o ano que vem para começarmos a ter progresso na inflação.
A Europa deve sofrer um pouco mais do que os EUA em decorrência da crise energética e da própria Guerra da Ucrânia?
A questão da crise energética pega de cheio a Europa. Os EUA têm uma autonomia energética, é autosuficiente na produção de gás natural, de petróleo e outras fontes de energia. Já a Europa passa por uma escassez, pois dependia muito da Rússia e não está achando uma alternativa viável de curtíssimo prazo. O choque energético será muito grande, terá que haver um racionamento, o que levará a um crescimento um pouco mais baixo e preços mais altos. O trabalho do Banco Central fica bem mais complicado, pois é um choque de oferta clássico, onde se tem inflação mas, por outro lado, tem um crescimento muito mais baixo.